Quem ouve o nome Perifacon imediatamente se lembra do cada-vez-maior evento geek e nerd realizado nas periferias de São Paulo. Mas já é possível dizer que a Perifacon se tornou uma holding de iniciativas de democratização da “cultura pop da quebrada”, com projetos desenvolvidos ao longo do ano todo e com o sonho de, no futuro, ter um centro cultural permanente para chamar de seu.
Tudo isso, na essência, é uma forma de preencher a imensa lacuna geográfica e social deixada por eventos tradicionais como a CCXP, do Omelete, ou a Brasil Game Show. Elas estão localizadas em áreas (e alcançando públicos) muito mais privilegiados.
A Perifacon de 2024, por exemplo, acontece entre os próximos dias 27 e 28 de julho na Fábrica de Cultura de Diadema, na região metropolitana de SP, após uma edição bem-sucedida em 2023 em Cidade Tiradentes, bairro da zona leste da capital. É a primeira vez que ela ocorre em dois dias, em parte porque “um dia não dava mais conta”, explica Andreza Delgado, diretora criativa da Perifacon, em conversa com o TGE pouco antes da coletiva de imprensa de lançamento do evento.
Os ingressos são gratuitos e precisam ser retirados no site da Perifacon.
“A ideia é trazer essa experimentação das convenções, em que está acontecendo muita coisa ao mesmo tempo. E trazer um novo público para a cultura nerd e geek”, resume Andreza. “Quando se olha para esse lugar [a periferia] nem se imagina que lá tem o otaku [fãs da cultura pop japonesa], quem está produzindo quadrinhos, ou games.”
Ela faz, naturalmente, uma oposição com a ideia estereotipada de que a periferia só é capaz de produzir samba, rap, funk e violência. “Só se olha [para a periferia] com esse olhar de dar só o necessário. Saúde e educação. Mas cultura não é prioridade”, diz ela.
Como já dito, a convenção nerd da quebrada se divide esse ano em dois dias, com mais de 10 atividades e 200 convidados na programação. Curiosamente, entre os 140 que se inscreveram para participar do “beco dos artistas”, há pessoas de 12 estados – o que indica um interesse crescente de outras periferias sobre o evento paulistano.
E não são só os artistas: são 10 as marcas no evento, o que revela um interesse crescente do mundo corporativo. São patrocinadores Mercado Livre, Google, Neon, Vivo, Transpetro, Seven Boys, Maurício de Souza Produções, Zaxy, além de Garena e Warner Bros, essas duas últimas, aliás, são grandes marcas do mercado de games.
Também há recursos da Lei Rouanet e apoios da prefeitura e do Estado de São Paulo, do governo federal e recursos oriundos de financiamento coletivo (via Cartase).
“A gente começou a trabalhar com leis de incentivos há dois anos. Tornar [a Perifacon] realidade significou pensar muito estrategicamente para criar algo consistente e que não desmoronasse por causa de um fator externo”, diz Fernanda Campos, diretora executiva da Perifacon. Hoje o evento é uma empresa, com CNPJ e dificuldade de abrir conta em banco (o que parece um cliché sem graça, mas que foi uma dificuldade real narrada pela executiva).
O objetivo do evento, segundo as duas gestoras, é que a Perifacon continue sendo um evento gratuito e acessível para todos os públicos. Mas a ideia é ir ainda mais longe.
Plataforma Perifacon
“Só o evento não dava mais conta de democratizar a cultura nerd na periferia”, ponderou, durante a coletiva de imprensa, a diretora Fernanda Campos. “Queremos ser uma ferramenta de acesso e formação para o jovem que quer estar inserido na cultura nerd e geek. Hoje temos um mercado que não está preparado ou acessível para ele.”
O movimento de profissionalização da Perifacon inclui uma série de iniciativas que dão um caráter mais perene ao evento. Além da convenção, hoje a Perifacon é também um portal de notícias (o Portal Perifacon), um podcast dividido em temporadas, uma exposição online de artistas periféricos (Beco dos Artistas Online) e uma plataforma de empregabilidade.
Há ainda um projeto com escolas, que leva partes da programação da feira para escolas públicas e projetos sociais como forma de “democratizar a cultura nerd e geek” e “incentivar, conectar e facilitar o contato de alunos de faixa etária e classes sociais diversas com a temática”. A Perifacon também promove residências artísticas e deve, em breve, organizar uma exposição de arte presencial em SP.
“Tem muita produção genuinamente feita por pessoas periféricas”, diz Andreza, ressaltando que a Perifacon também é um espaço para negócios, com diversos expositores com mercadorias a venda. “O empreendedor negro e periférico está no radar do consumidor, inclusive periférico, que também tem direito de lazer e de compra. Parece esquisito, mas muitas vezes ele não é visto como consumidor.”
A Rede Progressista de Games (RPG) também participará da Perifacon desse ano. O coletivo de pessoas, associações e instituições do ecossistema de jogos digitais do Brasil fará mentorias com desenvolvedores e pequenos estúdios de games para que melhorem jogos e ganhem visibilidade de mercado. Alguns integrantes da RPG estarão disponíveis para tirar dúvidas durante o evento – o formulário para isso está acessível nesse link e fica aberto até 17 de julho.
Segundo Fernanda Campos, a grande meta de 2024 é entregar, claro, o evento no fim de julho, mas também todos os projetos definidos no planejamento anual da Perifacon. É o primeiro ano que três projetos simultâneos são conduzidos e entregues em um mesmo ano.
O sonho, segundo Andreza, é “ter Perifacon em todos os estados e ser um centro cultural um dia”, disse ela. E que o grande legado da convenção é “provar que é muito possível criar espaços diversos com pessoas diversas, sem ter que restringir”.
“Enquanto sociedade a gente não pode restringir, tem que acolher, trazer, não dividir”, ressaltou Fernanda.