Discutindo o jogo com… Fernando Mazza

Um papo sincero com o chefe de operações da Tencent no Brasil, responsável por PUBG Mobile e Honor of Kings
fernando mazza, tencent
Fernando Mazza. Foto: Divulgação, Tencent

Fernando Mazza pode afirmar que viveu de perto a ascensão do mercado de games mobile. Ele é o atual diretor de operações da Tencent no País, que tem como carros-chefes o MOBA de sucesso Honor of Kings e a versão mobile do battle royale PUBG jogo que terá uma etapa de seu campeonato mundial no Brasil em abril, com premiação de R$ 2,5 milhões.

Anteriormente, ele passou anos na Garena, onde coordenou o sucesso de Free Fire, e mais um bom tempo na Riot, onde fez parte do time que lançou o ainda onipresente League of Legends.

Na entrevista a seguir, debati com Mazza o indiscutível sucesso do cenário brasileiro de jogos de celular, além de outros temas pertinentes. Acompanhe:

Atualmente, há um cenário de consumo de jogos de celular no Brasil que envolve o amadurecimento do mercado e a diminuição do preconceito em relação a quem joga. As pesquisas recentes decretam que o celular virou uma plataforma de jogo para todos, e não apenas para certos nichos ou títulos considerados “menores”. Por que agora é legal afirmar que jogamos no celular?

Fernando Mazza: Eu acho que ocorreu primeiro a mudança, e depois, o reconhecimento. Não foi da noite para o dia. Os jogos para celulares foram se tornando cada vez mais populares, e o ponto principal disso é a tecnologia. Os primeiros jogos de antigamente eram do tipo Tetris ou o “game da minhoquinha”.

O advento dos smartphones foi um divisor de águas, e foram surgindo jogos com qualidade cada vez melhor e que, hoje em dia, não deixam nada a dever aos de console – também porque já existem celulares com capacidade de fazer isso.

E aí, vem a questão da praticidade. A maior parte da população de qualquer país tem celular. Videogame e computador para jogar são mais seletivos. O celular já embarca tudo: é uma ferramenta de trabalho, de comunicação, e pode ser uma ferramenta de entretenimento e diversão também.

Há alguns anos, os jogos mobile passaram os consoles e o PC em volume de jogadores e em receita. E começou a grande discussão: “Ah, nunca vai chegar ao nível de reconhecimento dos jogos tradicionais”. É aí que entra o trabalho dos profissionais da indústria de games, que focam no que os consumidores estão pedindo. “Qual é a necessidade deles? Vamos entregar isso, e se estiverem felizes, é missão cumprida”.

A indústria começou a usar essa estratégia e, cada vez mais, os jogadores estão satisfeitos e comentam com outros: “Poxa, esse jogo está legal, está no mesmo nível do PC e do console”. Com o tempo, apareceram os eventos de comunidades, os torneios de esports de âmbito internacional, e assim, o mobile foi conquistando seu espaço.

Mas o grande fator, se a gente tiver de definir o mais importante de tudo o que aconteceu, é a mobilidade. No mundo dinâmico em que a gente vive, o jogo de celular é muito prático. Dentro do ônibus, no metrô, deitado na cama, você consegue jogar seu game favorito.

Tem também a diferença no tempo médio de uma partida. Jogando um game em sua versão para PC, você precisa dedicar 45, 50 minutos. No celular, pode ter a mesma experiência em 15 minutos.

Muitos indícios, números e tendências apontam que o mobile será a plataforma predominante da indústria. Games serão projetados principalmente para celular, ou as pessoas vão pensar primeiro no celular para jogar, em detrimento ao modelo tradicional de console ligado à TV – dá para dizer que a nova geração está muito mais acostumada a jogar em uma telinha. Isso sem contar o advento da tecnologia de nuvem, que já permite consumir jogos “AAA” em um dispositivo móvel. Você enxerga o futuro do game obrigatoriamente no celular?

Fernando Mazza: Eu não vejo isso como algo que vai acontecer no futuro – eu acho que já é uma realidade hoje. Se analisarmos os números, você verá que são maiores do que os mercados de console e de PC. Também não quer dizer que o console e o PC irão acabar, até porque de acordo com a Pesquisa Game Brasil, mesmo não sendo tão fortes quanto o celular, esses mercados voltaram a crescer. Um não anula o outro.

Mas, sim, o celular é a plataforma principal para gamers, pelo menos em volume. E cada vez mais, os desenvolvedores que não estão criando para o mobile estão correndo atrás.

Já sobre a nuvem, isso depende muito da infraestrutura de cada país e também da tecnologia. Acho que ainda não estamos lá, mas é algo que acredito que vai acontecer no futuro.

Existem discussões a respeito do modelo de negócio do mobile, que gira em torno do free to play, com microtransações e anúncios. O jogador se sente estimulado a experimentar porque não está tecnicamente gastando com o jogo. Há críticas dizendo que esse esquema tem os dias contados, porque o mercado está supersaturado por conta da alta disponibilidade – assim como os outros formatos de entretenimento, que também estão saturados. Hoje, todo mundo disputa o tempo do consumidor. O que acha dessa situação?

Fernando Mazza: Em primeiro lugar, o modelo free to play não é exclusivo do mercado mobile – isso surgiu no PC, né? No mobile, você já distinguiu as duas principais vertentes, que são: tem o jogo em que você é impactado por anúncios, então é “free to play”, mas os anúncios estão lá a todo momento; e tem os jogos da empresa em que trabalho, PUBG Mobile, Honor of Kings e agora o NBA [Infinite], que não têm anúncios, mas nos quais usamos o modelo de game as service.

Ou seja, estamos sempre verificando o feedback da comunidade e frequentemente introduzindo updates. Então, ao invés de lançar o PUBG Mobile 1 e, no outro ano, lançar o PUBG Mobile 2, nós temos constantes atualizações, e assim o jogo vai se transformando. Se comparar a primeira versão do PUBG Mobile com a de hoje, é praticamente outro jogo.

Eu enxergo que, se todas as empresas que fazem um bom trabalho escutarem o que o jogador quer, isso pode durar por décadas.

É igual o futebol: existe há 100 anos e a audiência só vem crescendo. Eu acredito que o mesmo se aplique para um bom jogo. Se você mantém o seu consumidor feliz, isso vai gerar engajamento, crescimento orgânico, retenção e receita também.

Se eu sou jogador, tenho uma boa experiência e fico feliz, eu gasto dinheiro naquele jogo. E o mais interessante é que, no caso de mobile, a gente gasta com itens estéticos. Não estou melhorando minha performance – é para ser diferente, ter personalidade e estilo dentro do jogo.

Essa saturação de quantidade de opções existe, sim, há muitos anos, em vários setores que não são games. O que acontece com o tempo é que empresas compram outras, algumas saem do negócio e o mercado vai se consolidando com alguns players.

Talvez isso ocorra com a indústria de games. Esse volume pode diminuir um pouco mais para frente, mas não vejo como um modelo fadado a morrer, pelo menos não nos próximos 15, 20 anos.

Uma palavra muito em voga é sustentabilidade. E me parece que esse modelo de game as a service é mais sustentável para as empresas do que o tradicional esquema de investir centenas de milhões na produção de um jogo AAA que vai ser vendido uma vez só. Em games como serviço, as empresas podem trabalhar com equipes reduzidas ou gastando menos para manter um jogo funcionando. A ideia de ser mais sustentável torna esse modelo uma opção mais interessante para as desenvolvedoras?

Fernando Mazza: Eu acho que um não mata o outro. Não é uma questão de sustentabilidade, mas de risco. O risco é muito menor se você falar de game as a service.

Porque quando se lança um jogo desse tipo, ele continua sendo um produto de qualidade e precisa ser tão bom quanto aquele jogo one single shot. Porém, o tempo de desenvolvimento é menor, porque tem um calendário de atualizações que se implementa durante o ano, sendo que, em um jogo “de caixinha”, todo o conteúdo precisa estar disponível na primeira paulada.

Dando um exemplo: se lanço um Honor of Kings ou PUBG Mobile, a cada dois, três meses eu tenho um patch novo, com features, personagens, atualizações. Em um jogo “de caixinha”, o DLC vai sair só daqui 12 meses. Precisaria ter um conteúdo de um ano inteiro já embarcado, fora o risco de ter bugs.

O risco é muito maior, mas também, dependendo do jogo, estamos falando de um volume muito maior na largada. Tem jogos de consoles que faturam um bilhão de dólares em três meses. Então, é high risk, high reward. Assim, eu acho que o modelo de game as a service é mais controlável.

O battle royale tem só uma década de existência e continua muito popular em vários formatos. Para muitas crianças e adolescentes, é o único gênero que importa. Por que esse formato funciona tão bem, especialmente no Brasil?

Fernando Mazza: O Brasil tem uma tradição de shooting games de longa data, né? E se você parar para pensar, o battle royale é o mesmo gênero, com algumas alterações. Mas é fácil, não tem segredo.

Como faço para jogar? Você pega a arminha e atinge o outro. Como ganho a partida? Tem que ser o último sobrevivente. E muitas vezes, nem precisa atirar em alguém: é só se esconder no mapa e no final você está lá, entre os finalistas.

Então, é muito simples, é aquele negócio do easy to understand, hard to master.

Você havia me dito que não consegue jogar no celular. Você até consegue. O que não consegue é ser bom, né? [risos] Jogar competitivamente, sim, é que é muito difícil. Eu falo brincando que o jogador profissional de PUBG Mobile tem seis dedos em cada mão.

Eu não consigo fazer as coisas que eles fazem naquela velocidade e daquele jeito. Então, acho que é pela simplicidade: é fácil, não tem segredo e não precisa ficar lendo regra para começar a jogar.

Para terminar, gostaria que você oferecesse uma visão global sobre o atual mercado brasileiro de jogos. Como é o “Brasil dos Games” comparado com o que você viu 20 anos atrás, e o que enxerga para o futuro?

Fernando Mazza: Vinte anos atrás, qualquer pessoa que trabalhava com o mercado de games sofria um preconceito muito forte. ”Você trabalha com joguinho, né? E quando vai trabalhar com alguma coisa de verdade?”. Ouvi isso de amigos, familiares e de pessoas que trabalhavam comigo (quando eu estava em uma empresa que não era só dedicada a games).

Hoje, a gente vê que isso mudou completamente. É um mercado consolidado,  é um prestígio e eu tenho muito orgulho de trabalhar nisso. E no Brasil, especificamente, vem crescendo. Se verificar as pesquisas, vai ver que estamos na décima posição no contexto global.

Antes da pandemia, o Brasil estava flutuando entre 13º e 14º. Então, teve um crescimento. Durante a pandemia, o mercado como um todo inflou acima do que deveria. Hoje, está se ajustando. De acordo com as previsões dos especialistas, o mundo iria se recuperar dos impactos da pandemia em 2025. E acho que estamos caminhando para isso.

O grande desafio do mercado de games ainda é o preconceito. Jogo também é uma ferramenta de comunicação, também é um entretenimento oficial tão grande quanto a televisão aberta, a TV a cabo e as plataformas de streaming. E consegue gerar muito resultado para empresas não-endêmicas também, se essas marcas conversarem com quem entende de jogo.

Porque tem muita gente que não tem conhecimento, fala que é especialista no mercado e entrega um resultado ruim. Por isso, ainda tem quem olhe torto e diga: “Ah, isso não vai me dar resultado”. Acho que esse é o grande desafio do mercado no Brasil: todo mundo acha videogame bonito e legal, mas não sabe como entrar e aproveitar essa indústria da melhor forma.

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