A aprovação da Lei 14.852/24, que institui o Marco Legal dos Games no Brasil, trouxe expectativas quanto ao aprimoramento da proteção da propriedade intelectual nesse segmento, sobretudo em razão do expressivo crescimento da indústria de jogos eletrônicos no País. Contudo, após certo tempo de vigência, cabe questionar: o que efetivamente se alterou do ponto de vista da proteção autoral e industrial dos jogos?
O Marco Legal, por meio do art. 5º, buscou definir “jogo eletrônico” de forma ampla, contemplando:
“I – a obra audiovisual interativa desenvolvida como programa de computador, conforme definido na Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, em que as imagens são alteradas em tempo real a partir de ações e interações do jogador com a interface;
II – o dispositivo central e acessórios, para uso privado ou comercial, especialmente dedicados a executar jogos eletrônicos;
III – o software para uso como aplicativo de celular e/ou página de internet, jogos de console de videogames e jogos em realidade virtual, realidade aumentada, realidade mista e realidade estendida, consumidos por download ou por streaming.”
Da leitura dos incisos acima, entende-se que a norma abrange, sob um mesmo conceito, tanto o software – protegido pelo direito autoral, conforme a Lei do Software (Lei nº 9.609/98) e a Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98) – quanto o hardware, referido no Marco como “dispositivo central e acessórios”, o qual pode ser suscetível de proteção por patente, nos termos da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), desde que preenchidos os requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial).
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Além disso, o Marco Legal dos Games modifica o art. 2º da Lei de Propriedade Industrial, ao incluir inciso VI, prevendo expressamente a “concessão de registro para jogos eletrônicos”. Assim, considerando a distinção entre software e hardware, é plausível concluir que o registro ali previsto seja aplicável essencialmente às obras audiovisuais interativas (software) mencionadas nos incisos I e III do art. 5º, deixando o hardware (inciso II) sujeito às normas de patenteabilidade.
Nesse sentido, a inovação legislativa não elimina a coexistência de distintos regimes de proteção; ao contrário, reforça a necessidade de interpretá-los em conjunto e de forma coerente.
Ressalte-se, ainda, que não há regulamentação específica do INPI sobre o registro de jogos eletrônicos previsto no novo marco. Portanto, caberá ao Instituto editar normas internas para detalhar os procedimentos, o escopo e os requisitos dessa modalidade de registro, evitando eventuais confusões com o regime patentário.
Entretanto, é provável que o registro industrial de jogos eletrônicos seja pouco utilizado na prática, uma vez que a natureza dinâmica, interativa e em constante evolução dos games adapta-se mais facilmente ao regime autoral, que oferece proteção automática desde a criação, tornando o registro opcional, porém útil para fins probatórios.
Em suma, o Marco Legal dos Games trouxe reconhecimento formal ao setor, mas as mudanças aguardadas em relação à propriedade intelectual ainda não se materializaram de forma significativa. A inclusão de hardware e software sob o mesmo conceito legal pode gerar incertezas, mas a expectativa é que a regulamentação do INPI e a atuação dos operadores do direito atenuem esse impacto ao longo do tempo.
Assim, embora o debate tenha avançado, não houve uma transformação disruptiva. O mercado de games brasileiro continua apoiado em legislações complementares, que exigem interpretação cuidadosa para manter o equilíbrio entre o incentivo à inovação, a segurança jurídica e o fomento do setor.