Em uma década, Bruno “PlayHard” Bittencourt alcançou feitos notáveis em sua carreira como empreendedor no mercado brasileiro de games. Ele começou ainda na adolescência, criando conteúdos de jogos mobile como Free Fire em seu canal próprio (Bruno PH), conquistando uma comunidade fiel e engajada.
Em 2019, decidiu “sair da frente da câmera”: junto a dois sócios (Jean Ortega e Matthew Ho), fundou a Loud, organização voltada para o universo dos esportes eletrônicos que rapidamente se tornou a principal referência no cenário e objeto de desejo de jogadores, fãs e marcas patrocinadoras.
Na entrevista a seguir, Bruno relembrou detalhes de sua trajetória, elencou erros e acertos e deu dicas para quem deseja se aventurar em um setor em que as possibilidades nem sempre são evidentes. Além disso, discorreu sobre a Loud (que hoje também conta com o jogador de futebol Vini Jr. na sociedade) e sua notável performance comercial, um raro case de sucesso em uma indústria que já viveu dias melhores e luta para recuperar sua relevância.
Confira:
Vamos falar sobre o início de tua carreira: como um jogador de games se torna um empresário do ramo? Você planejou essa jornada insólita ou foi apenas acontecendo?
Bruno PlayHard: Ah, cara. Se eu falasse que planejei, ia ser até mentira, né? Porque quando comecei, eu tinha cerca de 13 anos, construindo comunidades na época dos blogs do Orkut. É impossível alguém estar preparado para planejar algo profissionalmente nessa idade. Eu fazia algo que era do meu dia a dia – ficar nas redes, conectar com pessoas, construir e gerir comunidades.
Era algo de que sempre gostei e fui muito curioso desde sempre, para entender como as coisas funcionavam no mercado: como alguns creators conseguiam monetizar o trabalho, como as empresas viam o valor de trabalhar com jovens envolvidos no cenário de games…
Então, tomei algumas decisões desde muito novo, para sair um pouco da zona de conforto, do lugar comum de apenas terminar o ensino médio e completar um curso superior.
Eu sempre explorei bastante o mundo digital e, e em paralelo, aproveitei as oportunidades de ir a eventos, participar de projetos com pessoas da internet e conhecer empresários que não só patrocinavam criadores de conteúdo, mas queriam entender mais sobre o mercado. Sempre tentei fazer essa ponte, e isso foi me puxando cada vez mais para cima.
Eu sempre digo que, quando você consegue se colocar em um ambiente positivo, que está um passo à frente do que se é, o crescimento acontece de forma natural.
E se você é um jovem assim como eu era, com senso crítico de entender no que dedicar o tempo e gastar energia, eu acredito que seja fácil uma jornada assim acontecer – mesmo para pessoas como eu, que morava em uma cidade do interior de Minas Gerais [Viçosa].
Ao contar essa história, você faz parecer que foi fácil. Mas imagino que passou por dificuldades e pensou em desistir. Como foram esses momentos e como os superou?
Bruno PlayHard: Eu nunca pensei em desistir do que estava fazendo, mas precisei adaptar a rota em alguns momentos. Até porque, quando você se arrisca em um novo mercado sem muitas garantias, tem que ter um “plano A” e um “plano B” para a vida, né? Precisa pagar as contas, ter uma estrutura mínima.
Por mais que eu soubesse que era isso que queria para o futuro, não tinha garantia de sucesso no curto prazo. Eu não sabia qual era o real potencial de carreira desse novo segmento em que estava envolvido desde muito jovem.
Nos momentos de dificuldade, em que não via a próxima página muito clara, eu tive de dar um passo para trás para me estabelecer melhor.
Enquanto tinha meu canal, cheguei a trabalhar como assistente de redes sociais de uma loja online e dei aulas particulares e monitoria na faculdade. Quando terminei a graduação, ainda fiz uma pós online (em marketing digital), sempre me perguntando qual garantia que uma pessoa que trabalha no digital pode ter.
Naquele momento, eu não sabia que as oportunidades seriam ilimitadas, e que, a partir de construir uma comunidade na internet, eu conseguiria abrir portas, me conectar a empresas e pessoas que geraram todo um ecossistema onde poderia empreender e construir projetos que caminhassem por si só. Eu não via isso quando era mais novo, então tive um pouco de conflito interno.
Hoje, a gente entende que não é tudo preto e branco, que dá para seguir em direção ao objetivo e trabalhar em áreas que são tangenciais e ajudam no objetivo final.
Tenho certeza de que a experiência como assistente de rede social lá atrás me deu skills para construir comunidades ainda melhores, como Bruno PH, como Loud e em outros projetos que pretendo fazer no futuro.
No passado, eu tive essa coisa de ser muito pé no chão. Por um lado, eu tinha uma veia empreendedora que falava muito alto. Eu ficava motivado, não pelo que conseguia comprar, mas sim, por fazer projetos que impactavam cada vez mais pessoas. A minha ganância era por esse resultado.
Cada dia mais, eu tentava me desenvolver como profissional, aprender coisas que não sabia, entender que não sou perfeito e estou longe disso. Isso foi me levando a uma ascensão bem mais constante do que a maioria dos jovens que estouram na internet.
Como uma simples ideia se tornou uma das maiores organizações de games do Brasil? Quais as condições necessárias para surgir algo como a Loud?
Bruno PlayHard: Eu sempre fui muito de pensar sobre o próximo passo da jornada de um creator. Depois de uns cinco anos produzindo conteúdo, tive a certeza de que aquilo seria inviável para os próximos dez, vinte anos. Eu não sabia se o jogo sobre o qual eu produzia conteúdo ia permanecer em alta, ou até quando o público se interessaria por uma personalidade como a minha.
Imagine as pessoas assistindo a alguém de 40 anos fazendo conteúdo de jogos? [risos] Pensei: “Eu tenho de aproveitar esse momento para construir um legado e deixar uma operação rodando que não dependa da minha imagem em si”.
A partir disso, comecei a me arriscar em projetos paralelos que tinham como objetivo empreender sem usar tanto a minha imagem diária. Um exemplo legal foi um time de Fortnite que comecei um ano antes da Loud, que lancei junto com outro creator, o Flakes. O lançamento foi muito bom, só que a operação em si não estava azeitada, até por nossa falta de maturidade de saber trabalhar com uma operação de influenciadores.
Quando me uni aos meus sócios para criar a Loud, eles me ajudaram a complementar as habilidades que eu tinha. Eles vieram com a parte mais de operações –já trabalharam em uma publisher de games do Vale do Silício e entendiam esse clima de startup.
A gente sabia que, por mais que o mercado de esports e de agenciamento de influenciadores fosse muito bom, na nossa visão, dava para fazer melhor: unificar a construção de times, o storytelling e o marketing de conteúdo vindo por trás do time, para alavancar isso para uma comunidade.
Só assim, consegue-se criar uma marca que a galera sente o desejo de apoiar como torcedor, transformando jovens em ídolos. Isso é muito aspiracional para o público, e é por isso que eles querem engajar cada vez mais com a Loud.
Tivemos diversas decisões acertadas ao longo do caminho, como começar pelo Free Fire, que foi um dos maiores fenômenos no Brasil e no mundo.
Sempre tivemos uma ótima entrada no League of Legends e investimos no Valorant com um time muito bem-preparado. Isso tudo ajuda a construir a marca e expandir nosso “funil de aquisição” de novos torcedores.
Outro case é o TikTok: a Loud entrou de cabeça nisso e conseguimos crescer para mais de 10 milhões de seguidores. Somos um dos maiores perfis de marca na área de games.
Em resumo: sempre olhar para o ecossistema que a gente está fazendo, para a comunidade que a gente construiu e ter um pouco das visões de creator e de empresários, da área de games e de marketing. Isso tudo, bem unido e consolidado, faz a Loud ter esse Impacto no mercado.
Durante a pandemia, o setor do eSports “inflou” e ganhou muito investimento de marcas e atenção da mídia. Com o retorno à normalidade, esse mercado recuou. Hoje, as organizações têm mais dificuldades em atrair o interesse das empresas para patrocínios. Como a Loud enxerga o atual cenário e o que está fazendo nesse sentido?
Bruno PlayHard: O mercado de games e esports vinha numa crescente, e é claro que a pandemia inflou esses números. Naquele momento, era não só a melhor, mas uma das únicas opções viáveis para as marcas conseguirem se conectar a toda uma base de clientes que estava online, jogando e assistindo a lives.
Então, era esperado que depois disso acontecesse uma retração. Na minha visão, o saldo final é bom se você comparar os dois momentos, o hoje e o antes da pandemia. Durante a pandemia, muitas marcas decidiram se arriscar e entender mais sobre esse mercado.
Trouxeram suas equipes para a mesa e entenderam que sim, existe uma maneira profissional de trabalhar com games e crescer usando essa comunidade, se apoiando nesse nicho que é tão importante para o jovem. No final do dia, isso foi muito bom para o mercado. Não fosse pela pandemia, a gente não sabe se essas mesmas marcas não-endêmicas iriam se aventurar.
Na Loud, temos cases de marcas que entraram com a gente antes da pandemia e seguem nos apoiando, durante e até depois, como é o caso do Itaú. Mas o mais curioso é que anunciamos diversos novos patrocinadores apenas após a pandemia: Samsung, Snickers, Mentos, Boticário, TIM.
Isso mostra que houve um impacto no mercado como um todo, e isso resultou no interesse dessas marcas não-endêmicas líderes do mercado a se associarem aos games em uma segunda janela de oportunidade, de uma maneira mais estruturada, depois de terem entendido como tudo funcionava.
Então, sim, a retração aconteceu, só que existe um lado positivo dessa história: o público de games ainda mostra números estrondosos, mesmo após a pandemia.
Em 2023, já com o “novo normal”, a Loud chegou a bater um bilhão de visualizações orgânicas em nossas redes institucionais. Todos os finais de semana, é comum ver centenas de milhares de espectadores assistindo aos nossos jogos.
E as marcas percebem que existe uma legião de fãs ali, que é uma base de clientes extremamente atenta, engajada, que apoia marcas de verdade que ajudam a construir as empresas para as quais eles torcem e são fãs.
Esse resultado é comprovado em pesquisas com marcas que trabalham ativamente com esses assets, e tem suas métricas – de brand lift, de reconhecimento, de consideração – disparando frente aos concorrentes dentro das mesmas faixa etária e público-alvo. Então, hoje o resultado dos games é comprovado.
Na sua opinião de empresário, o que faz as marcas de fora do mercado de games se interessarem pelo negócio atualmente? Que tipo de retorno esperam ter?
Bruno PlayHard: É difícil generalizar, porque cada marca tem seus objetivos. Na Loud, a gente trabalha com todo tipo de empresa, de instituição financeira a fabricante de chocolate. Nosso exercício diário é entender como gerar valor e agregar para todo mundo.
Se eu puder falar em linhas gerais: essa audiência extremamente engajada é, em sua maioria, jovem e digitalmente nativa. Isso é interessante para as marcas, porque esse perfil de público ainda não definiu suas preferências básicas para a vida na jornada adulta.
Com qual marca vai aderir quando tiver maior poder aquisitivo, qual eletrônico vai comprar, com qual banco vai financiar a casa… São tomadas de decisão que devem ser construídas. Não é com um anúncio de 15 segundos que se converte um cliente.
Essas marcas não-endêmicas têm um difícil desafio de rejuvenescer suas bases, principalmente para abrir novas frentes de negócios digitais. É preciso dialogar, entender e utilizar embaixadores, que vão conectar as pontas e não irão bombardear essa comunidade jovem com propaganda indesejada.
Mas sim, eles vão entender o momento e o jeito certo de levar a informação para essa grande comunidade que existe no digital. Cada marca vai ter o seu motivo mas, no geral, [o mercado de games] é um terreno bem fértil para quem têm objetivos de crescer no digital, rejuvenescer a base e abrir frentes de negócio mais inovadoras.
Para terminar, a pergunta de trilhões: o que deve acontecer para o mercado brasileiro se desenvolver ainda mais? Como fazer o “Brasil dos Games” crescer a patamares inéditos?
Bruno PlayHard: Essa pergunta é bem complexa [risos].
Para o Brasil continuar evoluindo no cenário de games, precisa acontecer uma união de diversas instituições. Não é só o governo e as organizações de esports, nem só as publishers e as marcas que patrocinam.
Cada uma tem de fazer seu papel e trabalhar da melhor maneira possível, para construir um ecossistema que seja sustentável e escalável.
Outra questão também é sobre o Brasil conseguir reter seus talentos. A gente tem bons desenvolvedores, bons jogadores, só que não conseguimos segurá-los, porque todos querem trabalhar para fora e receber em dólar ou euro.
Isso vai minando um pouco a cultura dos esports no Brasil, e assim, sempre seremos tratados como “tier 2” e “tier 3” dentro das grandes competições. Então, fortalecer o ecossistema do país é importante. Jogadores e organizações têm de entender que é legal e que dá para crescer aqui dentro.
É um desafio. Cada um vai precisar fazer a sua parte, e nós da Loud acreditamos que estamos fazendo a nossa: um trabalho bem-feito com jogadores, tentando desmistificar para as marcas, conversando também com instituições do governo quando possível.
Até o público final tem parte disso, que precisa entender como funciona o mercado, para que as críticas e as cobranças façam sentido, para que tudo evolua.
É uma união de fatores que vem melhorando. Confesso que, nos últimos anos, a gente pode ver os resultados disso. Mas ainda está longe de onde poderia estar. Ainda mais quando se vê que o Brasil é o mercado número três em engajamento e consumo de conteúdo nesse segmento.
Ao mesmo tempo, ainda está longe de ter números parecidos com o primeiro e o segundo colocados em retorno para as empresas e nos projetos.