Conceder entrevistas a bordo de um avião de luxo é certamente uma maneira interessante (e efetiva) de chamar a atenção. Foi o que a Microsoft fez para a divulgação das novidades mais recentes de Flight Simulator, em um evento realizado no Campo de Marte, aeroporto na zona norte de São Paulo (SP), na última semana.
Flight Simulator 2024, décimo segundo exemplar da franquia de mais de 40 anos (o primeiro saiu em 1982) passa a oferecer, por meio da atualização “World Update XIX”, um senso de imersão mais profundo em voos panorâmicos sobre o território brasileiro. Isso inclui não apenas os principais biomas do País (e também de Suriname, Guiana e Guiana Francesa), como a Floresta Amazônica, o Pantanal e os Lençóis Maranhenses, mas também vislumbres de alguns de nossos cartões postais mais emblemáticos.
Dentre os alardeados 75 “pontos de interesse”, se destacam os edifícios arquitetados por Oscar Niemeyer em Brasília, o Teatro Amazonas de Manaus, o Jardim Botânico de Curitiba, as igrejas históricas de Ouro Preto e, obviamente, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro e a Avenida Paulista em São Paulo.
À frente da empreitada está Jörg Neumann, um daqueles veteranos da indústria que já viu e fez de tudo. Nascido na Alemanha, ele trabalha com a Microsoft há duas décadas, normalmente às voltas com projetos que ficam longe dos holofotes. Produziu games para o acessório Kinect do Xbox 360, liderou o time de desenvolvimento para o dispositivo de realidade mista HoloLens (descontinuado em 2024) e foi alçado ao time de Flight Simulator em 2019, com a missão de definir uma nova rota para a série de jogos mais duradoura da gigante norte-americana.

Sentado confortavelmente em uma poltrona do jato executivo Embraer Praetor 600, Neumann recorda uma aplicação específica que ajudou a criar para o HoloLens: a simulação de um tour aéreo sobre Roma a bordo de um dirigível do tipo zepelim. Para tanto, recursos de fotogrametria foram utilizados para escanear a “Cidade Eterna” em todos seus detalhes geográficos e arquitetônicos.
Uma ideia então lhe surgiu: e se a mesma técnica pudesse ser utilizada para incorporar mais realismo ao mapa de Flight Simulator?
“Se foi possível escanear Roma, então conseguiríamos escanear o mundo inteiro. Todos pensaram que era loucura, mas no fim, eu estava certo”, conta um sorridente Neumann. “Só que uma coisa é poder digitalizar as cidades, mas como entregar esse conteúdo às pessoas? E bem no momento em que obtivemos esses dados, a Microsoft estava construindo toda a infraestrutura da [plataforma de nuvem] Azure, com data centers em todo o mundo. Por causa dessa coincidência, obter os dados e levá-los ao consumidor final tornou-se algo possível.”
“Então, foi muito inesperado. Às vezes, a inovação acontece assim: duas coisas podem simplesmente combinar no mesmo momento”, diz.
A aplicação dessa tecnologia resultou em cenários de detalhamento rico, nos limites do “uncanny valley”, que tornam possível a identificação dos pontos turísticos mencionados mesmo em altitude elevada. Neumann reforça que sempre foi possível viajar por sobre o Brasil nos Flight Simulator anteriores, mas jamais com tamanha precisão fotorrealista.
“A questão era a qualidade do visual”, ele diz, explicando que a São Paulo do game não apresenta pontos de interesse específicos “porque o escaneamento já é bom o bastante, e dessa forma parece mais natural, como uma cidade holística”.
Entra a Embraer
As novidades recém-apresentadas pela Microsoft para Flight Simulator 2024 (que foi lançado em novembro último) também estão ligadas aos interesses brasileiros. Uma delas é a possibilidade de controlar um CAP-4 Paulistinha, monomotor fabricado no Brasil nos anos 1940. A outra é a oficialização da parceria com a Embraer, empresa nacional de fabricação de aviões há mais de 50 anos no mercado.
O objeto da parceria se materializa no Praetor 600, um jato de aviação executiva da categoria “super midsize jet” (para até doze passageiros), com autonomia suficiente para realizar o trajeto direto de São Paulo a Miami em cerca de nove horas de voo. Uma versão digital estará disponível ainda este ano como um dos aviões que podem ser escolhidos pelos pilotos de Flight Simulator 2024.
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“O objetivo foi expandir nossa penetração de marca e difundir a cultura da aviação”, explica Felipe Alfaia, diretor de marketing de aviação executiva da Embraer. “Somos uma marca forte no Brasil, mas queríamos compartilhar a paixão por aviões com o público global. E vimos na Microsoft um parceiro de qualidade para expandir muito além desse mercado.”
Do lado da Microsoft, a empresa brasileira era a peça que faltava para completar seu “álbum de figurinhas” de parcerias com as principais marcas do setor — a francesa Airbus e a norte-americana Boeing são as outras. “A Embraer é uma das três maiores marcas de aviação do mundo”, explica Neumann, sobre a escolha. “Eu diria que foi um processo lento e deliberado. E estou feliz com o resultado, porque trata-se de uma empresa que não apressa as coisas.”

Alfaia demonstra saber da demanda da comunidade de Flight Simulator pela presença da Embraer, e garante que o Praetor 600 (cujo preço de mercado gira em torno de US$ 25 milhões) será apenas o primeiro de vários jatos da marca nos títulos da franquia. “A gente definiu que traremos os produtos em uma cadência, começando pelo Praetor 600, depois expandindo para outros produtos. Esse é só o início da colaboração”, ele afirma.
Sobre os detalhes da parceria, a Embraer concedeu acesso total às especificações do Praetor 600, inclusive com análises in loco. “A Embraer colaborou fornecendo informações técnicas, e disponibilizou o avião para o time da Microsoft fazer o mapeamento 3D com câmeras e várias tecnologias”, lembra Alfaia.
A Microsoft, por sua vez, compromete-se a pagar royalties anuais à Embraer, com incrementos conforme aumenta a quantidade de aviões da empresa brasileira no jogo. “Mas isso é realmente relevante? Não”, explica Neumann. “Pensamos nisso mais como um relacionamento de marketing, porque o que fazemos é popularizar os aviões. Recentemente, temos visto um grande fluxo de crianças de 8 a 10 anos jogando nosso game. Para mim, esses são os pilotos do futuro.”
Neumann crê que a aceitação popular por simuladores como Flight Simulator tende a aumentar, na medida em que os jogos se tornam mais conectados à realidade. “Quando começamos, acho que 16% de nossos jogadores eram pilotos ‘de verdade’ e 55% queriam aprender sobre aviação e estavam interessados em se tornar pilotos. Apenas 20% jogavam por diversão”, ele diz. “Agora, 45% dos nossos usuários jogam por entretenimento.”
Produzido pelo estúdio francês Asobo e publicado pela Microsoft, Flight Simulator 2024 foi lançado em novembro último para PC, consoles Xbox e Game Pass. Todos os recursos da atualização “World Update XIX”, que incluem missões específicas em território brasileiro, estão disponíveis gratuitamente a partir desta segunda (17), e também são compatíveis com a versão anterior do simulador, lançada em 2020.