Se a Twitch segue globalmente reconhecida pelas transmissões e criadores relacionados ao universo dos games e esportes eletrônicos, os resultados da diversificação promovida ao longo dos últimos anos podem ser sentidos também em 2024. Segundo o balanço mais atual divulgado pela plataforma de live streaming da Amazon nessa terça-feira (10), foram 20,3 bilhões de horas assistidas ao longo do ano e 879 milhões de horas transmitidas – número menor que as 20,91 bilhões de horas de 2023.
Foram 9,51 milhões de streamers iniciantes entre os 21,4 milhões de ativos – ou seja, um índice de estreantes de quase 45% do total.
Como já é tradição, os games não foram a categoria mais assistida na maior parte do mundo. Na América Latina, por exemplo, os esportes tradicionais dominaram, com a Kings League e a Kings World Cup (de futebol de 7) no topo do interesse com 48,7 milhões de horas assistidas. Na América do Norte o “Just Chatting” (Só Na Conversa, em português) foi a categoria mais assistida, com 843,3 milhões de horas, crescimento de 9,3%.
Esse tipo de conteúdo também domina no ranking global, com 2,93 bilhões de horas assistidas. Os games aparecem em seguida, com o arrasa-quarteirão da Rockstar, o imortal Grand Theft Auto V, respondendo sozinho por 1,46 bilhão de horas – mais que as 1,31 bilhão de 2023. Na Ásia os jogos imperam, com Valorant, da Riot Games, no topo, segurando sozinho 263 milhões de horas de transmissão.
“Estamos lançando diversos recursos para dar mais oportunidades para criadores de conteúdo de diferentes segmentos”, explica Anadege Freitas, diretora de conteúdo e parcerias para a Twitch no Brasil e para os mercados de língua portuguesa, em entrevista exclusiva ao The Gaming Era. A conversa aconteceu alguns dias antes da divulgação dos resultados – que não incluem números específicos para o Brasil ainda, o que deve ocorrer em janeiro.
A executiva enumera, por exemplo, features para DJs e músicos que queiram fazer lives na plataforma. Direitos autorais são um problema recorrente para esses profissionais na internet “Fizemos um acordo com gravadoras para ter direito a essas músicas e ajudar os criadores. Nós subsidiamos essa operação, ou parte é descontada da monetização, enfim”, explica Anadege.
Ela também cita o recurso Streamando Juntos, em que o streamer pode convidar alguém do chat ou outros criadores para participar de uma transmissão. “São coisas de que qualquer criador de conteúdo pode se beneficiar”, diz ela. “Toda vez que a gente fala em expandir categorias, sabemos que é muito mais sobre um indivíduo do que sobre uma categoria em si. Mas fico feliz que temos pessoas de muitos segmentos vendo Twitch.”
A diretora cita nomes como o de Casimiro Miguel, apresentador e criador da CazéTV, que “começou na Twitch” jogando, mas que “era muito de conversa”; e o influenciador Brino, que apesar de associado ao mundo dos games por fazer parte da organização Furia é reconhecido por “esse tipo de conteúdo em formato diferente para um nova geração”.
A jovem cantora carioca Tília, que tem um canal oficial na plataforma, também é citada como exemplo de um novo momento para a Twitch tanto no Brasil como no mundo. “A Twitch é muito sobre os streamers”, ressalta ela, dizendo que os games são um tema importante, mas a estratégia de aquisição de influenciadores vai além deles.
Games e parcerias
Os dados de 2024 enviados pela Twitch ao TGE indicam uma confluência frequente entre games e outras mídias. Por exemplo, a série Fallout, da Amazon Prime, fez os jogos da franquia da Bethesda também dispararem na Twitch, com pico de audiência somado em abril (mês de lançamento da série) de 10 milhões de horas. Foram 38,5 milhões de horas desses games transmitidos ao longo do ano.
A própria série foi transmitida por mais de 35 milhões de horas, com 10 milhões de horas assistidas apenas naquele mês de lançamento.
A Olimpíada de Paris também trouxe repercussões. Foram 59,6 milhões de horas de jogos como NBA 2K e Madden, sem contar as transmissões ao vivo do evento esportivo de fato.
Talvez por isso Anadege tome algum tempo da entrevista para explicar que, sim, fez carreira no mundo dos games, mas a Twitch significou “uma jornada de aprendizado”. Antes da atual posição ela foi diretora de marketing para a América Latina da Activision por quase cinco anos, diretora comercial e de marketing da unidade de games da Hasbro por três, e gerente de marketing e vendas da Nintendo no Brasil por mais dois.
“Toda essa minha jornada na indústria de games me ensinou muito, principalmente a falar do poder da comunidade e da criação de conteúdo. O mercado de games consegue contar boas histórias e se conectar de forma singela e única com o consumidor, que a gente chama de fãs”, conta. “É uma indústria muito vocal: ou eles amam ou odeiam. É diferente de lidar com o consumidor no geral e isso me ensinou muito.”
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A missão da executiva na Twitch é exatamente essa: criar parcerias com as marcas, comunidades e streamers, principalmente aqueles que engajam muitas pessoas, e transformar tudo em negócio. Ela tem se dedicado, claro, a ampliar o número de associados ao Partner Plus, programa global de parceiros da marca que oferece uma série de benefícios.
Apesar de globalmente padronizado, o trabalho com os influenciadores é, segundo Anadege, “tailor made”, ou seja, personalizado para os projetos específicos de cada um deles. “A Twitch pensa muito em comunidade. Grandes streamers são importantes para nós e temos muito orgulho de ter todos eles com a gente, mas pensamos na comunidade como um todo”, explica.
O Partner Plus promete, entre outros benefícios, monetização adicional a partir do número de subs [assinaturas menais] compradas pelos usuários. Mas do ponto de vista local, o trabalho é “mais estratégico”, diz a executiva. “Fazemos um trabalho mais local de eventos com os parceiros. É uma relação mais próxima. É uma oportunidade de ouvir cada um deles e ajudar em necessidades mais locais”, diz.
É claro que, mais do que apoiar cada streamer de forma consultiva, Anadege quer aumentar o número deles. “Quanto mais pessoas verem o Twitch e mais as comunidades crescerem, mais elas vão se tornar parceiras. Então sim, o objetivo é continuar crescendo”, diz. “Se existem novos criadores e categorias, apresentamos a Twitch, levamos as oportunidades e ajudamos a pensar em como monetizar.”
Desafios e perspectivas
Perguntada se o ano difícil para o setor de games, com demissões em massa e diminuição do interesse das marcas não-endêmicas, afetou também o interesse por games na Twitch, Anadege reconhece que “faz sentido”, mas não dá números. Segundo ela, na pandemia muitas pessoas estavam “100% do tempo em casa”, e muitos começaram a “fazer lives porque se sentiam sozinhos”. Mas agora há outras possibilidades de entretenimento.
A própria Twitch começou 2024 com alguns percalços. Em janeiro, a empresa demitiu cerca de 500 funcionários no mundo, ou 35% da força de trabalho.
“É natural a acomodação. É a chamada economia da atenção: nossos dias têm 24 horas, dormimos, trabalhamos e fazemos nossas coisas. E tem o tempo de entretenimento. São escolhas”, pondera ela, ressaltando que muitos usuários que chegaram na pandemia ficaram, e que os números de audiência “continuam muito fortes, inclusive comparando com o período da pandemia”.
Segundo ela, o conteúdo por streaming engaja uma audiência mais jovem, que quer consumir conteúdo de forma diferente, com conexões mais fortes com “pessoas reais”. E cada sessão na plataforma tem entre 2h30 e 3h30. “É uma quantidade muito grande de engajamento por usuário”, diz.
Isso também é verdade para o Brasil, um dos “top países do mundo” para a Twitch em termos de audiência. “E sim, é um mercado muito estratégico e a Twitch olha [para ele] cirurgicamente.”
Para Anadege, 2024 foi um ano de “transformação, acomodação”, e não só para o mercado de games. “Estou em grupos de CMOs [diretores de marketing] de diferentes mercados, e todo mundo sente.” Apesar disso, diz ela, 2024 foi um ano de “grandes surpresas”, com novos criadores de destaque surgindo e crescendo na Twitch. “E ano que vem vai ser melhor ainda”, diz ela. “Vejo muitas oportunidades que ainda nem posso falar (risos).”