Estúdios brasileiros em eventos internacionais de games: vale a viagem?

TGE ouviu 4 desenvolvedoras brasileiras que foram à GDC e, apesar de algumas ressalvas, resposta é positiva
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Brasileiros que foram à GDC 2024. Fotos: Divulgação

Para os desenvolvedores e estúdios brasileiros, vale a pena passar horas em um avião viajando para outro país para estar em eventos internacionais de games? Foi o que fizeram alguns representantes do Brasil em março último. Eles foram para São Francisco, nos EUA, para participar da Game Developers Conference de 2024.

Aparentemente a resposta é sim, apesar de algumas ressalvas. O The Gaming Era conversou com quatro empresas e projetos nacionais que foram à feira dedicada aos negócios e ao aprimoramento técnico de pessoas e empresas no mercado de jogos eletrônicos em março.

A GDC 2024 recebeu 30 mil pessoas, segundo primeiro balanço divulgado essa semana pelos organizadores – um pequeno aumento frente aos 28 mil do ano anterior. Foram mais de mil palestrantes, 325 exibidores e 730 workshops e mesas redondas realizadas entre 17 e 22 de março.

A participação brasileira também foi expressiva: uma comitiva encabeçada pela Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames) e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil) levou representantes de 47 estúdios, “segunda maior da história da indústria nacional”, segundo as entidades.

Histórico de eventos internacionais

A Abragames, aliás, participa da GDC desde 2010. A expectativa da entidade antes do evento era gerar mais de US$ 55 milhões em negócios com as empresas participantes do Brazil Games – nome da iniciativa que leva empresas brasileiras para grandes eventos internacionais de games. Mas, ao menos segundo a opinião dos estúdios ouvidos pelo TGE, não é comum voltar de São Francisco com papéis assinados.

“Ninguém volta com um acordo. Acho que só vi isso acontecer uma vez na vida”, brinca Jandê Saavedra Farias, cofundador e designer gráfico do Double Dash, estúdio carioca responsável por games como Sky Racket e Irmão do Jorel e o jogo mais importante da Galáxia. “No máximo volta com alguém muito empolgado para conversar com você de novo.”

Para a totalidade dos ouvidos, inclusive aqueles que participaram da GDC mais de uma vez, o grande valor oferecido pela feira é o relacionamento. “Entramos em contato com múltiplas empresas com as quais precisamos fazer acompanhamentos e que estão interessadas em investir na nossa empresa e/ou projetos”, explica Renata Rapyo, produtora sênior do BitCake Studio.

Confira um pouco do que disseram cada um dos profissionais ouvidos pelo TGE.

AfroGames

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Carlos Azevedo (esquerda) e Luca Alves na GDC 2024. Foto: Divulgação

Nascido como “braço” da ONG AfroReggae, o AfroGames atua no treinamento de atletas e equipes de eSports e na capacitação de jovens designers e desenvolvedores de games em comunidades do Rio de Janeiro. Desde 2019, um ano depois de iniciar atividades, o AfroGames buscava formas de participar da GDC.

“Sou o único professor [do AfroGames] que está [no projeto] desde o começo. E queríamos alcançar um nível de profissionalização para não sermos vistos como ‘olha, eles fazem um curso de games na favela, que bonitinho’”, lembra Luca Alves, coordenador geral e professor de desenvolvimento de jogos do projeto.

Três anos depois, em 2022, surge a primeira oportunidade. Com subsídio do Brazil Games e patrocínio d’O Boticário, o projeto levou dois alunos dos cursos de desenvolvimento para participarem da feira americana. Trouxeram conhecimento que foi compartilhado com colegas e professores.

Em 2024 a oportunidade ressurge, de novo contando com apoio da empresa brasileira de cosméticos, mas dessa vez o Afrogames dá um passo além. “Queríamos fazer networking, conhecer as pessoas, e tratar de negócios, não só dizer ‘chegamos até aqui’”, conta Alves. “E conseguimos ótimos resultado. Agora depende do pós-evento.”

Carlos Azevedo, diretor de marketing e comunicação do AfroReggae e responsável pelos times de eSports do AfroGames, gosta de lembrar que as empresas americanas “correram atrás de nós” para conhecer o projeto, o que permitiu conexões com possíveis parceiros e apoiadores. “Ouvi muitos elogios da galera de fora. Serviu também mostrar um pouco da nossa grandeza”, diz.

O AfroGames tem como objetivo atual se tornar um estúdio de produção de games, e dar vazão para os projetos de jogos desenvolvidos pelos alunos do projeto. Para isso, pretende continuar participando de feiras, inclusive as nacionais – a participação na Gamescom, em São Paulo, já está confirmada.

“Um dos resultados que colhemos é a participação em grandes eventos nacionais, porque isso torna mais fácil conseguir aportes e patrocínios”, diz Alves.

BitCake Studio

Renata Rapyo, BitCake
Renata Rapyo, do BitCake. Foto: Reprodução, LinkedIn

Para o BitCake, estúdio responsável por jogos como Holodrive e o futuro Atomic Picnic, além de ser responsável pela Made in Brazil Sale no Steam, ir à GDC é quase um hábito. Em 2024 foi a quinta participação do estúdio no evento, fato que provavelmente responde por si só a validade da viagem, apesar do investimento elevado.

Mesmo com o subsídio oferecido pelo Brazil Games e que paga os passes de entrada no evento, o investimento é substancial. Segundo Renata Rapyo, o estúdio gastou cerca de R$ 10 mil por pessoa que foi à San Francisco, incluindo passagem, hospedagem, transporte e alimentação na cidade – que não é exatamente conhecida por ser das mais baratas.

Para ela, “a possibilidade de fazer networking com os maiores players do mercado e ter acesso a pessoas em posições de liderança dentro das empresas” é a maior vantagem do evento, que para ela também serviu para descobrir “novos modelos de negócios para além do tradicional premium e Free-to-Play” e conhecer “novas tecnologias e nos atualizamos sobre a evolução de alguns softwares open-source, como a Godot [Engine], que evoluiu muito nos últimos anos”.

Resumindo, Renata acha que, sim, ir à GDC e outros eventos internacionais vale a pena. “Apesar de não fecharmos negócios imediatamente durante o evento, criamos muitas conexões que podem trazer frutos futuros, tanto de negócios, quanto de aprendizados técnicos também”, resume.

Double Dash Studios

Jandê Farias, Double Dash
Jandê Farias, do Double Dash. Foto: Divulgação

Pela segunda vez na GDC, o Double Dash mudou um pouco de abordagem de uma edição para outra do evento. Jandê Farias explica que na primeira ida, em 2018, o estúdio se concentrou demais em expor um game – na época o Sky Racket – e pouco em fazer contatos.

“Era o início da empresa, estávamos aprendendo as coisas”, lembra ele. “Com estande, acabamos não fazendo muitas reuniões com publishers, investidores etc. Muita gente vinha falar com a gente para oferecer serviços de áudio, arte, freelas etc. Foi uma experiência legal para conhecer o evento, a cidade, e gente da indústria brasileira de jogos. Mas não senti que foi muito proveitoso para o jogo em si.”

De volta à GDC em 2024, e depois de algumas idas à eventos internacionais como a PAX East, o foco agora foi fazer reuniões. Jandê conta que levou material pronto para reuniões com as editoras e possíveis parceiros, e que isso fez diferença.

No momento o Double Dash procura investidores para complementar recursos obtidos via Lei Paulo Gustavo. São três projetos em andamento, inclusive um game em primeira pessoa e um dungeon crawler, ambos em primeira pessoa, além de um protótipo de “um jogo de física maluca, uma mistura de Goat Simulator com Katamari Damacy”.

“Nem todo mundo que a gente queria conseguimos conversar, mas deu para encontrar algumas pessoas e trocar cartão. Já foram contatos maneiros”, conta Jandê, lembrando que fazer encontros de forma presencial após a pandemia é positivo. “No presencial você está presente. As pessoas te veem. Você é visto por quem está em volta. Se isso vale R$ 20 mil aí já não sei. Talvez eu responda daqui há alguns meses.”

O DD também gastou cerca de R$ 10 mil por pessoa que foi à GDC – além do cofundador, a gestora de marketing Julia Dalcin também viajou para San Francisco.

Jandê não tem tanta certeza se ir à GDC em 2024 valeu a pena, mas diz que “vale ir pelo menos uma vez, pela experiência”. Ele também ressalta que talvez nem todo estúdio deva investir em eventos internacionais, inclusive porque o BIG Festival, no Brasil, supre bem e localmente essa lacuna por relacionamento entre estúdios e o mercado.

“Se não conseguir ir à GDC, vá ao BIG [Festival]”, aconselha.

Pepita

Júlio de Santi, Pepita
Julio de Santi, CEO do Pepita. Foto: Reprodução, LinkedIn

Julio de Santi, CEO da Pepita, também foi para a GDC pela segunda vez. A empresa é mais conhecida pela atuação no mercado cinematográfico, e no mundo dos games estreia com Master Lemon, adventure em pixel art narrativo que faz tributo à um amigo falecido do executivo, e que em 2024 entrou no terceiro ano de produção.

“Eu sou do cinema, e decidi fazer um jogo em homenagem a ele. Não conhecia muito do mercado, estou conhecendo agora”, confidencia Santi ao TGE. “A presença constante nos eventos é necessária.”

O executivo da Pepita diz ter gastado cerca de R$ 15 mil por pessoa que foi à GDC representando a empresa, incluindo o investimento materiais de divulgação como broches e brindes. Ele concorda que não se trata de um esforço em que negócios serão fechados in loco, mas sim de“se manter vivo no mercado e fazer conexões constantes para te dar certa credibilidade”.

No caso específico da Pepita, Santi diz que a viagem foi produtiva para contatos não só com possíveis investidores e publicadores, mas também com divulgadores do game. A empresa deve fechar em breve um acordo com uma agência de relações públicas (ou PR, na sigla em inglês).

“Trata-se de ver e ser visto, mas obviamente é preciso ter coisas para mostrar. Se eu for todo ano com as mesmas coisas, não vale a pena”, aconselha o CEO, que diz ver semelhanças entre os eventos de negócio no setor de games e de cinema. “É preciso que vejam que é um estúdio em movimento.”

Julio também diz ter feito “reuniões ótimas” e ganho muito com o relacionamento que o evento propiciou com outros estúdios nacionais que fizeram parte da comitiva da Abragames e da ApexBrasil. “Acho que tem valor estar na delegação [brasileira], é muito legal”, ressalta. “O pessoal do mercado de game aberto, colaborativo.”

Em suma, Julio de Santi diz que vale ir à GDC e eventos internacionais nos mesmos moldes, e que o Pepita deve ir à outros no futuro – além dos brasileiros. O BIG Festival/Gamescom é obrigatório, diz ele, ecoando a opinião do colega do Double Dash.

“Vale a pena ir em três eventos por ano. Estou estudando a Gamescom da Alemanha, talvez a Tokio Game Show”, conjectura.

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