O videogame por muito tempo foi visto como antítese da educação, por “roubar” a atenção dos jogadores para algo considerado improdutivo. Mas com o avanço da tecnologia e acesso às plataformas digitais, os jogos eletrônicos passaram a ser aliados e quase inevitáveis no processo de ensino-aprendizagem.
O termo “digital” é citado mais de 200 vezes na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento normativo que define os conhecimentos e competências que devem ser desenvolvidas da educação infantil ao ensino médio. A inclusão do mundo digital, linguagem digital e cultura digital no texto sinaliza que a tecnologia já é indissociável da educação.
De acordo com Diego Sette, diretor de tecnologia da Pearson Brasil, empresa do setor educacional e publicação, as escolas e a educação estão num processo de transição e os jogos digitais já são uma realidade nesse processo.
“O fato de colocar estrelas, para cada conquista, agrega ao usuário a vontade de fazer mais. A jornada de aprendizagem passa por fases assim como um jogo”, explica Sette sobre o uso da gamificação diretamente na educação.
“O aprender e o jogo vem antes do que a gente pensa”, diz.
Ele ainda explica que as crianças ligam os jogos com os estudos sem perceber. “Eu jogava GoldenEye [007, jogo de Nintendo de 64 de 1997 baseado no filme de mesmo nome] com dicionário de inglês ao lado”, exemplifica, citando a própria experiência pessoal para dizer que os jogos podem contribuir para o aprendizado.
A diferença entre os jogos educativos e os de lazer, do ponto de vista da indústria de games, é que os educativos focam em ensinar um conteúdo específico, independentemente se ele é divertido ou não, enquanto os jogos de lazer têm como objetivo a diversão.
A explicação é de Antonio Vitor Zielinski Elízio, CEO e produtor da Crenix, produtora de games. “Na Crenix, a gente trata os dois tipos de game da mesma forma. No educativo, a gente trabalha com especialistas da área. Ambos os tipos precisam ser divertidos. A diferença é o resultado da diversão”, conta.
Para um jogo chegar ao aluno em sala de aula, é necessário um processo que envolve vários estágios. A produção de um jogo voltado para o ensino de línguas, ou para material de escola regular, exige equipes de pesquisa, pedagógica, de produto, de tecnologia, de vendas e marketing.
Para a elaboração do jogo digital para a educação, primeiro deve-se pensar em seu objetivo, o quanto ele vai agregar ao aluno e o quanto está ligado ao que é ensinado em sala de aula.
“Preciso que o aluno desenvolva melhor a fala dele? Ele vai falar com outra pessoa, ou com bots? A preocupação do educador e do time de produtos é sobre o quanto o jogo vai contribuir para o aprendizado do aluno e o quanto essas ferramentas podem auxiliar no processo de educação”, diz Sette.
Não somente isso, o professor também precisa estar preparado para utilizar o jogo em sala de aula, de forma que consiga associá-lo ao que está sendo ensinado e chamar a atenção do aluno. “O professor é a peça-chave. Se ele conseguir engajar os alunos, o jogo é um sucesso”, afirma o diretor de tecnologia.
Mobile
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, 87,2% das pessoas com 10 anos ou mais utilizaram a internet no Brasil. Entre os estudantes, esse número chega a 98,4% na rede privada e 89,4% na rede pública.
É inegável que os smartphones estão presentes na vida dos estudantes. No entanto, eles podem ser e já estão sendo usados como uma ferramenta de ensino.
“A companhia olha o celular com bons olhos. 70% dos dados de acesso são mobile”, diz Sette. “Em vez de impedir o uso do celular, a gente traz isso para o nosso interesse. É inevitável ter o celular presente no processo de aprendizagem”, completa.
De acordo com o CEO da Crenix, os clientes determinam em qual plataforma os jogos educativos produzidos serão publicados e o celular já representa a maior parte dessa escolha.
Fases do processo de produção dos games
Elízio explica como é a criação de um jogo educativo. “Nossos jogos educacionais sempre foram em parceria com instituições. Entendemos que eles são os especialistas no assunto que será tratado. Eles sabem quem é o público e nós sabemos produzir os jogos”.
A produção do jogo começa no primeiro contato com a instituição que quer fazer o jogo. É nesse momento em que se sabe a faixa etária, as competências a serem trabalhadas e o contexto em que esse jogo será aplicado. Então se estuda o conteúdo para se familiarizar com o tema e poder transformar isso em algo jogável e interessante para o público.
“O jogo só é um jogo se for jogado por alguém”, diz Elízio.
O esboço vem em seguida. Ele carrega as referências de outros jogos, sobre como o conteúdo vai ser aplicado e qual será o estilo. É feito um protótipo, para entender a dinâmica do jogo, como os graus de dificuldade e diversão.
Além disso, é feito o roteiro, que se adapta ao estilo do jogo, e com ele vem a criação dos personagens e ordem de narrativa.
A produção ainda conta com a criação da arte, a interface do usuário (botões, menus e afins), criação de minigame e balanceamento do jogo, para que não seja tão fácil e nem tão difícil a ponto de jogador desistir, animação, músicas e efeitos sonoros e teste e controle de qualidade.
Mas a produção do jogo não envolve somente fazê-lo. Depois de pronto, é necessário ver como é o jogo na mão do jogador. Além disso, é preciso preparar o visual para disponibilizar o jogo, tirar prints para divulgá-lo e publicar as correções, caso necessárias.
Jogos educativos além das escolas
O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR) trabalha com jogos digitais em suas exposições. Esses jogos digitais são pensados e produzidos por técnicos, professores, alunos e voluntários da universidade.
De acordo com Fábio Luís Gasparello Marcolin, mestre em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador dos projetos de extensão que envolveram o desenvolvimento dos jogos, o museu investe em jogos digitais desde 2015. Ao todo foram produzidos três jogos para o museu: ArqueoGame, Jaguareté e Bernúncia.
O ArqueoGame foi pensado para arcade, com intuito de simular uma escavação em um sítio arqueológico e está disponível na Sede Histórica de Paranaguá. “O jogo é sobre um tema pelo qual você está rodeado. Você pode ver a peça que você viu no jogo” diz Marcolin.
Já o Bernúncia, é um jogo inspirado no Auto do Boi de Mamão, história da região litorânea do Sul do Brasil, no qual o jogador joga com a Bernúncia e tem de comer crianças para ficar cada vez maior, como no jogo Snake.
“O Bernúncia é um jogo mais intuitivo e tem um boneco do teu lado. Jogar em casa não traz uma experiência tão completa”. Marcolin explica que o jogo no museu traz a experiência de você aprender sobre um tema antes de jogar e quando você joga, tem a experiência de visualizar o que aprendeu.
O Jaguareté é um jogo de estratégia por turnos baseado no RPG publicado pela MAE-UFPR, sobre culturas indígenas no Brasil do século XVI. Nele o jogador pode escolher jogar com os Guaianás, ou Tupinambás, e enfrentar inimigos em um tabuleiro, e até mesmo criar sua própria aventura.
Bernúncia e Jaguareté estão disponíveis para download pelo site do museu.