Esta matéria poderia começar dizendo que Felipe Noronha, o YoDa, é mais conhecido no cenário de esportes eletrônicos pela atuação como pro-player – foi campeão do agora extinto Campeonato Brasileiro de League of Legends (o CBLOL) em 2017 com a organização Red Canids. A carreira profícua como streamer também seria um bom gancho: ainda hoje, segundo a plataforma TwitchMetrics, ele é o quarto streamer de LoL mais seguido do mundo na Twitch, com quase 2,5 milhões de “followers”.
Mas o que interessa a esse portal é, claro, o lado pelo qual YoDa é cada vez mais conhecido no mercado brasileiro: o de empresário. O grupo SehLoiro, ou SL, que ele fundou junto com a administradora e diretora executiva Adriana Noronha – que, como não deixa mentir o sobrenome, também é a mãe dele – completa 10 anos em 2025.
“A história é longa, dá para ficar horas falando”, ri YoDa, durante entrevista exclusiva concedida ao The Gaming Era. É uma brincadeira com fundo de verdade, porque a história do SL passa por várias ideias inusitadas. A SehLoiro começou como uma marca de vestuário, depois de quase ter sido um bar de eSports e uma lan-house.
Mas as oportunidades de negócios vislumbradas pelo agora CEO do Grupo SehLoiro acabaram sendo outras: primeiro, gerenciar os projetos e a carreira de YoDa, envolvido com uma série de marcas endêmicas e não-endêmicas desde os tempos de pro-player; e, segundo, profissionalizar a moderação de chats durante transmissões ao vivo de campeonatos de esportes eletrônicos.
ENTENDA MELHOR: Tudo que o TGE já noticiou sobre o Grupo SehLoiro
“Eu gosto de fazer um paralelo com a edição de um vídeo no YouTube: uma boa edição, feita por quem conhece a comunidade e faz de acordo com um estilo, ajuda muito no sucesso de um conteúdo”, compara Noronha, que tenta desmistificar a função dos moderadores. “Não é uma coisa forçada em que todo mundo é enganado, esse nunca foi nosso objetivo. A galera ainda acha que moderar é só punir e banir, mas vai muito além.”
O Grupo SL é responsável pela moderação de todas as transmissões dos torneios da Riot Games para a América Latina, inclusive nos idiomas inglês e espanhol. O trabalho com a publisher americana começou em 2022 e cresceu ao longo dos anos, alcançando status global em 2024. Somando todos as suas verticais – SL Studios (agência), SL Mod (moderação), SL Educa (treinamento e capacitação), SL Games (estúdio responsável pelo game wYzards) e YoGamers do Bem (instituto social) – o SehLoiro possui atualmente mais de 60 colaboradores.
Confira a seguir os melhores momentos da conversa:
The Gaming Era: O Grupo SehLoiro completa 10 anos em 2025. Como tudo começou e como foi para você fazer essa migração de pro-player para empresário?
Felipe Noronha: A história é longa, dá para ficar horas falando. Eu não migrei. Na verdade fui conciliando a carreira como atleta de alta performance, o YoDa, com o Felipe empresário. Até hoje faço isso, sempre conciliando dois empregos, dois trabalhos, digamos assim. Eu via mais como uma necessidade do que vontade ou sonho, para ser sincero.
Inicialmente a ideia era [fundar] uma marca de roupa. Para ser sincero pensamos em um bar de eSports, uma lan-house… Mas a gente percebeu que não era o caminho. Aí viramos uma marca de vestuário, com parcerias com outras empresas, e começamos a registrar os bordões que eu falava [nas transmissões ao vivo].
O tempo foi passando e percebemos que não era o caminho. E começamos a pensar em criação de conteúdo, em atuar mais como agência mesmo. Na necessidade de outros criadores terem esse suporte, indo desde a identidade visual, os objetivos que querem atingir, o público. E começamos a fazer essa conexão, principalmente com marcas não-endêmicas.
Naquela época ninguém sabia como lidar com uma marca, com uma empresa. Todo criador de conteúdo é uma marca e tem o próprio negócio, é seu próprio empresário e investidor. Instintivamente eu fui fazendo isso.
TGE: O TGE já ouviu muitas vezes que o momento difícil vivido pelo mercado de eSports atualmente tem relação com a falta de profissionalismo do passado por parte de alguns times e influenciadores, que não souberam demonstrar resultados para as marcas e fizeram com que elas desistissem do cenário. Você concorda? Era essa a sensação que você tinha 10 anos atrás?
Noronha: É uma pergunta boa e complexa. É muito relativo. Muitas marcas e influenciadores tem essa profissionalização e entregam o que prometem. Mas há também novas publishers, novos influenciadores, novos jogos, novas plataformas… Essas pessoas não passaram pelo que nós passamos 10 anos atrás.
Como é um mercado muito rápido e volátil, em pouco tempo uma pessoa em alta não está mais, e a marca não quer mais investir nela.
É difícil dizer se hoje está melhor. Por um lado, sim, melhorou. Temos bastante profissionalização, principalmente por parte das publishers e influencers mais antigos. Não só nos eSports, mas em games, live streaming, criação de conteúdo. A galera mais antiga conseguiu entender o mercado e tem mais suporte e maturidade.
Mas ao mesmo tempo tem uma galera chegando bem perdida e deslumbrada, e é um mercado muito predatório que coloca caminhões de dinheiro, mas depois some. Outras marcas querem investir, mas não sabem como. E aí investem no influenciador errado e se frustram.
Talvez falte esse estudo, essa análise. Alguém para fazer o meio termo, que tenha esse conhecimento e diga que nem sempre o grande influenciador vai entregar o que a marca pede. São coisas bem simples que ainda ter que ficar falando é triste, mas muita gente ainda não pegou.
TGE: O SL é principalmente lembrado pelo trabalho de moderação de conteúdo em transmissões. Como essa atuação começa?
Noronha: Na verdade o trabalho começa 12 anos atrás no live streaming, quando a plataforma ainda era a Justin.tv [a plataforma criada por Justin Kan foi incorporada à Twitch em 2014]. E lá surgiram os moderadores, que são uma extensão do streamer. O braço direito dele.
Uma moderação competente ajuda o canal a crescer como um todo. Eu gosto de fazer um paralelo com o YouTube: uma boa edição, que conhece a comunidade e edita de acordo com o estilo de conteúdo, ajuda muito no geral. Eles são uma extensão da plataforma.
E não é uma coisa forçada em que todo mundo é enganado, nunca foi nosso objetivo. A galera ainda acha que moderar é só punir e banir, mas vai muito além.
Tem essa parte da educação e da interação com a pessoa que está se comportando mal. Muitas vezes é ter essa conversa. É legal, o cara entende e volta para chat, porque ele se sente parte daquilo. E vamos criando comunidade.
Formalmente começou cinco anos atrás, um pouco antes da pandemia. Como mais uma vez uma tentativa de profissionalizar o mercado. Percebemos que as transmissões estavam crescendo muito, principalmente durante a pandemia, e as empresas não percebiam que precisavam da moderação. O chat ficava tóxico e as marcas perdidas.

Começamos a desenvolver esse sistema [de moderação] e apresentar [para as marcas]. Elas começaram a gostar e testar. Criamos um curso para profissionalizar quem quer ser moderador. Parece besteira, mas não é qualquer um que consegue.
Eles têm acompanhamento de psicólogos, profissionais que ajudam a lidar com o alvoroço.
Contratamos pessoas que vivem esse ecossistema, e criamos ferramentas e métodos para ajudar as transmissões. E fizemos esse estudo com as marcas, para entregar links dedicados, identidade visual e essa conexão com a transmissão, a comunidade e a marca.
Com as marcas, temos contratos anuais fechados. Hoje temos todas as transmissões da Riot Games, que são muitas. Não é só League of Legends, mas também Valorant. Também trabalhos para outros influenciadores, marcas etc., mas são coisas mais pontuais.
TGE: Você chamou o trabalho do moderador de desafiador. Imagino que contratar mão de obra para esse trabalho não seja fácil. Mas é uma carreira promissora?
Noronha: Não é simples mesmo. É um trabalho de formiga. Gostamos de dizer que estamos abrindo portas, desde a época de criação de conteúdo. Temos uma líder de moderação, que é a Gabs [Gabriela Scheidt, gerente de moderação], que treinamos para treinar outras pessoas.
A pessoa não entra e já sai moderando. Ela aprende as ferramentas, o modelo de trabalho. E depois faz um teste com um moderador já experiente. E depois disso está apta a moderar. Por isso também criamos um curso [SL Moderação]. Já tínhamos tudo sistematizado, então por que não lançar para o público? Conhecimento bom tem que ser compartilhado.
Buscamos contratar entre a própria comunidade que fez o curso, já contratamos algumas dessas pessoas. Além disso damos a oportunidade no YoGamers do Bem, nosso instituto social. Quatro [dos moderadores do SL] saíram de lá e estão trabalhando com moderação. É desgastante, trabalhoso, mas é gratificante.
TGE: Para onde o trabalho de moderação está evoluindo?
Noronha: Acreditamos que as transmissões vão crescer cada vez mais. Não só no Twitch, mas também no YouTube, no TikTok etc. Estamos criando maneiras de automatizar essa tarefa, e a inteligência artificial nos ajuda a detectar algumas palavras ou reações e escalar, trabalhar com mais pessoas.
Porque é um trabalho muito difícil. Às vezes uma transmissão dura oito horas, e depois dela fazemos uma análise de menções, quantas pessoas agiram de forma legal ou não, o que foi falado, o que gerou alvoroço, que marcas geraram mais engajamento. Fazer isso é humanamente impossível. Estamos trabalhando com IA para ajudar os moderadores.
Estamos trabalhando com dois recursos de IA. O primeiro na própria plataforma. Por exemplo analisar todo o log de um usuário, o que antes não tinha. Você consegue ver tudo que ele escreveu, clipar o momento [da infração], a provado do porquê ele foi banido. Isso não existia cinco anos atrás.
E temos um assistente de IA que estamos criando. Contratamos engenheiros para captar dados e análises do que está dando certo ou não na nas transmissões. Está em teste ainda, com a própria Riot. E está dando muito certo.
TGE: Quando esse último recursos será lançado?
Noronha: Não tenho essa resposta ainda. Espero que até o fim do ano.
TGE: Mas o trabalho humano continua importante?
Noronha: Temos o know-how. Modéstia à parte o que a gente faz, ninguém faz. Temos pessoas que só fazem isso. Profissionais que vivem vendo lives, analisando números e estão conectados às marcas e às próprias plataformas.
Cada plataforma de live streaming tem uma engenharia e é administrada de uma forma. São coisas bem especificas que muitas vezes a publisher não vai conseguir fazer.
A própria Riot Games não vai conseguir se dedicar só a isso. Então é legal contratar uma empresa especialista para a empresa se desafogar e entregar outras coisas.
TGE: O ano passado foi bastante difícil para o mercado de games de modo geral, com expectativa de que 2025 também não seja muito fácil. Quais as suas expectativas para o Grupo SL?
Noronha: Eu sempre falo para a galera internamente que temos só que agradecer. O ano foi difícil como um todo no mundo. Muita demissão em massa, empresas parando de investir. E nós continuamos investindo e abrindo portas, criando oportunidade. Projetos caíram [foram cancelados] na vertical de estúdios, mas as oportunidades vieram.
Comparado com outros, não foi um ano tão bom, mas foi bom se comparado ao que está acontecendo no mundo. Eu acredito que esse ano e o próximo vão ser melhores, com tendência de aliviar um pouco.
A meu ver um dos vários problemas que aconteceram no ano passado e retrasado foi o “boom” da pandemia. Muita coisa cresceu demais, e [as marcas] acharam que aquilo ia durar para sempre. Houve muita contratação, muito investimento, muita gente maluca botando dinheiro.
E quando a pandemia acabou, voltou ao normal. As pessoas voltaram para as vidas delas. A pandemia gerou uma falsa expectativa. Mas agora as empresas e marcas tem noção de como vão ser os próximos anos. Eu vejo um cenário positivo à frente.
Queremos mais voos com a Riot e, de repente, [contratos com] mais publishers fechados.