A construção de um marco regulatório não é qualquer tarefa: trata-se da definição legal, dos limites e dos mecanismos que podem estimular um setor econômico de maneira definitiva. Quem é dos jogos eletrônicos e não esteve no mundo da lua entre 2023 e 2024 sabe que a vivemos recentemente a luta pela aprovação da nossa legislação regulatória, a lei federal 14.852/2024 – mais conhecida como Marco Legal dos Games.
Tenho buscado registrar, nesta coluna, alguns aspectos que permeiam a luta pela consolidação jurídica, política e social do nosso setor. E não poderia deixar de registrar o encontro GIGANTE que pudemos promover no Rio de Janeiro no último mês de maio, em virtude da comemoração de um ano da promulgação do nosso Marco.
A realização do 2º seminário Games: Um RIO de Oportunidades, organizado pela Associação de Criadores de Jogos do Estado do Rio de Janeiro (ACJOGOS-RJ), com o essencial apoio do Sebrae RJ e da Fundação Casa de Rui Barbosa, foi um grande encontro. Ele me deixou com a certeza de que estamos diante de um setor não apenas em ascensão, mas fundamental para o desenvolvimento nacional.
O evento desfilou um bom número de autoridades, nunca antes reunidas nesse número em nenhum evento no País, ouso dizer. Pretendo destacá-las na sequência, enquanto relato sobre o que eles foram expondo durante o evento.
Andrea Terra, representante da Fundação Casa de Rui Barbosa, pontuou na abertura que a lei nos classifica adequadamente como produto audiovisual, reconhecendo o setor também como tecnologia e inovação. Essa distinção é crucial, como enfatizou o deputado federal Reimont Otoni, para separar “games” de “apostas” (bets), algo que, segundo ele, tem sido “muito danoso” ao País.
Entendi que os jogos são, na verdade, sobre criatividade, pesquisa, entretenimento, autonomia e soberania, e não sobre o azar. Esta lei, aliás, é fruto de uma “luta incansável” do setor, especialmente da ACJOGOS-RJ, que garantiu a proteção de crianças e adolescentes contra o ambiente de apostas.
Essa distinção é fundamental para podermos falar de um setor de potencial econômico. Com um mercado de R$ 13 bilhões anuais e em franco crescimento, os games se mostram um vetor de desenvolvimento tecnológico e econômico para cidades como o Rio de Janeiro, que já investiu mais de R$ 3 milhões no setor. O número foi dado por Tatiana Roque, Secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura do Rio de Janeiro, que falou em nome do prefeito Eduardo Paes.
Mas os jogos vão muito além da economia. Eu vi, com os exemplos apresentados por desenvolvedores como Alberto de Assunção Neto (Pink Mango), Bruno Amorim (Odu Stúdios) e Kim Kasnowski (Double Dash), como o setor é um motor de inclusão social e profissional. Tatiana Roque destacou as “Naves do Conhecimento” como equipamentos da prefeitura em territórios vulneráveis, onde os games são a porta de entrada para inclusão digital, qualificação profissional e desenvolvimento.
A Arena Gamer Pública do Engenhão, por exemplo, já sediou 50 eventos de games e serve como incubadora de empresas. Chandy Teixeira, chefe executivo de games e eSports da Prefeitura do Rio de Janeiro, ressaltou que os games são uma política “altamente transversal”, avançando para a educação, esporte e, crucialmente, sendo o “motor para contar a nossa história” e o “soft power brasileiro”.
O apoio governamental, como pude constatar, é fundamental. Juana Nunes, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sublinhou que a pasta vê os games como essenciais para a transformação digital e para o letramento científico, combatendo a desinformação e construindo uma inteligência artificial que responda aos desafios brasileiros.
Ela até lançou o convite para um encontro na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia para debater games e divulgação científica, e a possibilidade de integrar o setor à Lei de TICs e à política da Nova Indústria Brasil (NIB).
Paulo Alcoforado, diretor da Agência Nacional do Cinema (Ancine), reforçou a competência da agência em zelar pelo desenvolvimento econômico do audiovisual, agora com o game explicitamente incluído. Ele mencionou a retomada de linhas de financiamento via Fundo Setorial do Audiovisual e a possibilidade de desoneração tributária para importação de kits de desenvolvimento – uma demanda histórica do setor.
É um dever de casa para o Estado brasileiro, mas também para o setor, que precisa se mobilizar e se fazer ouvir nos órgãos competentes.
O Sebrae RJ, anfitrião do evento, reforçou seu papel como “casa dos empreendedores”, oferecendo trilhas de empreendedorismo e capacitação em gestão para desenvolvedores. Raquel Gomes dos Santos, gestora estadual de games do Sebrae RJ, detalhou o programa Sebrae Games, que capacita estúdios em marketing, captação de recursos e internacionalização, com um subsídio de 98%.
Desafio perene
Contudo, a jornada está longe de terminar, e os desafios são tão reais quanto as oportunidades. O clamor por editais de publicação, para além dos de desenvolvimento, foi uma pauta constante, como expressaram Sérgio Stelê (Nébula), Vitor Ferrari Sassi (Goiaba Games) e Igor Soares (Garoa), cujos jogos foram financiados por políticas públicas estaduais e municipais.
Maurício Hirata Filho, diretor de investimentos da Rio Filme, reconheceu que “a hora é agora” para investir em publicação, mas a modelagem ainda precisa ser debatida. Tatiana Salomão, presidenta da Comissão Permanente de Editais da SECEC-RJ, reforçou a necessidade de uma consulta pública (PNAB) para entender as novas demandas e construir uma política de fomento contínua, não mais emergencial.
A conclusão do seminário, com a dinâmica do “que bom, que pena, que tal”, realizada pela vice-presidenta da ACJOGOS-RJ, Kwan Yin Gil Delgado, sintetizou o espírito. Que bom que há um engajamento crescente e o reconhecimento de que os games vão “muito além do entretenimento”.
Que pena que o tempo de encontro é tão curto. Que tal, então, estreitar o diálogo, participar ativamente das consultas públicas, visitar os estúdios, e continuar a pressão para a regulamentação e a criação de novas políticas, como um CNAE específico para jogos no IBGE.
Saí com a sensação de que o Rio de Janeiro realmente está se consolidando como um “Rio de Oportunidades” para os games, mas também com a clareza de que essa construção depende da colaboração contínua entre governo, academia, setor privado e, principalmente, dos incansáveis criadores de games. O próximo passo já está dado: o terceiro seminário já foi, informalmente, convocado para começar sua organização imediata. Conto com vocês?
P.S: Você pode conferir a íntegra do evento nesse link.