A criatividade dos estúdios brasileiros, que tem se esforçado para criar games com temas originais e locais, é o principal atrativo para a visita de uma comitiva da indústria belga de games, parte de uma missão comercial internacional promovida pelo país europeu. Os belgas estão no Brasil desde o fim da semana passada, passando primeiro por São Paulo e, agora, Rio de Janeiro, onde devem ficar até sábado (30).
O objetivo é aumentar o fluxo de negócios entre as duas nações em diversos setores, e os games são uma das áreas prioritárias. A Bélgica é lar de alguns estúdios reconhecidos mundialmente, sendo o mais conhecido (e reconhecido) deles o Larian, desenvolvedor do jogo do ano de 2023 – Baldur’s Gate III – e cuja sede fica em Gante, cidade de 265 mil habitantes no norte do país.
A comitiva tem cerca de 400 pessoas e conta com figuras ilustres como a princesa Astrid da Bélgica, filha e representante do rei Alberto II. Autoridades, acadêmicos, empresários e membros de organizações belgas fazem parte da missão – incluindo Jean Gréban, coordenador da associação de desenvolvedores da Valônia (Walga), umas das três regiões da Bélgica – equivalentes aos estados brasileiros.
Ele será uma das autoridades que vai discursar em um evento de networking entre o ecossistema de games fluminense e belga. Estão na programação falas da princesa Astrid e do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, além de Pascale Delcomminette, CEO da Awex-WBI (agência valã de exportação) e Carolina Caravana, vice-presidente da Abragames. Dez jogos dos dois países estarão em exposição.
O The Gaming Era conversou com Gréban na manhã dessa sexta-feira (29), pouco antes do evento. Ele é, entre outras coisas, responsável na Walga pelo desenvolvimento do ecossistema de criadores de jogos eletrônicos na Valônia. Busca fazê-lo não só por meio do intercâmbio com outros países, mas criando “clusters” nas principais cidades da região que conectem escolas, centros de formação, incubadoras de startups e as empresas do setor.
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Por mais curioso que seja, alguns dos desafios enfrentados pela indústria belga de videogames são bem parecidos com os brasileiros. A Walga foi fundada em 2015 por um grupo de estúdios da Valônia para chamar a atenção de governos local e nacional e criar políticas públicas para desenvolver esse mercado. Na época, era percebida uma fuga de talentos.
“Temos uma faculdade de desenvolvimento de games na minha cidade natal, Namur, há mais de 20 anos. O problema era que quando os alunos obtinham o diploma, tinham que ir para o exterior, para a França, para Quebec [no Canadá], onde a indústria é mais desenvolvida porque o governo há muito tempo entendeu a oportunidade de apoiar a indústria de videogames”, contou. “Parte do meu trabalho é convencer os formuladores de políticas públicas dessa oportunidade.”
A Walga contabiliza três universidades com cursos de graduação em games na Bélgica, além de duas escolas técnicas, dois laboratórios universitários e quatro hubs locais para empresas do setor – nas cidades de Mons, Charleroi, Namur e Liège. Também há três centros de treinamento para organizações de eSports.
Por isso, segundo Gréban, o desafio do mercado atualmente não é exatamente técnico, mas sim financeiro e de profissionalização. “Nosso trabalho, de um lado, é ajudar as pessoas que estão começando na indústria a encontrar financiamento. Somos uma indústria criativa, com pessoas muito apaixonadas, mas a maioria não tem habilidades de negócios e financeiras”, conta, detalhando outro dilema bastante semelhante ao do mercado brasileiro. “Eles só querem dinheiro para fazer jogos, mas o objetivo final não é fazer jogos, é vendê-los.”
Laços antigos
Por isso desde 2022 a Walga tem um plano de internacionalização com a Awex. A missão no Brasil faz parte desses esforços, embora os laços com o País não sejam exatamente recentes. A organização já promoveu, no meio desse ano, um evento que reuniu estúdios brasileiros e nórdicos para buscar sinergias.
E desde 2022 a Walga tem contatos com a indústria de games do Brasil. Naquele ano uma delegação composta por estúdios brasileiros e um representante da Abragames foram à Bélgica para o Meet & Build, principal conferência para criadores de jogos do País organizado pela Walga.
Graças a esses encontros Rafael ‘Lontra’ Teixeira, sócio fundador da Mito Games, de Vitória (ES), estabeleceu em 2023 um escritório do estúdio na Valônia com ajuda da Awex. Também fez um curso de mestrado na Haute École Albert Jacquard, em Namur, para melhorar habilidades de produção de jogos e o gerenciamento da empresa.
Gréban também já passou uma temporada no Brasil. Em junho, durante reconhecimento para a missão belga, participou de eventos em Brasília (Innova Summit) e no Rio de Janeiro (final da GameJamPlus). Também se encontrou com empresas e faculdades de Recife (PE) e participou da Gamescom Latam com 12 estúdios belgas.
A expectativa do executivo é voltar em 2025.
Criatividade brasileira na Bélgica
Para Gréban, outro aspecto importante de atração da indústria belga sobre a brasileira é justamente a nossa criatividade. Ele ressalta, claro, que o entretenimento e a diversão em jogos eletrônicos seguem sendo fundamentais, mas que contextos históricos e culturais diversos são importantes atualmente, mas não só eles.
“[A temática] LGBTQ+, ambiental, a Amazônia, é claro. A riqueza da natureza no Brasil é algo muito importante, e você pode, através dos videogames, levar conteúdo, informação e mensagens para o resto do mundo. Eu ficaria muito feliz de ter isso [na Bélgica] porque estou muito impressionado com os diferentes projetos [de jogos] que vi essa semana”, explicou o executivo.
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O representante da associação belga deve se encontrar nos próximos dias com associações regionais brasileiras. Ele citou nominalmente a presidenta da Bahia Indie Game Developers (BIND), Lobba Mattos, que esteve no Rio.
“Tivemos uma discussão muito interessante sobre os games levando o Brasil para uma audiência global. Vocês têm uma experiência de vida multicultural com pessoas de tantas origens diferentes. Essa criatividade é provavelmente resultado disso”, ponderou o executivo belga.
A Bélgica é um dos países que mais recebeu imigrantes na Europa na história recente, e Gréban faz questão de chamar atenção para esse fato. “Eu concordo que quando os games que fazemos não são só para uma audiência ocidental ou belga. Vamos levar em conta a visão dos criadores brasileiros de que fazer games melhores é levar em conta que nosso mercado é global, e que eles precisam ter apelo para uma audiência global.”