Lembro da primeira vez em que, nos meados da década de 1990, joguei Prince of Persia em um desktop qualquer na casa de um colega. Aquela movimentação realista do personagem e a possibilidade de andar para os dois lados do cenário, o medo terrível de cair em buracos e espinhos, me chamaram demais a atenção.
Moleque, fiquei com aquela sensação que o “futuro dos games havia chegado”. Depois, apanhei muito na versão de Super Nintendo desse jogo que sempre me intrigou – seja pela gameplay, as nuances da trilha musical, a morte iminente. Era um desafio e tanto!
O game original fez 35 anos em 2024, uma história sem dúvida de muitas curiosidades. O criador, Jordan Mechener – artista multifacetado de mão cheia – lançou inclusive uma graphic novel incrível para contar a história da criação do game. E também da própria família, já que ele gravou o irmão para dar movimento aos personagens em 1985, e o pai compôs as músicas e programou o jogo em um Apple II. O site dele é cheio de materiais incríveis sobre o game, incluindo o vídeo abaixo.
Hoje os direitos do game estão nas mãos da Ubisoft, que só esse ano lançou dois games da franquia: Prince of Persia: The Lost Crown e The Rogue Prince of Persia. Além disso, renovou a promessa do aguardadíssimo remake de Prince of Persia: The Sands of Time para 2026 (será?).
Os jogos, claro, não têm o impacto do original, mas carregam o legado de um game que inspirou a indústria nas décadas seguintes. A pergunta é: a Ubisoft tem feito um bom trabalho para resguardar e criar novas nuances para a franquia?
Além de jogar The Rogue Prince of Persia, nós aqui no The Gaming Era fomos além e conversamos com Jolan Reynaud, produtor do jogo no estúdio francês Evil Empire, para entender como a Ubi tem olhado para os games que estão chegando. Você confere esse rico bate-papo abaixo.
Prince of Persia, em sua origem, é um jogo 2D. Além disso, este ano tivemos dois lançamentos da franquia pela Ubisoft. Qual foi o maior desafio em trazer um jogo diferenciado e atraente para a franquia?
Reynaud: De fato, tanto The Lost Crown quanto The Rogue estão trazendo de volta o 2D do episódio original, mas sem esquecer as inovações. Por meio de comunicações entre nossas duas equipes, ajudadas por nossos produtores de linha na Ubisoft, conseguimos garantir configurações diferentes para ambos os jogos, bem como diferentes focos de jogabilidade, mantendo-nos fiéis aos pilares de Prince of Persia, como o jogo de plataforma de ação, a variedade de ambientes, a história de altos riscos e a variedade de armas.
Falando nisso, as armas eram um assunto um pouco mais complicado, pois muitas vezes pensamos nas mesmas para nossos jogos. Por exemplo, o Chakram era uma arma que queríamos adicionar ao jogo bem cedo, mas logo descobrimos que já era usado em The Lost Crown, então tivemos que dar uma reviravolta em The Rogue para diferenciar os dois.
Na sua opinião, por que o gênero roguelike – tão frequentemente usado em jogos indie – foi uma boa escolha para o jogo? Especialmente considerando toda a experiência que o Império do Mal tem neste gênero.
Reynaud: Prince of Persia, e especialmente a trilogia Sands of Time, sendo um action platformer, é gênero que combina perfeitamente com o roguelite, então fazer um “Rogue PoP” fez sentido rapidamente. Não é surpresa que a ideia tenha surgido em torno de um drink entre a Evil Empire e a Ubisoft, e uma promessa de olhar mais para ela feita antes do último gole.
Anedotas à parte, roguelites e ação são feitos um para o outro. Trazer um personagem ágil e feroz como o Príncipe para um loop sem fim tentando salvar sua cidade de um invasor parecia genuíno. O loop temporal em si é um componente de roguelites e, a propósito, da franquia Prince of Persia.
Sabemos que os jogadores prestam muita atenção ao estilo gráfico dos jogos. Alguns disseram que o estilo The Rogue era simplista – enquanto outros o elogiaram. Poderia falar um pouco sobre como é importante considerar esse elemento artístico hoje em dia, mesmo em jogos de baixo orçamento?
Reynaud: Isso é verdade. Estamos bastante satisfeitos com a direção de arte que dá a The Rogue Prince of Persia uma verdadeira identidade visual. Este foi o resultado de várias inspirações: antigas miniaturas persas, mas também um estilo desenhado que evoca artistas franco-belgas como Moebius unidos por cores vivas e incomuns.
A direção de arte tem um papel importante a desempenhar, pois é a porta de entrada para nossos jogos para muitos jogadores. Sempre tivemos a intenção de aprofundá-lo durante o acesso antecipado, mas você conhece desenvolvedores que são conhecidos por polir seus jogos, desde que tenham tempo para isso (risos).
Estamos ouvindo atentamente o feedback dos jogadores e, mesmo que tenhamos ficado um pouco surpresos com a magnitude, nós os levamos em consideração para o nosso polimento. Em breve, você poderá ver mais alguns trabalhos em nossa arte.
Jordan Mechner, o criador do jogo original, está sempre atento e criando projetos relacionados ao Prince of Persia. Houve alguma interação com ele como aconteceu com The Lost Crown?
Reynaud: Embora Jordan não esteja diretamente envolvido na produção do jogo, ficamos entusiasmados em apresentar o jogo a ele antes do anúncio e receber seu feedback. Seu entusiasmo por The Rogue Prince of Persia foi uma das validações mais importantes para nós!
Na sua opinião, que caminhos a franquia Prince of Persia pode seguir no futuro?
Reynaud: Estamos focados em The Rogue Prince of Persia agora, já que o Early Access é apenas o começo de nossa jornada, mas acho que podemos dizer que The Lost Crown e The Rogue provaram que a franquia tinha algumas propostas interessantes na manga!
A marca Prince of Persia está de volta e seu futuro não pode ser nada além de brilhante.
The Rogue e o clássico que funciona
Nostalgia, todos sabemos, vende (e muito). Dizer que esse é o único motivo que levou a Ubisoft a dar uma das suas IPs mais famosas de todos os tempos – Prince of Persia – para o também francês Evil Empire, estúdio do excelente Dead Cells, seria uma argumentação rasa.
A verdade é que The Rogue Prince of Persia, lançado em acesso antecipado no fim de maio e gentilmente cedido** pela Ubisoft ao The Gaming Era, é mais que isso. O jogo é competente na simplicidade, trazendo de volta o que jogadores mais velhos amam: um gameplay direto, familiar, fácil de aprender, mas que desafia as habilidades do jogador em pouco tempo depois dos tutoriais.
Trata-se de um game 2D de ação em plataforma, com gráficos cartunescos, nisso bem próximo de Dead Cells. Assim como o primeiro jogo da Evil Empire, é um game roguelite – o que vai agradar a alguns e desagradar a tantos outros muito intensamente. Como se sabe para esse tipo de jogo, os cenários são gerados aleatoriamente, e cada morte significa um recomeço quase completo.
Mas diferente de Dead Cells, The Rogue usa intensamente as paredes, fazendo uso da dimensão lateral do cenário 2D, não só frente e trás, permitindo corridas e pulos maiores e, muitas vezes, mais estratégicos. Isso traz certa liberdade criativa para o jogador, que pode variar caminhos entre diferentes pontos. Se requer, claro, bastante habilidade. As viagens no tempo, como manda a série, também tem papel importante no gameplay.
O combate é um elemento adicional a ser mencionado. Os inimigos dessa fase de acesso antecipado são poucos, mas já têm variedade considerável, além de desafiado elevado, cada um exigindo um certo conjunto de técnicas do príncipe para serem vencidos. Manter a barra de saúde intacta não é das missões mais simples, mas o sistema de progressão do jogo é satisfatório.
Na essência, temos um game competente, com elementos de exploração que gradualmente aumentam a complexidade e dificuldade. Em acesso antecipado, The Rogue tem ganhado conteúdos adicionais e ajustes com bastante frequência. Ele já vale a pena como está, principalmente para aqueles que gostam de ver uma obra em construção, mas o argumento dos que decidirem esperar por um jogo definitivo é bastante válido.
The Rogue: Prince of Persia ainda não tem data de lançamento definitiva, mas promete novidades mensais até novembro, quando é prometida “a mãe de todas as atualizações”. O mapa de desenvolvimento está disponível nessa imagem.
O que dá para dizer até agora é: o game é promissor. Ainda há muita repetição e talvez faltem elementos de história e enredo para motivar o jogador, o que na prática significa que a Evil Empire ainda tem muito trabalho pela frente. Resta aos jogadores dizerem se vão decidir acompanhar esse trabalho in loco, confiando na capacidade dos criadores de Dead Cells.
* contribuiu Marcelo Gimenes Vieira com o review
** chave digital do jogo em acesso antecipado no Steam