Uma notícia bombástica divulgada no começo da noite de quinta-feira (12) pegou de surpresa os fãs da Annapurna Interactive, publisher americana conhecida por games independentes elogiados por crítica e público, incluindo Stray, Coccon, Lorelei and the Laser Eyes e o recém-lançado Flock. O jornalista Jason Schreier publicou no site da Bloomberg que a editora ficou sem nenhum funcionário – todos pediram demissão em um intervalo de poucos dias.
A informação foi confirmada à Schreier pelo agora ex-presidente da Annapurna Interactive, Nathan Gary, que “puxou o bonde” dos descontentes. “Todos os 25 membros da equipe da Annapurna Interactive se demitiram coletivamente”, disseram ele e um grupo de ex-executivos da empresa em comunicado conjunto, alegando que a decisão “não foi tomada levianamente”.
Em comunicado, a Annapurna também confirmou a informação, e disse que demissões ocorreram após as partes envolvidas não conseguirem chegar a um acordo. A CEO da empresa, Megan Ellison, diz no documento que a prioridade agora é “continuar apoiando nossos parceiros de desenvolvimento e publicação durante a transição”.
LEIA TAMBÉM: Unity cancela de vez a famigerada ‘Runtime Fee’, que cobrava por instalação
“Estamos comprometidos não apenas com nossa lista existente de jogos, mas também com a expansão de nossa presença no espaço interativo”, disse ela.
Segundo Schreier, os desenvolvedores de jogos trabalhando com a Annapurna ainda tentam descobrir que impactos as demissões trariam para seus acordos de publicação. A editora atua tanto como financiadora de projetos como distribuidora e apoiadora do marketing dos games prontos, além de prover serviços de qualidade e localização de produtos, entre outros.
A Annapurna garante que nenhum projeto sofreu qualquer mudança.
O que aconteceu?
Primeiro um pouco de história. A Annapurna Interactive, cujo nome oficial é Annapurna Games, é a divisão de desenvolvimento e publicação de jogos eletrônicos criada em 2016 como parte da Annapurna Pictures, empresas que atua na produção de TV, teatro e filmes, incluindo sucessos como Her (2013) e Ameaça Fantasma (2017). A Pictures foi fundada pela produtora Megan Ellison – que por sua vez é filha do bilionário Larry Ellison, fundador da empresa de tecnologia Oracle.
A Annapurna Games surgiu alguns anos depois da Pictures para aproveitar a oportunidade oferecida pela crescente indústria de games global. O objetivo era publicar jogos próprios e independentes, geralmente produzidos por times pequenos e de baixo orçamento, mas sempre caracterizados por um viés “pessoal, emocional e original”, ou seja, carregados de significado artístico.
Só que Ellison não era a única fundadora. A equipe inicial da empresa contava com executivos da Annapurna Pictures e veteranos da indústria de games, incluindo Nathan Gary, que trabalharam em empresas como Sony e Warner Bros. Como a companhia não é pública, é difícil saber qual o tamanho da participação de cada um dos sócios.
O crescimento foi rápido, e a empresa publicou sucessos como Gorogoa, What Remains of Edith Finch (melhor jogo independente do The Game Awards de 2017), Florence, The Artful Escape (vídeo abaixo), Ashen e Telling Lies, entre outros.
Em 2020 a empresa criou seu primeiro estúdio interno, em Los Angeles. Publicou outros games de destaque, incluindo Kentucky Route Zero, Outer Wilds e Sayonara Wild Hearts. A empresa se tornou rentável e cresceu, Gary acumulou a presidência da Annapurna Pictures, o que trouxe mais sinergia entre a produtora de filmes e a de games.
Mais estúdios internos foram criados na Califórnia, e o sul-africano 24 Bit Games foi comprado.
Separação frustrada
Mas as coisas já não iam totalmente bem na Annapurna. Em 2022, denúncias de abuso e ambiente tóxico de trabalho vieram a público, e seriam responsabilidade dos fundadores da empresa. Dois anos depois, começa a confusão atual.
A demissão coletiva na Annapurna Interactive começou quando Nathan Gary deixa o cargo de presidente, junto com os codiretores da divisão de games Deborah Mars e Nathan Vella. A história foi revelada em uma matéria exclusiva do The Hollywood Reporter publicada na semana passada.
Segundo fontes do site, Gary estava liderando um esforço de separar a divisão de games da Annapurna da de filmes (um spin-off, no jargão de negócios). Esse plano provavelmente motivou a contratação de Hector Sanchez, que havia voltado à empresa em agosto para liderar a área de novas mídias e supostamente assumir o lugar de Gary após a separação.
Com a demissão coletiva, Sanchez teve que assumir a divisão de games e de audiovisual. Agora a Annapurna faz planos para integrar ainda mais suas divisões e filiais. Com a saída de Gary e a reaproximação de Ellison da operação da empresa, Sanchez terá como missão expandir o foco atual da Annapurna também para os games AAA de grande orçamento, diz o THR.
É nesse contexto que surge o acordo de cooperação recém anunciado com a Remedy, que tornou a Annapurna produtora de séries e filmes de franquias como Alan Wake e Control. A bem da verdade a empresa já havia, segundo o THR, amargado resultados financeiros ruins entre 2021 e 2022, mas a reportagem do TGE não encontrou demonstrações financeiras mais recentes.
A desistência do spin-off por parte de Megan Ellison e a mudança de rumos da publisher provavelmente foram as causas da demissão coletiva dos funcionários da Annapurna Interactive que restaram – faltam os detalhes das razões. Ainda não se sabe os motivos que fizeram a fundadora desistir da separação, ou mesmo o que levou os demais funcionários a seguirem Nathan Gary.
Os efeitos da confusão no mercado de games, principalmente o independente, são uma pergunta em aberto.
