Desenvolvido pelo estúdio paulistano Salve Games como uma experiência dentro de Fortnite, RealFest é mais que um jogo. Trata-se de uma ferramenta educacional para jovens periféricos de São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG) que estão fazendo um curso de gestão cultural gratuito desenvolvido pela Muda Cultural —agência especializada em projetos que envolvem editais e incentivos.
O The Gaming Era foi convidado pela empresa para conhecer o projeto, oferecido em São Paulo no Instituto Anchieta, que fica no Parque São Miguel, região do Grajaú, zona Sul da capital – um dos vários Centros da Juventude (CJs) da cidade, que atendem jovens da região no chamado “contraturno escolar”, ou seja, no período em que não estão estudando. Em Belo Horizonte o curso é oferecido na E.E. Walt Disney, no bairro Casa Branca.
O jogo é gratuito, tem classificação indicativa de 10 anos e está disponível para qualquer usuário de Fortnite – basta buscar “Realfest” no menu do jogo. Seu uso está associado ao EconoArte, projeto educativo em sua primeira edição e que vai até dezembro de 2024. A meta é ensinar gestão financeira por meio de atividades práticas e que engajem jovens de periferia – a produção cultural no hip hop e os games, nesse sentido, não são por acaso.
São atendidos cerca de 160 jovens entre 15 e 17 anos – 80 em cada cidade. O uso do RealFest tem um objetivo bem específico: reforçar os aprendizados obtidos em sala de aula. No jogo, equipes de três pessoas se dividem na realização de um festival de música na periferia de uma grande cidade.
Cada um representa um “pilar essencial” para o sucesso de um projeto cultural, da produção aos orçamentos, operação, comunicação e divulgação. As decisões tomadas por cada um dos jogadores têm consequências diferentes no resultado, ou seja, no festival como um todo. É preciso considerar desde a montagem do palco até o fornecedor de alimentos, entre outros aspectos.
“Uma das complexidades foi essa. O jogador ganha uma verba e tem que fazer o festival. A programação [do jogo] é complexa porque cada classe [de personagem] tem várias missões, e são três níveis diferentes. São mais de 120 possiblidades de final diferentes”, explica Alexandre De Maio, fundador e diretor da Salve Games, durante a visita. Não existem finais “corretos” ou “errados”: o grande objetivo é reforçar os aprendizados dos alunos.
“O professor falou que é importante levar artistas locais para festivais? No jogo dá para escolher um artista local, e se você não escolher vai receber esse feedback”, conta De Maio.
O game foi criado em colaboração com os coordenadores pedagógicos do projeto, Romulo Avelar e Erick Krulikowski, ambos com ampla trajetória em gestão de projetos culturais e gestão financeira.
Muda e Salve Games
A parceria entre Muda Cultural e Salve Games começou há cerca de dois anos, mais ou menos quando o estúdio de jogos foi fundado. O SG é especialista em experiências dentro do Fortnite e desenvolveu Sonho TrapStar, que simula a carreira de um artista de hip hop, e Zumbi dos Palmares, mapa inspirado no herói do movimento negro em parceria com a Pretahub. Ambos foram construídos dentro da plataforma da Epic Games.
No caso de Realfest, o projeto demorou a finalmente sair do papel, muito embora o desenvolvimento de fato tenha levado entre quatro e cinco meses. Seu objetivo, conforme explica Filippe Moura, coordenador de atendimento e comercial da Muda Cultural, foi aplicar pela primeira vez os jogos eletrônicos em um projeto como forma de engajar mais os jovens.
“Tínhamos vontade de fazer um projeto de desenvolvimento e gestão da cultura sob a ótica da educação financeira, pensando na capacidade que a cultura tem de dialogar com diferentes áreas de sociedade”, lembra ele. Tanto a conversa com De Maio como o crescimento do uso de games na educação tornaram o projeto viável. “Pensamos em entregar um produto que fosse perene para a comunidade e que engajasse esse público-alvo, os adolescentes e os jovens.”
Para Alexandre De Maio, usar games na educação é natural porque “é uma linguagem que todo mundo usa”, mas que ainda há poucas iniciativas nesse sentido. “A natureza de um jogo é educativa. Ele é feito para você aprender muito rápido, o que é ideal para cursos. Não é substituir um curso, mas consolidar o que você aprendeu”, pondera.
Segundo o desenvolvedor, usar o Fortnite em um curso de capacitação do tipo é algo inédito no mundo, principalmente considerando a forma como Realfest foi desenvolvido. Ele usa a Verse, linguagem de programação da Epic Games que permite customizar experiências no Unreal Editor para Fortnite (UEFN).
“Cada aula foi transformada em uma missão, e cada uma tem vários níveis de decisão. E cada decisão traz um feedback diferente. Quando o jogo termina você tem a sensação de que suas decisões impactaram o resultado”, explica. “Não é um jogo de entretenimento, mas didático. Uma coisa completa a outra e a molecada vai se engajar.”
Futuro e barreiras
A expectativa é que o jogo seja usado em outros cursos oferecidos pela Muda Cultural ao longo de 2025 – a agência já tem planos de oferecer o EconoArte em outras ocasiões e cidades, mas ainda não abre os detalhes. Também existe previsão de lançar um projeto focado no desenvolvimento dos jogos propriamente ditos.
“É um link direto com a tecnologia e a programação. Nós buscamos muito esse lugar da transversalidade”, diz Filippe Moura.
Para a Salve Games, usar Fortnite na educação ainda tem um benefício adicional: derrubar preconceitos.
“Pais e mães veem [o mundo dos games] como negativo, tem um preconceito. Mas é o maior mercado de entretenimento no mundo, tem um público gigante. E game é cultura, está no mundo dos esportes também. Então temos que nos apropriar dele”, diz De Maio. “Todo mundo que trabalha com educação sabe como é difícil ganhar escala, e o game disponibiliza um pouco disso.”
O projeto Econoarte, que financiou o jogo, utiliza recursos obtidos via Lei de Incentivo à Cultura, com patrocínio do Banco PAN e apoio da Cerâmica Atlas. Além da Muda Cultural, a realização também tem o apoio do Ministério da Cultura (MinC) e do governo federal.