Eric Araki pode dizer que já fez de tudo um pouco trabalhando com videogames. Frequentador de locadoras na adolescência, ele começou a contribuir com revistas até chegar à Conrad Editora, onde encontrou seu lugar escrevendo para publicações como Nintendo World e EGM Brasil (onde, aliás, trabalhamos juntos).
Como editor da revista Pokémon Club, ajudou a fomentar a febre pelos monstros de bolso que tomava conta do imaginário infantil.
Mais tarde, teve uma longa passagem na Level Up Games, onde ajudou a estabelecer comunidades em torno de jogos multiplayer asiáticos como Ragnarök Online. Atualmente na Niantic Labs, Eric é o responsável por cuidar da marca Pokémon GO no Brasil, criando ações e eventos para o game que há mais de sete anos estimula pessoas comuns a capturarem criaturas virtuais pelas cidades.
Na conversa que segue, Eric Araki falou sobre as estratégias para manter o aplicativo popular, além de opinar sobre o atual estado da indústria de jogos, cada vez mais mobile e menos dependente de formatos tradicionais. Confira:
Você trabalha com games há muito tempo. Resuma essa trajetória para quem não te acompanhou.
Eric Araki: Bom, lá vai. Eu sou o Eric, faço parte da indústria de games desde 1997 e colaborei com diversas revistas de games de renome como Nintendo World, EGM Brasil e afins. No início de 2000, tive a grande oportunidade de capitanear a Pokémon Club, a primeira revista oficial de Pokémon no país, o que foi uma experiência muito legal.
Em 2004, andei para o outro lado da “linha vermelha” e passei a liderar todas as iniciativas de comunicação da Level Up no Brasil. Em 2018, eu me aventurei por uma paixão, os esports, oferecendo diversos projetos para marcas e publishers.
Em 2021, voltei a abraçar minha outra paixão, que é Pokémon, e liderei Pokémon Unite no Brasil. De lá para cá, desde 2023, eu ocupo uma cadeira na Niantic Labs, tocando parcerias e iniciativas de marketing para trazer ao brasileiro as melhores experiências possíveis com Pokémon GO.
Pokémon GO oferece uma experiência balanceada, tão casual quanto hardcore, e talvez seja esse o motivo de atingir jogadores com características bem diversas. Como se atinge esse equilíbrio?
Eric Araki: O fato de Pokémon GO introduzir suas novidades de forma muito simples, fácil e como parte da jogabilidade ajuda com que as pessoas encontrem o caminho delas, na medida em que forem evoluindo.
Porque é exatamente como a história da saga Pokémon: você começa jogando com um entre três monstros. E aí tem gente que vai querer colecionar todos, tem quem batalhe em PVP, e por aí vai.
A Niantic tem três grandes pilares, independentemente dos jogos: o primeiro é o movimento. A empresa nasceu do Google, dos criadores do Google Maps e do Google Earth. Então, estamos muito focados em fazer com que a pessoa saia de casa e vá até os lugares.
Em nossos jogos, as pessoas não vão jogar sentadas no sofá. Você não tem o joystick – você é o joystick.
O segundo pilar é a comunidade, a interação social, conhecer e explorar. E o último, que contribui para o fato de o jogo ter esse feeling evergreen: fazer o bem à comunidade, incentivar que os jogadores interajam entre si, conversem e façam amigos. Você joga tanto em grupo quanto sozinho, mas em grupo, consegue explorar e fazer muito mais coisas.
A gente incentiva essas reuniões exatamente para fazer com que todos se encontrem e formem laços. As pessoas continuam jogando não só pelo game em si, mas pelos amigos que fazem e pelas comunidades que têm.
Outro ponto que faz com que Pokémon GO seja jogado tanto pelo casual quanto pelo hardcore é o fato de ter uma série de atividades para se aprofundar. Então, é “fácil de aprender e difícil de se tornar um mestre”.
É simples, disponível para todo mundo e fácil de se aprender. Mas tem um nível de aprendizado grande para que a pessoa possa escolher em que momento se tornar hardcore.
Quem joga há mais de sete anos percebe que o jogo está, de certa forma, “evoluindo junto”. Como a Niantic enxerga a obrigação de fazer Pokémon GO se tornar melhor de jogar? Qual é o papel do Brasil no contexto global do game?
Eric Araki: Pouca gente sabe que, antes de ser produtora de jogos, a Niantic é a maior empresa de realidade aumentada do mundo. Um dos lemas é “tornar o mundo real mais divertido e mais brilhante, sempre explorando os limites da tecnologia”.
Isso é um ponto muito importante, porque para nós não é uma obrigação, e sim um prazer, tentar coisas novas que não eram possíveis com a tecnologia de sete anos atrás.
Muito disso vem também de Pokémon. De 20 anos para cá, dá para ver como a franquia se tornou mais complexa, exigindo mais coisas diferentes. Um dos nossos desafios é conseguir adaptar esses pequenos gimmicks para Pokémon GO.
Ou seja, a gente sempre está empurrando a tecnologia para fazer com que ela se adeque a tudo o que os jogadores esperam.
O jogo está localizado para o português brasileiro desde 2017 – ou seja, um ano depois de ter sido lançado. E a gente tem operações oficiais no Brasil desde 2018, mas eram focadas na comunidade. Muita gente não percebe que Pokémon GO continua grande no Brasil, e parte do nosso papel é fazer com que o jogo volte a estar em todos os lugares.
O Brasil é muito importante para a Niantic como um todo, porque, dos mercados emergentes, é o maior em quantidade de jogadores.
Mas também tem uma série de desafios. Por exemplo: ao mesmo tempo em que tem grandes números de jogadores, o país ainda é campeão em roubos de celular.
Imagine que, mesmo com essa condição, as pessoas ainda têm grande interesse em continuar jogando Pokémon GO. Então, é muito importante trazer essas atividades, ações e mudanças que façam sentido para os brasileiros, que permitam que eles possam se divertir e jogar com mais tranquilidade.
A gente entende que existe uma exposição muito pequena de Pokémon GO por aqui, considerando-se que o Brasil também é um dos países que mais tem interesse em Pokémon. Hoje, essa é uma das marcas mais valiosas do mundo.
Desde 2023, a gente tem trabalhado na retomada do mercado, valorizando o jogador com atividades, seja para a comunidade, seja para chamar mais atenção e fazer com que as pessoas voltem a ver o game como uma experiência muito legal.
O que houve com o jogo durante e depois da pandemia? Já voltou a ter crescimento?
Eric Araki: Não é o mesmo cenário pré-pandemia, naturalmente. A gente tinha uma febre muito grande, pessoas jogando em todos os lugares. De lá para cá, é um cenário totalmente diferente. Mas temos visto um crescimento, e de uma forma muito especial.
Temos um dado muito legal sobre os casais que participam da nossa base: mais de 70% têm filhos, e trazem esses filhos para jogar junto.
Então, muito desse crescimento se dá pelos filhos que estão começando a jogar por influência dos pais, que começaram em 2016.
Também temos visto uma quantidade grande de gente voltando a jogar, que nota as ações que fazemos para o público brasileiro: “Nossa! Pokémon GO? Caramba, isso ainda está legal!”. E eles baixam e voltam a jogar.
A gente costuma dizer que essas ações de manutenção foram para a retomada. O jogo se manteve bem ao longo da pandemia, mas, especificamente no Brasil, tivemos um baque muito grande por conta do foco em comunidades. Em 2023, começamos a fazer uma série de ações para trazer as comunidades para perto da gente e fazer com que cresçam de novo.
Em números atuais, são mais de 10 mil pessoas que se reúnem no “Dia Comunitário”. É muita gente saindo de casa para ir até um parque encontrar pessoas e jogarem juntos, o que para nós é muito legal.
No ano passado, fizemos bastante coisa também para o jogo, focadas no Brasil, só que não chamamos muita atenção. Em 2024, a gente quer mudar isso.
Não estamos atingindo as pessoas e todo o potencial que a gente tem, especialmente considerando o público de antes. Mas temos sentido um crescimento grande.
O modelo de negócio do mobile é muito misterioso para pessoas que estão fora da indústria. “Eu não gasto nada para jogar como esses caras ainda existem?” Afinal, Pokémon GO dá dinheiro no Brasil? Como funciona isso na prática?
Eric Araki: O Brasil tem sempre um público muito alto, mas a conversão geralmente é baixa, porque o brasileiro não costuma gastar. E quando quer, ele às vezes esbarra em um problema, que é o preço não-localizado.
Um jogo a R$ 500 não está de acordo com a realidade do brasileiro. Não é viável escolher entre pagar um terço do salário-mínimo por um jogo e colocar comida no prato. Não é saudável para o ecossistema de games no país.
Uma das coisas que fizemos para incentivar e melhorar a condição do consumo foi fazer essa redução nos preços. Antes, o pacote mais caro de itens custava R$ 560 no iOS. Depois da mudança, conseguimos que passasse a custar R$ 190.
E conseguimos que os preços fossem iguais tanto na Apple Store quanto na Google Store, reduzindo todos os pacotes.
As pessoas perguntam se a gente consegue fazer dinheiro dessa forma. Na verdade, estamos fazendo ainda mais dinheiro, porque tivemos um aumento ano a ano após a adequação e localização dos preços. Superamos o ano anterior e temos um revenue ainda maior.
Isso é um exemplo de que sim, o brasileiro compra, mas o mercado tem de acompanhar a realidade. Não adianta colocar um jogo a R$ 400 que a pessoa não vai comprar. Ela pode fazer um esforço, mas não será a grande massa. É por isso que os jogos free to play foram tão abraçados nos países emergentes, porque o restante do mercado não acompanha a realidade do país.
E ainda que o brasileiro não esteja entre os que mais consomem dentro do jogo, estamos em uma crescente, porque as pessoas notam que podem conseguir as Pokémoedas, se quiserem, com um preço localizado de acordo com suas realidades.
No início não se olhava com tanto carinho para esse tipo de coisa, e é por isso que ter uma equipe local é muito importante – pessoas que olham o mercado e entendem o que se passa no país. E a Niantic valoriza muito isso.
Celular no Brasil é a plataforma preferida para jogar por diversas razões. Para você, quais seriam as principais?
Eric Araki: A questão da mobilidade é essencial – sem isso não existiria Pokémon GO. É muito importante poder ir até os lugares com um device na mão e jogar. Mas, mais do que isso, é o fato de o celular estar muito intrínseco na vida das pessoas.
Você não consegue se imaginar nem um final de semana sem o celular. Além disso, é mais acessível, não precisa comprar outra plataforma para poder jogar.
Se for olhar o mercado de games lá por meados de 2010, os consoles que mais vendiam não eram os mais potentes. Não era o Play 3 ou Play 4; era o Play 2 e o Play 1. Porque as pessoas compravam o que estava disponível nas Casas Bahia, e essa é a realidade do brasileiro – ele precisa de algo que seja acessível.
O celular chegou como algo essencial e acessível, e que, por ventura, tem jogos. Então, faz todo sentido que se torne a plataforma preferida para se jogar, independentemente de também jogar em outras plataformas.
Fala-se muito de ubiquidade. Mas você não quer jogar no console a mesma coisa que joga no celular. São plataformas e experiências diferentes, que permitem coisas completamente diferentes. A exemplo do Pokémon GO: você não conseguiria jogar no PlayStation ou Xbox. Inclusive, arremessar a Pokébola com a alavanca do joystick seria horrível.
Obviamente, as coisas mudaram desde que você começou a trabalhar com games. Os jogos evoluíram, as experiências são mais rápidas, mas mais profundas. Quais as diferenças nas características do jogador de ontem e hoje? Os gamers atuais são mais “legais” do que os de antigamente?
Eric Araki: Essa é uma excelente pergunta, e tem um paralelo com a internet como “entidade”. Respondo em primeira pessoa, opinião pessoal – afinal, também me considero um jogador.
Nos idos de 1980, 90, éramos passivos. Qualquer coisa que viesse dos mercados externos, no idioma que fosse, era uma bênção. Consumíamos o que chegava, ansiávamos pelos jogos cobertos nas revistas, terminávamos RPGs em japonês sem entender um caractere que fosse. Por isso mesmo, não éramos tão críticos ou criteriosos, pela falta da base, da comparação.
Além disso, as opiniões atingiam um público limitado – as páginas das revistas, os círculos de amigos de escola, eventualmente uma reclamação na “Hotline”, na esperança de que chegassem às desenvolvedoras. Essa limitação nos deixava com a pergunta: “será que só eu não gostei desse jogo?”. Não tínhamos como saber.
Com o advento dos jogos cada vez mais sociais (online, como MMOs e jogos que fomentam a comunidade) e das redes participativas na chamada “internet 2.0”, tivemos acesso a muito mais material, mais opiniões, outras vozes.
Passamos a saber que perguntas como “por que esse jogo não está em português?” ou “por que tantos bugs?” não estavam apenas em nossos círculos internos. Foi quando essas perguntas se tornaram coros crescentes, tão altos que as desenvolvedoras e publicadoras não podiam ignorar.
Membros conservadores da indústria veem isso como uma dor de cabeça, “opiniões de gente que não sabe o que quer”, “não entende o contexto geral”, ou “não sabe o que passamos”.
Minha experiência trabalhando com comunidades diz o contrário: o feedback da comunidade é uma fonte inestimável de aprendizado, dando origem a melhorias em nossos produtos e permitindo entregar aos fãs o que eles querem.
Os jogadores estão mais exigentes, sim. Mas não é um reflexo da internet colaborativa, e sim, de uma realidade em que “Day 1 Patch” é a regra, e há gastos cada vez menores em QA. Convenhamos: reclamar e exigir algo de melhor qualidade é um direito que temos, como jogadores.
Afinal, é o nosso tempo e dinheiro dedicados nisso.