Discutindo o Jogo com… Chris Charla, diretor do ID@Xbox

O homem na Microsoft responsável pelo programa de estúdios independentes quer entender o jeitinho brasileiro de criar games
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Chris Charla, diretor do programa ID@Xbox na Microsoft. Foto: Pablo Miyazawa, TGE

Se comparado aos colegas de Xbox na Microsoft, Chris Charla pode até ser considerado um novato: está há 14 anos na empresa, e hoje ostenta o cargo de diretor da iniciativa ID@Xbox. Lançado em 2013, o programa é a forma que a gigante de tecnologia achou para fomentar a produção de games por estúdios de pequeno e médio porte – ou a “indústria indie”, para os íntimos. 

Durante rápida passagem por São Paulo, como um dos palestrantes da programação da Gamescom Latam, o executivo norte-americano pôde acompanhar de perto um pouco do que chama de “vibe brasileira” da cena de games independentes. Para ele, é possível identificar uma “cena brasileira de jogos”, com títulos “completamente diferentes uns dos outros”, com “a sensação de que foram desenvolvidos no Brasil”.

O ID@Xbox, que Charla lidera, é conhecido por apoiar estúdios independentes para o lançamento de jogos no Xbox – são mais de 50 títulos de estúdios brasileiros na plataforma atualmente, diz ele, que é um otimista sobre o futuro desse segmento. “… a beleza do mercado, ou do mundo dos jogos indie, é que sempre haverá algo novo surgindo. (…) Eu acho que o ‘jardim dos jogos indie’ não vai acabar, porque é regado por criatividade e paixão…”.

Charla conversou com o The Gaming Era também sobre o limite de preços dos jogos e o futuro dos títulos blockbusters AAA.

Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista:

Eu conversei com amigos que vieram à Gamescom para jogar grandes lançamentos, mas eles reclamaram que quase não havia novos games “AAA” nos estandes. Por outro lado, o evento foi dominado por produções indie do Brasil e do mundo. Todos sabem que os “AAA” levam muito tempo para serem feitos e possuem alto custo de produção, o que dá a entender que os indies terão um papel cada vez maior no futuro da indústria. Você concorda?

Chris Charla: Bem, eu até vi alguns jogos grandes no evento. A Bethesda está aqui, a Nintendo também está com alguns dos seus jogos em um estande… Eu dei uma volta e com certeza presenciei muito Mortal Kombat sendo jogado. Eu acho que a melhor coisa sobre os videogames hoje em dia é que há espaço para tudo – seja para jogos de plataforma, como Minecraft e Fortnite, como para os grandes “AAA”, como Call of Duty, Mortal Kombat e tantos outros. 

Mas também há lugar para muitos indies, o que acho ótimo, porque eles tendem a ser menores (nem sempre) e tão diferentes! 

Eu gosto do fato de que, seja lá o que curta, há um jogo indie pra você. Se você é fã de JRPGs, existe um JRPG legal pra você. Se adora jogos de luta, existem vários jogos indie de luta. Se você não sabe do que gosta, há jogos que te fazem pensar: “Eu não fazia ideia que isso existia!”. 

Não sei, talvez eu tenha pouca capacidade de concentração, mas adoro jogar muitas coisas diferentes. Então, sim, é por isso que adoro jogos indie.

Algo interessante sobre essa diversidade de gêneros a qual você se referiu tem a ver com o fato de que parte dos desenvolvedores atuais nasceu nos anos 1980 e 90. Na infância, eles jogaram Nintendinho, Sega, PlayStation, Nintendo 64… Eles não jogaram no celular, porque isso nem existia. Fico pensando no que virá com a próxima geração de criadores: que tipo de games eles vão gerar daqui 15 anos?

Charla: Eu não sei! Gostaria de saber. Mas acho que vai ser incrível, não importa o que seja. Quando começamos a ideia do programa ID@Xbox, em 2013, 2014, nunca poderíamos prever um Baldur’s Gate 3! Nunca poderíamos ter previsto o Subnautica ou o Rust… Entende o que quero dizer? São tantos jogos! 

E isso que é incrível: nós realmente não sabemos o que vem por aí. Com certeza as grandes franquias anuais vão existir, o que é fantástico. Mas a beleza do mercado, ou do mundo dos jogos indie, é que sempre haverá algo novo surgindo.

Imagine a situação: duas crianças que jogaram muito um game qualquer de PlayStation tornam-se adultos, começam a desenvolver jogos e decidem recriar aquela mesma experiência, mas acabam adicionando algo novo à ideia original. Para mim, é isso que faz os indies tão interessantes.

Fazendo uma comparação com o mundo da música: nos anos 1990, as bandas que eu curtia eram as “alternativas”, ou “indie”, que ofereciam um contraponto aos artistas mainstream que todos conheciam. Anos depois, essas mesmas bandas foram tão bem sucedidas que se tornaram as principais representantes do mainstream. Acha que essa tendência poderia ocorrer nos games também?

Charla: Sim, e o interessante é que eu sou como você. Eu curtia muito rock underground, punk e coisas do gênero. Daí, no ano 2000, surgiu a “Warped Tour” [festival itinerante de rock alternativo] e, de repente, a música alternativa virou a mais mainstream do que se podia imaginar. 

Ultimamente, tenho percebido muito uma nostalgia dos velhos tempos do punk da década de 90. Andei procurando e encontrei muita banda nova! Ou seja, ainda existe uma cena underground de verdade.

Então, eu penso que veremos a mesma situação nos jogos: alguns dos “indies”, entre aspas, crescem e começam a tomar os espaços dos títulos de médio porte. Mas sempre vão existir novos jogos. 

Vou te dizer uma coisa, e posso estar errado, mas falarei mesmo assim: sempre vai haver um próximo grande game criado por uma única pessoa em seu quarto. 

Estou na indústria há tempo suficiente para ter visto essa previsão ser refutada várias vezes. Acho que em 1995 eu ouvi alguém dizer: “Nunca haverá outro game criado por um único desenvolvedor, como…”

Como Tetris? 

Charla: Sim, como Tetris! Bom, só essa semana provavelmente sairão uns cem novos jogos criados por desenvolvedores solo [risos]. Tá entendendo? E são vários exemplos. Minecraft foi criado por uma pessoa só, Tunic também. Claro, equipes grandes também farão ótimos games. E mesmo os criadores solo não costumam criar sozinhos, eles têm pessoas que os ajudam aqui e ali.

Estou tentando pensar em uma metáfora que não soe idiota, mas… eu acho que o “jardim dos jogos indie” não vai acabar, porque é regado por criatividade e paixão, e sempre há gente nova surgindo. 

Pessoas que têm hoje 25 anos, que nem eram nascidas quando o PlayStation ou o Xbox foram lançados, agora estão produzindo games. Ou pense em jovens de 15 anos criando conteúdo no Roblox: será que no futuro vão permanecer no Roblox, ou vão fazer outra coisa da vida? Eu não sei, e tudo bem em ambos os casos. 

Mas, enquanto os videogames forem interessantes para os jovens, e eu creio que serão, sempre haverá novas pessoas aparecendo e criando. 

E acho que a indústria fez um ótimo trabalho em garantir que seja muito mais fácil entrar nisso hoje em dia do que há 20 anos. Antigamente, você precisava de muito dinheiro, de uma empresa que fabricasse os CDs… Tudo era muito difícil. Hoje, é bem mais acessível. Isso também tem lá suas desvantagens em alguns casos, mas a grande vantagem é que sempre veremos novas perspectivas e talentos surgindo.

Como você sabe, um dos temas do momento é o preço dos jogos. A Nintendo está cobrando US$ 80 pelo novo Mario Kart, e a expectativa é a de que GTA VI vá custar US$ 100 em 2026. Ao mesmo tempo, vemos toda uma geração que está se acostumando a não pagar por games. A tendência é a de que os “AAA” fiquem cada vez mais caros, e que o público esteja ainda menos disposto a gastar. Como a indústria vai se resolver? 

Charla: Na verdade, não há uma única resposta para isso. Em primeiro lugar, as pessoas esquecem de que os jogos eram muito caros antigamente. Lá na era 16-bit, se você quisesse comprar o Secret of Mana para o Super Nintendo, o cartucho custava US$ 69! Com a inflação, isso representa bem mais de US$ 100 em valores de hoje. 

O que acho legal é que atualmente existe muita diversidade de preços. Temos os free to play, jogos completamente gratuitos, em que pode-se comprar um item cosmético, ou uma skin, esse tipo de coisa. Na outra ponta, temos os “AAA”, que frequentemente saem em edições básica, premium e até “super deluxe”, com estátuas em miniatura ou outros brindes. 

Já entre os jogos indie, temos de tudo, desde os grátis a aqueles que custam US$ 50. E vou mencionar o serviço Game Pass, que permite experimentar muitos jogos por um preço único. O legal disso tudo é que há muitas opções, e você, como jogador, pode escolher onde quer estar.

Eu sei que provavelmente as pessoas vão me odiar por dizer isso, mas eu pagaria a mais para ter uma semana de acesso antecipado a um jogo. Eu faria isso para ao menos ter um momento em que sou quase tão bom quanto os outros jogadores no primeiro dia, sabe? [risos

É claro que alguém pode citar exemplos contrários, mas eu vejo que a indústria tem feito um trabalho eficiente em oferecer um bom custo-benefício. Você pode não gostar de tudo o que é lançado, mas acho que a maioria dos jogos tenta entregar um valor justo por seus preços. 

Conversamos com desenvolvedores o tempo todo e eles nunca têm certeza de quanto deveriam cobrar pelos jogos. Isso é algo muito discutido e muito difícil de se alcançar um consenso.

O Brasil é quase tão grande quanto os EUA, com 26 estados (além da capital, Brasília), cada um bem diferente do outro. Diversidade é uma palavra-chave aqui, mas o que mais você percebe sobre nosso país, em se tratando do cenário indie?

Charla: Eu admito que não conheço tanto sobre o Brasil quanto deveria, então eu não conseguiria nomear todos os 26 estados ou apontar as diferenças culturais entre uma cidade e outra. O fato é que, atualmente, temos cerca de 50 jogos de desenvolvedores brasileiros no Xbox – provavelmente é mais do que isso. 

É uma cena muito positiva, e o que os desenvolvedores estão criando é incrível. Eu joguei o Mullet Mad Jack no evento, e é tão cool e estiloso. E está disponível no Game Pass, então centenas de milhares, milhões de pessoas podem jogá-lo.

É muito interessante estar presenciando o desenvolvimento do que chamo “cena brasileira de jogos”, na qual, embora os títulos individuais sejam completamente diferentes uns dos outros, têm algo em comum entre si: eles passam a sensação de que foram desenvolvidos no Brasil. 

E eu já vi isso em outros lugares. Percebi claramente em Melbourne, na Austrália: fui para lá e senti que havia uma cena e uma vibe específicas, diferente de outra cidade grande, como Sydney. Sinto que o Brasil também tem isso, e provavelmente se eu fosse um pouco mais esperto, seria capaz de diferenciar a cena de São Paulo da do Rio – mas infelizmente, não consigo.

Entretanto, da minha perspectiva à distância, eu consigo entender um pouco dessa “vibe brasileira”, e acho isso incrível. Acho que games são uma ótima maneira para jogadores do mundo todo experimentarem um pouco da cultura de outro país.

Quando eu era criança, jogava muito Sonic the Hedgehog 2 no Genesis/Mega Drive e morava na Costa Leste dos EUA. Um dia, me mudei com a família para a Califórnia e lembro de olhar ao redor e pensar: “”Então foi daqui que tiraram tudo aquilo?”. Porque toda a arte conceitual do game foi desenvolvida pela Sega na Califórnia, então eu consigo te dizer a exata refinaria de petróleo que eles usaram como referência para a fase “Oil Ocean Zone”. 

É claro, o Brasil tem uma cultura muito forte, muito bacana, e poder compartilhar isso com o mundo por meio dos jogos é algo intrinsecamente bom. 

Eu acredito de verdade que aqueles que têm a oportunidade de experimentar games criados em outras partes do mundo se tornam pessoas mais culturalmente ricas. E isso é maravilhoso.

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