Marco Legal dos Games: setor espera aprovação ainda em 2024

Com novo texto, projeto de lei reconhece economia dos games no Brasil, corrige distorções e pode ser um divisor de águas
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Cúpula do Congresso iluminada. Foto: Jonas Pereira, Agência Senado

Parece inacreditável, mas o ano é 2024 e as empresas que criam games no Brasil ainda não possuem uma classificação própria. Quando um estúdio faz um cadastro de pessoa jurídica – o famoso CNPJ – não existe uma Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE) que identifique o que ele realmente faz. Pode soar como burocracia à toa, mas é um indício de que todo esse segmento econômico ainda é ignorado, seja em termos de políticas públicas ou de segurança jurídica.

Essa é uma das principais distorções que o Marco Legal dos Games tenta corrigir. Marcos legais são instrumentos legislativos que criam uma base para que as empresas de um setor sejam reconhecidas, gerem empregos, acessem políticas públicas e obtenham benefícios e recursos, entre outras coisas.

O projeto de lei (PL 2796) foi apresentado na Câmara em agosto de 2021 pelo deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP). O problema é que o texto aprovado na Câmara, e relatado pelo deputado Darci de Matos (PSD-SC), trazia um “jabuti”. Junto com os jogos eletrônicos, ele incluía na legislação os fantasy games – aqueles baseados em esportes reais e que podem ou não incluir apostas em dinheiro. Cartola e Rei do Pitaco são alguns dos mais famosos.

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Antes de ser votado no plenário no Senado em 21 de setembro do ano passado, o projeto foi retirado de pauta e adiado após pressão de alguns senadores, sensibilizados pela campanha contrária feita pelo setor de jogos eletrônicos – e pelos jogadores, claro. O grande temor é que, na prática, a confusão que se fazia entre games e jogos de azar continuasse.

Rodrigo Terra, Abragames
Rodrigo Terra, presidente da Abragames. Foto: Divulgação

“Nós atuamos muito fortemente em Brasília. Não só a Abragames, foi um movimento do setor todo. Contamos muito com todas as [associações] regionais do País para mostrar que é um assunto de interesse nacional. O texto, como estava antes de ir para a Comissão de Educação e Cultura [do Senado], nós não aceitávamos de jeito nenhum”, lembra Rodrigo Terra, presidente da Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais.

A próxima data marcante nessa história é dezembro de 2023. No mesmo mês a Lei das Bets (PL 3626/23), que incluiu os fantasy games, foi aprovada, deixando o caminho livre para uma lei que abarcasse apenas os videojogos. E foi o que aconteceu: o Marco Legal dos Games ganhou novo texto, agora relatado pela senadora Leila Barros (PDT-RJ), e que atende puramente as demandas do setor de jogos eletrônicos.

Marco Legal dos Games em 2024?

Todos os ouvidos pelo The Gaming Era para esta matéria estão otimistas para a tramitação do Marco Legal dos Games no Senado, agora que a preocupação com as distorções trazidas pelo lobby do setor de fantasy games virou passado. A expectativa é que o texto seja debatido na Comissão de Educação e Cultura (CAE) da casa nas próximas semanas, e que o texto seja então enviado ao plenário e aprovado ainda em 2024.

“A legislação mais clara para as Bets, especialmente tributária, deu uma limpada no horizonte. Ainda não terminou o processo [de tramitação], porque mesmo o Marco Legal dos Games exige a análise de uma série de questões específicas. Mas pelo menos foi afastado o risco de se misturar games com jogos de azar”, diz Gilson Schwartz, presidente da Games for Change Latin America e professor de Economia do Audiovisual e Produção de Games na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O professor, aliás, participou de uma audiência pública no Senado logo após o MLG sair da pauta e ganhar novo texto. Para ele, houve evolução do entendimento dos legisladores sobre o mercado de games no Brasil – mas ainda há muito a avançar.

“É uma área que, do ponto de vista da política, ainda não chegou a ganhar visibilidade. Seja para o [Poder] Executivo ou a sociedade. Ainda há quem considere o gaming como entretenimento fútil”, pondera o professor. “É um processo gradual, mas ainda não há políticas públicas estratégicas para os games e vinculadas a outros setores. E como se fosse um nicho importante, mas nicho.”

Gilson Schwartz
Professor Gilson Schwartz. Foto: arquivo pessoal

Schwartz chama atenção tanto para o impacto cultural dos games na sociedade como para as possibilidades de uso deles para além dos consoles, PCs e dispositivos móveis. Os games e a gamificação podem ser usados, lembra ele, em áreas como saúde e educação, e em ambientes corporativos.

Sobre a aprovação da lei, o professor da USP diz que ainda há impasses a resolver, como os orçamentários, por exemplo – o texto prevê a possibilidade de inclusão dos jogos eletrônicos na Lei de Informática e na Lei do Bem, o que traria redução de impostos (IPI, ICMS e Imposto de Renda). Também um dispositivo de desconto de 70% nos impostos sobre remessas ao exterior para multinacionais que investirem no desenvolvimento de games independentes brasileiros. Mas há ainda outros argumentos favoráveis.

“Como [o projeto] mexe com o mercado de trabalho, é um tema politicamente sensível. E os parlamentares têm essa sensibilidade. O eleitor jovem busca emprego e esse é um tema prioritário, bom em termos de plataforma eleitoral”, analisa o professor.

Terra, da Abragames, diz ter “esperança que saia esse ano”, se referindo à aprovação do projeto. E que a associação fará “todos os esforços para tentar induzir isso”. Ele discorda que a questão dos impostos vá causar problemas na tramitação, mas admite que o Marco Legal dos Games propõe “grandes mudanças” em relação a forma como o setor paga impostos atualmente. Mas que essas questões precisarão ser reguladas em leis posteriores.

Leis complementares terão que ser aprovadas para regulamentar determinados aspectos do Marco Legal, enquanto outras vão precisar ser alteradas – como a própria Lei do Bem, que atualmente só poderia ser aproveitada por uma minoria dos estúdios brasileiros.

“Tem uma série de movimentos que precisam acontecer a partir dessa sanção, mas ele [o projeto] tem pontos de correção histórica e diretivas para olhar para o desenvolvimento dos estúdios”, explica o presidente da Abragames. “O problema da entrada de devkits, por exemplo. É um problema latino-americano, Portugal enfrenta, Índia também. Queremos resolver aqui pelo menos, e ganhar mais segurança logística. É uma reclamação principalmente dos players internacionais.”

Impactos imediatos e importância

Seja como for, outro ponto de unanimidade entre os especialistas ouvidos pelo TGE é a importância de um Marco Legal dos Games existir. E que a aprovação trará não só benefícios de médio e longo prazo para as empresas de games brasileiras, mas imediatos.

Maurício Tamer, Machado Meyer Advogados
Maurício Tamer, do Machado Meyer Advogados. Foto: Machado Meyer

“Tudo que vier para trazer definição, qualquer texto legislativo que olhe para a indústria, sempre vamos ver com bons olhos”, pondera Maurício Tamer, advogado sênior da área de direito digital e especialista em gaming no Machado Meyer Advogados.

“Felizmente o projeto tem estado alinhado com aquilo que o setor espera, os players esperam, e nós que advogamos esperamos”, diz Tamer.

Segundo ele, é positivo a “dedicação do Congresso com relação ao tema”, ou seja, a abertura para ouvir o setor e suas demandas, particularmente no que diz respeito ao reconhecimento da importância econômica e equiparação tributária com o setor de informática. E elogia o texto, que “vai na linha de não reinventar a roda” ao estabelecer uma lógica geral de proteção dos consumidores e do setor.

“Quando você tem um projeto de lei que posiciona uma parte do setor e traz regras claras, a tendência é de maior investimento, inclusive estrangeiro, com certeza”, pondera Tamer. “Nem tanto de investimentos arrojados como venture capital, mais associado a perdas maiores, mas sim o capital mais tradicional, que se sente mais seguro quando há uma lei stricto senso.”

Tamer também cita o potencial ganho de empregos no setor. “Essas definições vêm em um momento muito bom”, diz.

Gilson Schwartz concorda, e ressalta que a definição do setor econômico dos games pode trazer bases para novas políticas de apoio ao empreendedorismo no setor, inclusive de natureza pública. “A regulamentação pode abrir muito mais perspectivas de investimento e empreendedorismo. Já tem gente de fora de olho no mercado brasileiro, que é bem relevante internacionalmente”, ressalta o professor da USP.

“O impacto mais imediato é dar confiança para quem quer se profissionalizar ou empreender”, diz Schwartz.

Rodrigo Terra, da Abragames, diz que o Marco Legal dos Games é “fundamental” para que o setor seja reconhecido como prioritário, inclusive para o desenvolvimento do País, uma vez que ele faz parte das “indústrias digitais”. E traz, segundo o executivo, um crescimento finalmente estruturado.

“Obviamente não queremos ter o governo controlando o que pode ou não pode, mas queremos ter o governo junto, defendendo o setor. Entendendo de uma vez por todas o que é o setor de games e o videogame em si”, diz. Para terra, o MLG abre caminho para “desenvolver o ecossistema, com programas de investimento, e deixar mais robusta a nossa indústria.”

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