Thiago Leme, o diretor de operações (COO) da Webedia, vai fazer 10 anos na empresa em janeiro de 2025. Engenheiro de formação, o executivo tem uma história curiosa: começou a carreira na obra de construção do BRT carioca. “Eu trabalhava na manutenção de equipamentos na Andrade Gutierrez”, lembra ele, rindo, em conversa exclusiva com o TGE.
Mas o executivo “não era muito feliz fazendo isso”. A paixão pelo setor de mídia e conteúdo veio pouco depois, quando o influenciador Felipe Neto o convidou para estruturar a área financeira da Paramaker, produtora de vídeos para o YouTube pioneira no País fundada alguns anos antes. Mas que, àquela altura, não ia muito bem das pernas.
“Eu larguei tudo, estava fazendo mestrado, e entrei na Paramaker como financeiro. Tentei organizar o melhor possível o caos que aquilo era, mas rapidamente me interessei pela produção”, lembra ele. “Eu vim de pesquisa, era o meu forte. Comecei a estudar, olhar para o Analytics e dar pitacos em como deveria ser o conteúdo.”
Thiago entrou na Webedia quando a Paramaker foi comprada, em 2015, primeiro como head de vídeo e produção. Em 2018, assumiu a divisão de inteligência de mercado em branded services, para trabalhar com marcas como Ubisoft Brasil, Xbox, Nestlé e outras. Também liderou a Fluent, área de branded content. É COO desde 2021, e desde 2024 faz uma “gestão compartilhada” da companhia com a CEO Marina Croce.
Para ele, o maior desafio atual da Webedia, e do próprio IGN Brasil, é “garantir que a gente seja rápido e suficiente para entrar na dança que as Big Techs [grandes empresas de tecnologia] implementam”. Para o executivo, com as “regras do jogo” (leia-se “algoritmos”) mudando o tempo todo, fica cada vez mais difícil prever o comportamento da audiência. “O desafio é estar dois passos à frente para entender como vão mudar e garantir a audiência.”
Leme admite que, sim, a produção de conteúdo depende fortemente de inspiração e criatividade, mas também de “uma parte muito cartesiana e analítica de observar dados, o que funciona e o que não funciona, para garantir que a gente entenda como cada algoritmo está funcionando”, diz. “Para quem faz muito conteúdo, isso traz uma vantagem competitiva.”
Produção em massa
A Webedia é uma companhia multinacional de origem francesa, dona de uma rede de canais, aplicativos e websites. No Brasil, tem alguns portais bastante acessados, sendo o maior de todos o Tudo Gostoso, plataforma de receitas que provavelmente você já acessou quando quis fazer um bolo de fubá ou um estrogonofe de frango. O AdoroCinema é outra marca bastante conhecida da empresa.
Para os gamers, o que mais interessa na Webedia é que ela é dona da licença do IGN no País, conglomerado americano de conteúdo e notícias sobre games que muito provavelmente é o maior do mundo, com presença em 112 países. A operação do IGN Brasil foi lançada em 2015 – com Pablo Miyazawa, colunista do TGE, como primeiro editor-chefe.
O modelo de negócios da empresa no País é baseado sobretudo em produção e distribuição de conteúdo, inclusive para marcas terceiras – a também francesa Ubisoft é a mais reconhecida delas, com parte dos funcionários no País alocados no prédio da Webedia em São Paulo.
A estrutura soma 10 estúdios divididos entre Rio de Janeiro e a capital paulista, incluindo uma arena com capacidade para até 80 pessoas e transmissão ao vivo de eventos de games e entretenimento. São prédios pensados não só para atividades corporativas, mas para receber o público em eventos e ativações.
A Webedia Brasil ainda tem uma divisão de e-commerce, clube de assinaturas de produtos (o Nerd ao Cubo) e soluções para ações com influenciadores (Talent Web Academy). São cerca de 250 funcionários divididos igualmente entre as duas capitais, com capacidade de produção semelhante – embora a redação do IGN Brasil fique em SP.
“É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo”, diz ao TGE o COO da empresa, durante “tour” guiado pelo prédio da Vila Olímpia, bairro da zona sul de SP.
Comida, diversão e arte
Na divisão lógica de responsabilidades que Thiago tem com Marina Croce na condução da Webedia, a unidade de negócios de games fica sob cuidado mais atento do COO. “Eu sou nintendista!”, diz ele rindo enquanto aponta para o Nintendo Switch carregando sobre a mesa de sua sala. No mundo dos games não é incomum que a paixão justifique decisões de gestão.
Cada marca da Webedia Brasil é encarada como uma unidade de negócios, com faturamento vinculado e estrutura de custos. “Cada marca tem uma visão específica. Mas todas tem que ser saudáveis. Não dá para uma ter prejuízo e as outras bancarem”, explica ele.
O Tudo Gostoso é a maior fonte de receita da empresa, com 40% do faturamento, seguido pela divisão de games (o IGN Brasil) e de filmes (o AdoroCinema) com 20% cada um. Os demais 20% são oriundos de iniciativas diversas.
“Temos um inventário que permite um faturamento muito significativo, e para as marcas de alimentação não é uma escolha não estar no TudoGostoso. É o nosso grande carro chefe”, diz ele, sem reduzir a importância da unidade de gaming. “IGN tem duas vantagens competitivas: a primeira é o nome, ele é reconhecido no mundo todo e somos uma escolha óbvia das publicadoras”
A segunda, completa, é a competitividade. A empresa tem, assegura Leme, pacotes comerciais atrativos, inventário de produtos e audiência. “Não tenho problemas de entrega”, assegura. “O produto precisa ser bom, no inventário do site, nas redes sociais, e no relacionamento que temos com os publicadores, que eu lidero. Não admito um triplo A que não esteja no IGN.”
Desde que assumiu como COO da Webedia, três anos atrás, Leme é responsável pela operação diária da empresa, com a complexidade típica da produção audiovisual em massa. Também responde pela gestão financeira, fiscal e orçamentária, além do time comercial.
No conteúdo de games, uma de suas missões é “lançar novas IPs [propriedades intelectuais] que sejam reconhecidas”, citando um recente reality show de League of Legends – o Ultimate Legends Training, feito em parceria com a Endemol Shine – como exemplo. “Temos o objetivo no curto e médio prazo de fazer mais conteúdos com esse nível de qualidade. Que não necessariamente tem o nome IGN, mas usa o ecossistema para amplificar o alcance”, ressalta.
Em termos de audiência, assegura Thiago, o IGN Brasil continua muito bem obrigado. “Todo mês batemos recordes de audiência. Desde novembro [de 2023]. Vamos chegar a 35 milhões de page views em breve”, diz.
Em consulta feita pelo The Gaming Era no SimilarWeb, serviço que mede a audiência global na internet, o IGN Brasil chegou a quase 21 milhões de visitantes únicos* em agosto desse ano.
Crise criativa
Aproveito para terminar a conversa com Thiago abordando assuntos mais espinhosos. Por exemplo, a possível crise de credibilidade e audiência de que sofre o jornalismo de games brasileiro quando as publishers passam a preferir divulgar seus jogos com (e aplicar verbas em) influenciadores. Mas, para ele, trata-se de um dilema duplo.
“Para o influenciador as marcas veem que é maneiro, mas falta o peso, o carimbo. Parece uma coisa informal. E quando você vai para o veículo vira o Jornal Nacional, em que o apresentador fala todo bonitinho. O influenciador quer ser o veículo e vice-versa”, pondera. “A gente precisa de mais entretenimento, do conteúdo que não necessariamente é jornalístico, para abordar as diferentes personas.”
O executivo cita o videocast N House, produzido pelo IGN Brasil com o influenciador Rodrigo Coelho, o Coelho no Japão, e que mistura jornalismo com entretenimento para falar de Nintendo. “O Coelho tem essa conexão autêntica com o público e a chancela do IGN como um carimbo. A gente tenta fazer uma balança”, explica.
No passado a Webedia tentou manter no Brasil uma agência específica para trabalhar com influenciadores, a Digital Stars, que acabou fechada em 2019. A percepção à época, segundo Leme, é que ter exclusividade do conteúdo produzido por influenciadores não era um diferencial para o público.
A empresa ainda tem estruturas específicas para trabalhar com grandes e pequenos (ou nano) influenciadores. Por meio de uma plataforma – formada pela Sampleo e pela Talent Web Academy – a empresa faz o relacionamento e as divulgações de produtos usando esses criadores e definindo metas específicas. “Nós mandamos um produto e eles precisam cumprir uma série de missões, postar, fazer review etc.”, explica.
Outra crise que faço questão de abordar com Leme é justamente a enfrentada agora pelo mercado de jogos eletrônicos mundial, com demissões e reajustes. Além disso, parece haver uma crise de confiança com as marcas não-endêmicas, ou seja, aquelas que não nasceram no mundo dos games e ou da tecnologia.
“Na minha visão toda marca não-endêmica deveria estar se comunicando com o gamer, porque quase todo mundo hoje é gamer”, diz ele. “Mas tem maneiras e maneiras de falar. São gamers diferentes”, ressalta.
O executivo também salienta que o mercado gamer, até poucos anos atrás, era bastante imaturo e incapaz de lidar com marcas já profissionalizadas e demandantes de resultados claros, que no fim no foram entregues.
Com relação à indústria, Leme acha que há uma crise de custos gerando uma crise criativa em toda a indústria, com games AAA cada vez mais caros e as publicadoras “jogando no seguro” para tentar emplacar títulos que justifiquem os preços de produção exorbitantes. “E aí surgem os jogos nada a ver que não fazem sucesso”, diz.
“Estamos em um momento muito delicado e as marcas não-endêmicas precisam entrar para nutrir esse ecossistema. Se não entrarem nesse momento de crise, os elos vão se quebrar e o jogo X vai falir, o jogo Y vai fechar servidores. Isso vai acontecer no curto prazo”, diz ele. “Vamos ver algum grande estúdio desistindo de trabalhar como trabalha hoje e isso vai ser um baque”, diz, sem citar nomes.
* Errata: a métrica correta do Similar Web é de visitantes únicos, não de page views, como havia sido mencionado anteriormente no texto. Atualização às 21h55 de 20/09