Hoje é dia de contar uma daquelas histórias que realmente mostram o propósito da minha coluna aqui no TGE. Pessoas verdadeiras conectadas ao poder do mundo dos videogames – com carreiras sendo transformadas.
Um brasileiro que começou a estudar música aos oito anos – compôs sua primeira sinfonia aos 18 – e hoje é simplesmente diretor de áudio e compositor na Snowcastle Games, renomado estúdio de jogos norueguês. Theo Nogueira é um daqueles talentos que o mundo dos games abraçou e, não por acaso, ele foi nomeado no final do ano passado para a turma Future Class do The Game Awards (TGA) – um seleto grupo de 50 profissionais escolhidos pela organização do evento que representam “o futuro brilhante, ousado e inclusivo dos videogames”.
Na Steam, inclusive, você encontra alguns jogos trabalhados por membros da The Game Awards Future Class.
Ousadia sem dúvida é uma palavra que define Nogueira. Formado em Música e Design de Som para Mídias Visuais na Academy of Art University em São Francisco, na Califórnia, começou a trabalhar com filmes e games – uma paixão de infância no Rio de Janeiro. Hoje na Noruega, além de atuar na Snowcastle Games, também é presidente do conselho de administração do GAiN (Game Audio in Norway), um sindicato oficial para Designers de Áudio, e professor universitário no país escandinavo.
Theo conversou comigo com exclusividade e traz mais detalhes sobre sua história, nomeação pelo TGA, atual momento da indústria de games da Noruega comparado ao Brasil e os projetos que está liderando. A entrevista é recheada de detalhes que vão te encantar e te encorajar caso você sonhe em seguir carreira no mercado dos games. Confira!
Theo, pode contar um pouco da sua história?
Theo Nogueira: Claro! Eu comecei a estudar música cedo, aos oito anos, quando entrei para o Coral dos Canarinhos de Petrópolis, coral mais antigo do Brasil. Lá eu aprendi a ler música, tudo sobre teoria musical, e aprendi piano e canto. Já desde os 12 anos eu gostava de compor, e aos 18 anos compus minha primeira sinfonia.
Orquestras e música clássica sempre foram algo que me emocionaram e trouxeram uma grande mistura de sentimentos. Assim como o polo oposto do heavy metal e progressivo sempre foram parte do meu gosto musical.
Eu sempre fui de certa forma eclético e como bom brasileiro também tinha um pé na bossa nova e MPB.
Tudo isso se juntou quando eu entrei para a UFRJ em 2007 no curso de Regência Orquestral. Mas depois de dois anos lá, eu senti que composição era o que eu queria fazer, e ainda mais composição para mídias visuais, como filmes, séries e jogos. No Brasil era difícil me imaginar trabalhando com algo do tipo ou estudando para chegar lá, então depois de algumas tentativas, morando em Portugal e depois no Canadá por seis meses, encontrei a Academy of Art University em São Francisco, na Califórnia.
Lá eu tirei meu Bacharelado em Música e Design de Som para Mídias Visuais e comecei já desde os últimos anos de curso a trabalhar com filmes e jogos. Durante meu tempo em São Francisco, eu ajudei a construir o estúdio da Strawberry Hill Music, onde trabalhei por três anos e depois também trabalhei com a Somatone Interactive como designer de som e compositor em vários jogos.
Eu conheci minha parceira em 2013 em São Francisco, estudando na mesma Universidade. Ela é norueguesa e quando meu visto americano estava para expirar, em 2017, e ela acabou o curso dela, decidimos que mudar para a Noruega seria a melhor opção.
Eu então tive que me adaptar a mais uma cultura, o que foi muito interessante e abriu minha mente para muita coisa. Na Noruega tudo mudou para mim. Os primeiros anos foram difíceis, porque tive que aprender a língua e me adaptar ao inverno e à cultura em geral. Eu descobri que sem isso seria difícil conseguir um trabalho na minha área, mesmo com alguns anos e jogos de experiência.
Mas depois de me conectar com várias pessoas na indústria, eu acabei na Snowcastle Games, que na época estava procurando alguém para trabalhar próximo deles com tudo relacionado a áudio. O designer de som deles tinha começado na Ubisoft e morava no Canadá sem condições de dar mais suporte para eles.
Além da Snowcastle Games, eu me conectei com um grupo de designers de som que já existia como um grupo de Facebook desde 2009, feito para dar suporte uns aos outros. Resolvemos transformar o grupo em um sindicato oficial para Designers de Áudio, chamado GAiN (Game Audio in Norway) e eu fui eleito presidente do conselho de administração do sindicato e continuo na posição desde então.
Pela GAiN, meu maior prazer é a organização da GACO (Game Audio Conference Oslo), uma conferência presencial e digital em Oslo, já feita três vezes. Acredito que quando nós conseguimos chegar a um certo patamar onde temos mais conhecimento, é importante poder passar esse conhecimento aos que estão começando e é isso que a GAiN tem como maior objetivo.
O que significa estar entre os nomes da Future Class da TGA? Queria ouvir um pouco do propósito dessa indicação e o que ela significou para você.
Nogueira: Foi um pouco inesperado. Existem vários benefícios e toda uma rede de contatos que se abre por conta disso. Por motivos de confidencialidade eu não posso dar muitos detalhes, mas posso dizer que tem sido uma jornada bem legal e pude conhecer pessoas de várias culturas diferentes, com focos diferentes, trazendo mudanças na indústria de forma a melhorar como os jogos são feitos e para que eles sejam mais inclusivos e socialmente corretos.
Pode contar um pouco como começou sua jornada dos games em outros países e como você chegou a Noruega – e por que acabou sendo um país que você criou raízes?
Nogueira: Eu jogo desde 1994. Eu tinha um Master System e depois um Mega Drive que sempre amei. Comecei a jogar em PC em 1997 num Windows 1995 e me apaixonei. Na época não entendia que existia alguém do outro lado criando esses jogos e que trabalhar com som e música para jogos era um trabalho.
Quando estava em São Francisco, a AAU, Universidade onde me formei, tinha um curso de Game Design, então me conectei com muitas pessoas aprendendo desenvolvimento de jogos.
São Francisco também é um lugar extremamente importante para a indústria de jogos, vide a GDC (Game Developers Conference), que é a maior conferência de desenvolvedores do mundo e acontece na cidade. Eu trabalhei com jogos via a Strawberry Hill Music e pela Somatone também e quando me mudei para a Noruega, junto com a minha parceira, agora esposa, eu me conectei com a indústria em geral, até porque é muito menor.
A indústria de jogos da Noruega tinha 250 pessoas em 2017 quando cheguei, mas em 2023, ela já chega a mais de 600. É uma indústria que está crescendo muito rápido. E como os noruegueses foram extremamente inclusivos comigo, me deram muito suporte e eu comecei minha família aqui, isso tudo explica por que eu criei raízes nesse lindo país escandinavo.
Como você avalia o olhar da indústria para esse profissional ligado ao áudio e, na sua opinião, como o olhar para a música tem impactado o mercado de games (e os gamers) como um todo atualmente?
Nogueira: Como disse, eu comecei a estudar música muito cedo, e como alguém que adora jogos, colocar as duas coisas juntas é um sonho que pude conquistar. Eu acredito que a indústria de jogos dê muito valor às pessoas que fazem áudio, principalmente música. Existe um entendimento da sua importância.
O problema sempre foi deixar muito pouco tempo para a criação e mixagem de áudio para jogos. Problema comum também com filmes e séries de TV. Mas isso é algo que está mudando bastante, com várias pessoas no setor, como eu, trabalhando diretamente no estúdio desde o começo da produção, o que ajuda muito a ter tempo para ser criativo.
A indústria da música já é um pouco diferente. Eles sempre viram trilhas como algo secundário, menos importante.
Mas a maioria das pessoas não entende que a indústria de jogos é cinco vezes maior que a indústria da música.
E nos últimos anos, grandes orquestras no mundo começaram a fazer concertos de trilhas, porque começaram a entender quais são os tipos de concertos que mais vendem hoje em dia. Isso começou a mudar muito a maneira como as pessoas enxergam o setor em si: algo que eles achavam ser uma brincadeira de criança é na verdade a maior exportação cultural do mundo.
Pode contar sobre seu trabalho como professor nesta área na Noruega? Como é o ecossistema de games comparado ao Brasil e qual é o olhar dos estudantes sobre essa área do áudio ligado aos games? É um patamar de atenção e remuneração para quem atua com games diferenciado por aí?
Nogueira: É um pouco difícil para mim comparar com o Brasil, já que nunca trabalhei com jogos por aí e não tenho direto contato com estúdios e desenvolvedores no País. Mas na Noruega existem algumas universidades que focam 100% em jogos e são cursos bem-vistos.
O que acontece mais é que muita gente hoje em dia aprende desenvolvimento de jogos online, via YouTube, e outros cursos rápidos ao invés de tirar um Bacharel, por exemplo.
Mas na Noruega, todas as universidades públicas são de graça e tem um alto nível. Então você vê muitos estudantes que usam o tempo mais para criar contatos e entender a indústria em si, o que funciona muito bem para eles.
Eu contratei duas designers de som para trabalhar comigo que eram minhas alunas. Elas começaram como estagiárias e uma delas foi promovida a Júnior ano passado, enquanto a outra foi para a Funcom, maior estúdio de jogos da Noruega.
Já a remuneração é um caso mais complicado. Talvez porque é uma indústria que está começando por aqui, os salários, proporcionalmente com outras indústrias não são tão altos. Mas se você comparar com o Brasil, eles são com certeza altos.
Ao mesmo tempo que se compara com os salários de quem trabalha nos EUA, a Noruega não consegue competir. O que acontece é que aqui nós temos vários benefícios do governo em si, como saúde, educação e estabilidade que países como os EUA não têm.
Você tem trabalhado em diversos games da Snowcastle Games. Quais as perspectivas da empresa sobre esses novos projetos e quais mercados a empresa quer atingir com esses games?
Nogueira: Eu sou empregado da Snowcastle Games como diretor de áudio e compositor, então é o meu trabalho principal do dia a dia. Isso significa que em qualquer projeto da Snowcastle eu sou o responsável por tudo que você escuta saindo das suas caixas de som ou fones de ouvido. A Snowcastle já existe há 15 anos e é um estúdio que foca no seu próprio IP, criando jogos no mesmo mundo com personagens e narrativas que se conectam.
Eles lançaram em 2016 o EARTHLOCK, que foi um jogo que recebeu muita atenção e colocou a empresa no mapa. Com mais de 2,5 milhões de downloads, a Snowcastle conseguiu estabelecer ali sua marca.
Atualmente estamos trabalhando no Ikonei Island: an Earthlock Adventure, um cozy game que foi lançado para PC em novembro do ano passado e que vai ser lançado via Playstation e Xbox no fim deste mês. Além disso, continuamos desenvolvendo o EARTHLOCK 2 que é um projeto muito maior e ambicioso, já que será um Open World RPG – bem diferente de tudo que já fizemos até agora.
Ambos os jogos têm uma audiência bem diferente, com o EARTHLOCK para as mais maduras, enquanto o Ikonei sendo para todas as idades.
Quais caminhos, Theo, você acredita que são mais desafiadores para a indústria de games brasileira para evoluir, pensando que você tem essa bagagem internacional consolidada?
Nogueira: Eu acredito que no mundo todo, o problema da indústria é a falta de investimento privado.
Por ser uma indústria tão próxima de tecnologia, mas sendo ainda parte da cultura, ela acaba sendo tratada de uma forma muito capitalista.
Vários jogos são cancelados e times mandados embora hoje em dia por falta de capital externo. Jogos são caros para serem produzidos. No Brasil eu acredito que um investimento sério, bons cursos e eventos focados em desenvolvimento podem mudar tudo e transformar a indústria brasileira de jogos em algo muito grande.
Quais são seus próximos passos como profissional brasileiro e consolidado na Europa?
Nogueira: Eu amo a Noruega e mudar daqui não está nos meus planos. Acredito muito na Snowcastle e acabamos de fundar a Snowcastle AudioLabs, uma divisão do estúdio focado em toda a parte de áudio, de design de som a música e atuação em dublagem de jogos. Além disso, também somos o primeiro estúdio da Noruega certificado em Dolby Atmos para jogos.
Nossos planos são de não só trabalhar em áudio para a Snowcastle Games, mas também para outros estúdios. Então diria que em termos de planos, que sigam a Snowcastle Games e a Snowcastle AudioLabs em nossas redes sociais e saibam mais do que está por vir.