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Games podem ser aliados do ensino de história, defende professor

Vinicius Domingues Nunes, da USCS, mostra o que há de real (e de irreal) nos jogos e como eles despertam interesse de jogadores
Vinicius Domingues Nunes, USCS
Vinicius Domingues Nunes, professor da USCS. Foto: Arquivo pessoal

Jogar videogame é uma forma de entretenimento, mas um jogo pode ter em si conteúdos importantes que contribuem para o conhecimento do jogador. Sem ser necessariamente um jogo educativo, ele pode despertar interesse por temas a partir de uma boa ambientação ou história.

Você já ouviu falar da Invasão da Baía dos Porcos? Sabe algo sobre a guerra do Vietnã? Consegue imaginar como era o Japão feudal? Tudo isso pode ser encontrado nos games.

Mas os jogos podem ser fontes realmente confiáveis de informação histórica? Para Vinicius Domingues Nunes, mestre e gestor do curso de Relações Internacionais da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), a resposta é que podem ser, mas nem sempre.

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Nunes começou a jogar videogame aos quatro anos em um Super Nintendo. Posteriormente, passou a jogar nos consoles PlayStation. Com Medal of Honor percebeu que estava aprendendo algo com os games. Desde então, seu interesse por jogos com temáticas históricas só aumentou.

Na entrevista a seguir ele indica jogos que contribuem para o interesse dos jogadores por história.

É possível aprender com os games? Quais jogos trazem informações verdadeiras sobre a história?

Vinicius Domingues Nunes: Acho que a primeira fonte de história em jogos são os de Segunda Guerra Mundial. Eles têm uma proximidade com eventos reais. Como a série Medal of Honor, o último Call of Duty World War II… Quando a gente fala de jogos de Segunda Guerra, você consegue se situar, você consegue aprender.

O que foi a operação Market Garden? Não foi só uma corrida direta do Dia D, que saiu da Inglaterra, foi para a França e depois para a Alemanha. Não. Há outros lados. Eu descobri que essas operações existiam por meio dos jogos e filmes. Quanto mais você puder se envolver num tema, melhor.

Nenhum jogo vai ser 100% real, mas jogos que se propõe a ser mais históricos, vão te dar uma ambientação muito boa, vão te dar uma ideia do que está acontecendo.

Uma pessoa “semi-avisada”, que conhece um pouco de história, quando joga Call of Duty Black Ops, vê a invasão da Baía dos Porcos, a Guerra do Vietnã, as operações acontecendo em uma China Comunista durante a Guerra Fria.

Em Call of Duty Black Ops, o que é real e o que não é?

Nunes: A CIA [agência de inteligência dos EUA] investiu e treinou alguns revoltosos, exilados de Cuba, para que eles avançassem e dominassem [o país] para retirar influência de Fidel Castro e, por consequência, da União Soviética. Fidel Castro era a abertura da influência soviética em Cuba, na porta dos EUA.

Mas não foi o que aconteceu. Os exilados não eram muitos. Eles achavam que o número aumentaria conforme fossem avançando, assim como Fidel Castro tomou na guerrilha. A tática dele era rua a rua, casa a casa, dominando o território. A CIA quis usar a mesma estratégia, mas não deu o mesmo resultado. Os soviéticos já tinham alertado Castro.

Já no jogo você é um agente que vai avançando em Cuba, vê que não tem apoio e tenta invadir a mansão de Fidel Castro mesmo assim. Você acha que o matou, mas descobre que foi um sósia. Ou seja, não tem quebra na história da humanidade. O seu personagem é capturado e vai para uma prisão na Sibéria. Ser capturado é o que move a história.

Black Ops 1 pode despertar interesse no jogador sobre a história. Ele [o jogador] vai dizer ‘hey, teve isso em Cuba, no Vietnã?’. As operações em torno do Vietnã, Laos e Camboja são precisas? Não. Mas tem efeito cinematográfico. COD foi feito para você estar em um filme de ação.

Mas mesmo assim, você entende um pouco sobre as armas usadas pelos soldados, o M16, helicópteros, até as músicas de fundo são músicas da época. Ou seja, você se ambienta sem precisar pegar em um livro de história.

Além dos jogos de guerra, há outros que podem nos mostrar alguma realidade histórica, ou nos apontar uma direção?

Nunes: Ghosts of Tsushima. Ele tem uma característica em particular que é trazer os samurais do Bushido [caminho do guerreiro], que é uma versão romantizada do que os samurais eram. Os autores do Japão do fim do século XIX, início do século XX, trazem um samurai romantizado. Sabe quando retratam o cavaleiro medieval não mais como um ladrão, ou assassino, mas sim como paladino? O Japão passou pela mesma coisa.

A ideia do jogo é falar de um samurai romantizado que vem para vencer os mongóis na invasão contra o Japão. Para vencer esses mongóis, o samurai tem de usar estratégias não tão honrosas, então ele vai se tornando um fantasma.

O que é historicamente bom no jogo? A ambientação, a lenda. Você conquista, através de uma missão, o direito de usar uma roupa toda branca, que é a cor da morte.

Mas então o que o jogador pode aprender de real de Ghost of Tsushima?

Nunes: Houve de verdade essa invasão mongol, no final do século XIII. O jogo não ensina uma história específica, mas uma cultura. Eu sinto que alguns jogos parecem ter receio de ser reais demais.

Você falou sobre o samurai romantizado. O que é um samurai romantizado e o que seria um samurai de verdade?

Nunes: O samurai romantizado tem uma caraterística mais cavalheiresca, nobre. O samurai do Bushido que a gente conhece, que tem honra, que nunca atacaria um inocente. Isso é uma imagem romântica criada para valorizar o nacionalismo japonês.

Os samurais na verdade eram guerreiros que serviam a um mestre. Ele é um guerreiro do senhor feudal, do Shogun [“comandante do exército”, em tradução livre]. Samurai honrado é coisa de anime. Ah, e Samurai X [Rurouni Kenshin] não era um samurai!

Tem algum jogo que seja muito fiel à realidade?

Nunes: Kingdom Come Deliverance. Retrata o reino medieval da Boêmia, do Sacro Império Romano, atualmente é a República Tcheca. O jogo é em primeira pessoa. Você presencia um crime de guerra e faz parte de um grupo de nobres e lordes que tentam descobrir o que aconteceu.

É um jogo fiel historicamente, inclusive nas dificuldades impostas na jogabilidade, além de focar em relações e combates reais. Você não fica superpoderoso e as coisas ficam mais fáceis, você aprende a jogar e os inimigos ficam mais fáceis, porque você se torna um espadachim melhor.

Se você estiver sujo de sangue e entrar numa taverna, podem te expulsar, não te atenderem, mas funciona bem para intimidar. O jogo tem até um ano exato, 1403, mostrando a busca pela precisão. Lembro que meu PlayStation 4 não rodava direito porque era muito pesado. Foram três horas de atualização.

Cite algo de irreal em um jogo.

Nunes: Em Call of Duty Modern Warfare 2 existe um momento em que o Capitão Price atira com uma arma nuclear em um satélite da Rússia. O ato de dar um tiro com uma arma nuclear gera incidente nuclear por toda a parte.

A dificuldade é você presumir uma luta entre Rússia e EUA graças a escalada que leva ao conflito nuclear. Um soldado americano dando um tiro no lado russo, levaria a Rússia a mandar mais soldados, os EUA mandando mais soldados, tanques, aviões, “estou perdendo”, botão de arma nuclear, eu atiro, o outro lado atira. Todos morremos.

O mestre e professor Vinicius Domingues Nunes, do curso de Relações Internacionais da USCS. Foto: Arquivo pessoal

Então como a gente não morre, se eu atirar minha arma nuclear e você atirar a sua? A gente nunca começa lutando. Isso é um princípio de Hans Morgenthau. É muito difícil você presumir que países que tenham armas nucleares entrem em uma guerra aberta um contra o outro. Modern Warfare é um filme de ação.

Pode indicar outros jogos que tem ambientações legais e conteúdo histórico?

Nunes: Civilization e Crusaders Kings 3. Eles são simuladores de civilização e também mostram segurança, economia e o quanto certas influências poderiam mudar a história da humanidade. E você começa a brincar com a história.

E acho que o máximo de todos é a franquia Assassin ‘s Creed. O slogan é “a história é nosso playground”. As ambientações são verdadeiras. Você pode andar com o Arno durante a revolução francesa, como Ezio em Florença, e ainda tem o Altair nas Cruzadas. AC tem história própria totalmente fictícia, mas a graça é realmente você poder entender como era o mundo na época. É uma reprodução boa.

Claro, ele não se compromete a ser cem por cento real. Mas você sabe quais são os nomes da época, o Ezio conheceu Da Vinci, vê quem são os Borgias. Você vai andando pela história e vê que em 1400 e pouco as espadas são mais finas, o estilo de luta mudou. Jogos assim não são educativos, mas abrem seus olhos para entender mais o contexto, o cenário e o momento.

Então os games realmente podem contribuir para o conhecimento de quem joga?

Nunes: A ideia do videogame é fazer a vida mais divertida, ele vai sempre “gourmetizar” a realidade, mas você consegue ver as bases.

Uma pessoa que assiste a filmes sobre o século XIX, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra, Guerra Fria, e aí ela joga games sobre isso, vê séries sobre isso. Não é nada técnico, mas agora a pessoa tem um conhecimento, uma base.

Os jogos não substituem um livro técnico, mas vão te ambientar e te ajudar a visualizar uma época.

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