Discutindo o jogo com… André Bronzoni

Uma análise de fora para dentro com o homem brasileiro na publisher 505 Games
André Bronzoni, 505 Games
André Bronzoni. Foto: Divulgação

André Bronzoni é um exemplo de profissional brasileiro que construiu uma carreira internacional dentro do mercado tradicional de videogames.

Começou como gerente de comunidades na Konami há mais de uma década, subiu degraus e foi peça fundamental no processo de licenciamento dos times brasileiros no game de futebol Pro Evolution Soccer, verdadeira mania entre os jogadores locais durante boa parte deste século.

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Depois disso, ele encontrou novos desafios na publisher 505 Games, operando dos Estados Unidos como diretor global sênior de marcas da empresa, responsável por títulos como Terraria, Brother: A Tale of Two Sons e Payday 2.

Nada mal para um paulistano formado em gastronomia que enxergava os jogos eletrônicos apenas como uma diversão da infância. Na conversa a seguir, Bronzoni falou sobre sua trajetória na Konami, quando gerenciou a marca PES nas Américas, as conexões entre os mundos do videogame e do futebol, além de sua visão como executivo global sobre as possibilidades do mercado brasileiro.

Confira:

Como o videogame surgiu profissionalmente na tua vida?

André Bronzoni: Eu sempre falo que meu CV não é diferente, mas interessante. Eu comecei com gastronomia e caí em games muito por conta – e como muitas pessoas também – da facilidade com idiomas.

A Konami foi minha primeira empresa de videogames, não de entretenimento, porque trabalhei também em outras, como a Capitol Records e a Dick Clark. Mas a Konami foi minha primeira grande publisher, onde fiquei por quase 10 anos, de 2010 a 2020.

No início, foi só um emprego em que eu queria desenvolver essa parte dos idiomas – e também de redes sociais, porque naquele momento rolava o boom do Facebook e Twitter e ninguém sabia como funcionava, e isso já estava no meu core.

Depois, fui para o lado de desenvolvimento de comunidades, algo que, no meu ponto de vista, sempre vai ser muito importante para o mercado como um todo.

O que você fazia exatamente na Konami?

Bronzoni: Comecei como coordenador de redes sociais para as Américas. Naquela época, ainda não se falava muito sobre comunidades e criadores de conteúdo para redes sociais, mas a gente já fazia esse trabalho de analisar os sentimentos da comunidade.

A Konami sempre foi uma empresa relativamente adorada no Brasil, por todas suas IPs [propriedades intelectuais], e comecei analisando Orkut, alguns fóruns, o MySpace ainda existia na época… Eu estou até me achando velho [risos]. Começamos esse desenvolvimento de criar conteúdo para essas redes sociais, e obviamente isso virou também um lugar para disseminar notícias sobre a empresa.

Depois, passei a ir para a parte de negócios. Fui transferido para o Brasil em 2011, porque eu morava em Los Angeles, fiz faculdade lá. Vim para ajudar no desenvolvimento do escritório local da Konami, com foco no marketing online. Nessa época, trabalhei com todos os jogos, tanto em nível Brasil como para o restante da América Latina, desde Metal Gear, passando por Castlevania, Silent Hill… Com todos esses, fui responsável pelo marketing e planejamento da Konami no continente.

Fiquei aqui até 2016, e voltei para os Estados Unidos já como gerente da marca Pro Evolution Soccer. No ano seguinte, fui promovido para gerente de PES para as Américas. Foi quando entrei mais na parte de licenças. Eu já tinha experiência com isso, nas áreas de música e shows, pelas empresas em que trabalhei.

Já mais voltado para a marca PES, que hoje se chama eFootball, comecei a fazer não só as partes de desenvolvimento da marca e planejamento de marketing, mas também a aquisição de licenças. Lembrando que sempre houve aquela rixa entre FIFA e PES, e foi aí que despontamos, por darmos mais abertura e ênfase ao futebol brasileiro e ao da América Latina, licenciando e patrocinando os clubes.

Você foi um dos poucos no Brasil que teve o privilégio de trabalhar diretamente com um game de futebol, ou seja, dois universos que são meio “primos”. O que o mercado dos jogos poderia aprender com o futebolístico?

Bronzoni: Na comparação desses dois mundos, tem uma coisa que é muito clara para mim, que é o fanatismo. Acho que todos nós que trabalhamos no mercado de games temos um certo fanatismo por um jogo ou até mesmo um personagem. Ao mesmo tempo, tem muita gente que tem idolatria por um jogador ou um time.

Por exemplo, eu adoro o Solid Snake e Metal Gear, aprendi a falar inglês com esse jogo. É uma coisa que vai estar sempre comigo na memória, independentemente de tudo que aconteceu entre a empresa e o desenvolvedor.

E o fanatismo por um clube é a mesma coisa. As pessoas sempre vão amar um clube e idolatrar um jogador, mesmo que ele mude de time.

O que a indústria de videogames tem de melhor é o profissionalismo, de ser uma coisa privada, e não algo voltado para uma associação. Esse é um certo diferencial de negócio em relação aos times de futebol. Um clube de futebol sabe a importância que o torcedor tem, só que ainda não consegue utilizar isso como sua principal renda. A renda vem por outros lados, e não simplesmente do consumidor.

Já para a empresa de videogames, a principal fonte de renda vai sempre ser o fã. Então, se o jogo não for bem-feito e adorado, não vai ter fãs, e o resultado disso é que não vai vender.

O que os games conseguiriam aprender com o futebol? Pensando nos eSports, que no final das contas é videogame, seria como montar um torneio de sucesso. O futebol está há anos fazendo isso, tem uma bagagem. Já os eSports estão aprendendo a fazer, de uns dez, doze anos para cá.

A gente já vê isso em Counter-Strike e League of Legends, com todo o fanatismo dos fãs pelos times e jogadores. Se entendermos bem como funciona a parte de premiação e deixar isso cada vez mais claro para todos, acho que o mercado vai despontar.

Infelizmente, houve algumas retrações no negócio, teve um boom e agora deu um passinho para trás, mas acho que isso será importante para dar três passos para frente.

Você está na 505 Games há quatro anos. Como foi essa transição de um universo familiar para uma empresa nova, com outra cultura, outras IPs e talvez outras demandas no seu dia a dia?

Bronzoni: “Desafiador” é a palavra. PES é um jogo muito familiar para mim, que conheço desde muito criança, tanto como outras IPs da Konami. Porém, foi uma opção minha sair, para desenvolver um pouco algumas habilidades que eu não tinha ou que estavam esquecidas, porque tinha entrado em um ponto muito robótico de fazer as coisas automáticas, por já saber bem como funcionam aquelas propriedades.

Eu queria entender como funciona o desenvolvimento de um jogo a partir do zero. Tem muitas empresas que não abrem isso para os funcionários, e acho que na 505 eu tenho essa abertura.

O que me atraiu foi poder ter o entendimento de todo “lifecycle”, do início do desenvolvimento até o “sunset” do produto.

Quais são os momentos certos dentro de um timeline de produção, como conversar com o desenvolvedor frente a frente, como precificar um jogo e definir um valor de marketing… Eu não tinha tanta visibilidade na Konami, porque era tudo “tá aqui ó, vai e faz”. Eu tinha visibilidade de uma porção, e não do todo, então foi esse foi o grande motivo de eu querer ir para a 505: ter esse entendimento maior da indústria, que eu não tinha.

Nos últimos anos, o job description mudou, porque comecei como Senior Brand Manager Global e hoje sou Senior Brand Director Global. Subi um degrau não só de posição, mas também nas responsabilidades, principalmente com pessoas.

Eu sempre prezo por ter um relacionamento com os desenvolvedores, por eles serem os criadores do conteúdo. Sem eles não têm jogo e eu não tenho negócio, é simples assim.

Então, minha rotina começa com uma ligação semanal com eles, de vez em quando até duas vezes por semana, dependendo do jogo ou do momento da campanha.

Você trabalha em uma empresa que lança jogos para o mundo inteiro e acompanha as mudanças do mercado. Não dá para prever como serão os modelos de negócio e os hábitos de consumo nos próximos cinco anos. Dito isso, qual é o grande desafio de uma publisher hoje em dia?

Bronzoni: Vários relatórios mostram o crescimento do mercado, e que a maior fatia ainda é ocupada por jogos conhecidos, como Minecraft, Roblox, Fortnite, GTA. São games que foram lançados há quase dez anos em média, então, são relativamente “antigos”.

Na minha concepção, todos os publishers brigam por atenção. Então, esse é o primeiro desafio.

O outro desafio tem a ver com o nível dos jogos atualmente. A qualidade está muito alta e os gráficos estão muito bons – muito devido à IA e às tecnologias em si – e, em geral, acho isso uma coisa benéfica. Porém, isso também acelera a produção, e assim o número de jogos no mercado só vai aumentar.

Foram por volta de 800 títulos lançados no ano passado. É muito jogo e não tem audiência para tudo isso. Então, metade da fatia de atenção vai para jogos “antigos” ou com IPs consolidadas, enquanto a outra metade é distribuída entre outras franquias “anuais”, como Call of Duty, Battlefield, EA FC, eFootball, NBA….

Todo o restante dessa fatia, 25%, são jogos novos, como Lords of Shadow, Alan Wake 2… Jogos incrivelmente bons nos quesitos qualidade gráfica e enredo. E acho que isso é o que mais vai atrair a atenção das pessoas: o enredo. É a história que traz o diferencial, e é nisso que todos os publishers estão com certa dificuldade, já que todos querem esse “lugar ao sol”.

Mesmo de fora, você deve ter um entendimento sobre o que chamamos de “Brasil dos Games”. Gostaria que analisasse quais arestas devem ser aparadas para nosso mercado se tornar uma indústria de fato. O que faltaria para prosperar?

Bronzoni: Infelizmente, o dólar impacta muito. A flutuação do câmbio na América Latina tem impacto, porque a conta é simples: se eu invisto US$ 1 milhão para vender jogos por aqui, eu preciso ter, ao menos, o dobro de retorno para fazer sentido.

Para se ter ideia, o cálculo de quanto cada usuário gasta por mês no Brasil com microtransações está em US$ 6, enquanto em outros mercados mais maturados e estáveis, gasta-se de US$ 10 a US$ 15. A Coreia do Sul gasta quase US$ 28.

Então, acho que o primeiro ponto para “aparar as arestas” é educar o mercado brasileiro sobre microtransações e DLCs. Isso é uma realidade que não vai mudar: o negócio agora é alongar o conteúdo para aumentar a “replayability”, e é preciso comunicar e explicar isso para a audiência. Acho que o jogador mais novo já compreende isso, mas ainda falta um pouco desse entendimento ao público de 18 anos para cima.

Outro ponto que pode mudar é a compreensão da publisher de que não vai faturar tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Porém, se tiver um jogo popular por aqui, isso futuramente pode trazer certo retorno e abrir outras frentes – merchandising, possibilidades de outros conteúdos como séries de TV…

O Brasil é um terreno fértil em que o mercado de influência, é um dos que mais influencia o mundo. Se a empresa se planejar e entender que não vai monetizar a curto prazo, mas que tem chance de faturar de outras formas, eu acho que é aí que as coisas começam a mudar.

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