Discutindo o jogo com… Bruna Soares

Um diálogo inspirador com a diretora global de parcerias da Ubisoft
Bruna Soares, Ubisoft
Foto: Divulgação, Ubisoft

A trajetória de Bruna Soares é única dentro da indústria brasileira de games. Começou há 15 anos, como assessora de imprensa da marca PlayStation, então recém-chegada ao País. Em seguida, passou pela distribuidora NC Games, nos tempos áureos da comercialização de jogos no formato físico.

Desde 2011, ela faz parte do time da Ubisoft Brasil, onde passou por várias áreas ligadas a vendas, eventos e parcerias. Já em dezembro de 2021, tornou-se Diretora de Global Brand Partnerships, função que exerce do escritório da Ubi, em São Paulo.

No bate-papo a seguir, Bruna Soares falou sobre seus aprendizados em diferentes setores do mercado, os desafios de liderar times globais à distância e a luta constante por um melhor posicionamento de mulheres em um ecossistema ainda muito masculino.

Como você acabou caindo no mundo dos games se é que “caindo” é a maneira certa de dizer? Houve algum planejamento para entrar nesse universo?

Bruna Soares: Olha, faz tempo. Acho que “cair” é uma palavra muito forte – “me trouxe até aqui” é melhor. Eu sou formada em Relações Públicas. Antes de trabalhar com videogames, eu trabalhava em uma agência chamada CDN, e lá eu atendi a Sony – os segmentos de televisão e caixas de som.

Eu estava feliz. Era 2009, ainda era estudante, estava no último ano de faculdade. Só que minha grande vontade era trabalhar com relações públicas governamentais, lobby, essas coisas, porque era uma parte importante da CDN e que eu era apaixonada.

Acontece que quando eu estava na conta da Sony, os gerentes tiraram férias e me falaram: “Bruna, você vai ficar com PlayStation”. Eu conhecia muito pouco de PlayStation como marca, mas joguei videogame quando criança, eu tive um Master System. E foi justamente quando o [grupo de hackers] Anonymous invadiu a PSN.

E lá estava eu, sozinha, cuidando da conta durante essa crise. Foi assim que me aproximei de PlayStation. Acabei ficando na conta por um ano e coisas muito legais aconteceram nesse período.

Então, terminei a faculdade e fiz uma especialização em marketing. E aí mudei completamente, fui trabalhar com distribuição. Porque Relações Públicas é muito legal, sou muito feliz de ter feito, mas eu também queria abrir mais as possibilidades.

Fui para a NC Games, para atender a Ubisoft. Na época, a NC era a principal distribuidora de jogos físicos do Brasil. Daí eu fui “pulando”, porque depois de um ano, o Bertrand [Chaverot] me chamou para fazer parte do time de Ubisoft.

E cá estou, há 11 anos. Então, foi “sem querer”, mas é muito doido que, por mais que eu não seja gamer, games é tudo o que eu sei fazer [risos].

Resumindo: você foi assessora de imprensa de fabricante de consoles, trabalhou com distribuição de jogos e agora está na linha de frente de uma das maiores publishers independentes, lidando com parcerias. Por mais acidental que seja, essa trajetória faz sentido, se olharmos como a indústria se desenvolveu na última década. Não acha?

Bruna Soares: Eu nunca tinha parado para pensar dessa forma. Mas é curioso, porque comunicação é uma área que costuma ter muitas mulheres. Só que quando se pensa em games, não tem tantas mulheres assim. Então, acho que a Comunicação me ajudou a entrar nesse mercado.

E concordo que minha trajetória se confunde um pouco com os movimentos da indústria, porque quando fui para a NC Games, eu cuidava de trade, de lojas, tinha reuniões com Saraiva, Fnac… Naquela época, 80% do nosso mercado era físico. Hoje, 80% é digital. Então, fui fazendo mudanças e me adaptei conforme o próprio mercado foi me apresentando.

Quando cheguei à Ubisoft, meu primeiro cargo foi na área de trade marketing. Hoje, estou em partnerships. Porque hoje a gente olha para além do nosso core. Lá atrás, o foco da Ubisoft foi (e continua sendo) fazer jogos bons e vender jogos bons. Mas hoje, também é fazer jogos, vender esses jogos e pensar em como estar o tempo todo com a comunidade gamer.

É nesse grupo que estou hoje: trazemos receita para a empresa, mas não é por meio de nosso core business, e sim por novas possibilidades de negócios. Isso inclui licensing e a minha parte, que é integration in gaming – ou seja, trazer marcas para dentro do jogo. Isso não é uma coisa nova, tem marcas dentro de jogos desde a década de 1970.

O que acontece hoje é que as marcas querem entrar mais e mais, e antes esse não era o nosso foco. Mas se a marca oferece algo interessante, por que não? Então, fui mudando meu escopo conforme o mercado foi apresentando novas possibilidades.

Vamos entrar no tema que você abordou, sobre o fato de não haver muitas mulheres no mercado. Dentre as poucas executivas em atividade, poucas são jovens e têm uma trajetória como a tua. Como enxerga isso?

Bruna Soares: Ok, tem mulheres no mercado. Mas não tanto o número que seria ideal.

Uma coisa que vejo muito, e até me coloco nisso, é que existem muitas mulheres competentes e profissionais, mas muitas vezes elas não têm a mesma visibilidade dos homens que estão há anos na indústria.

Acho até que a gente não se sente empoderada a fazer parte daquilo.

É curioso, porque toda vez que me chamam para participar de um painel, eu sempre falo “sim”, por mais que eu esteja tentando evitar esses eventos para falar sobre “como é ser mulher e trabalhar com games”. Porque eu quero normalizar isso – o fato de que existem mulheres no mercado e de que estamos indo na direção certa. De novo, ainda não é o número que a gente gostaria, mas temos que chegar até lá.

Eu acho que isso é um pouco da própria mulher, e também me coloco nisso. Como falei, eu não sou gamer. E em vários momentos, já pensei: “Nossa, será que eu deveria participar desse painel?”. Mas o painel não é para falar sobre a missão do Assassin’s Creed; é sobre business, e disso eu posso falar.

Até na minha família mesmo, tem gente que comenta: “Você trabalha com videogame? Mas você joga?”. Como se para isso eu precisasse ficar o dia inteiro jogando. Acho que a gente carrega um pouco dessa visão das mulheres, de que “ah, esse lugar não é para mim”. Mas videogame é para todo mundo.

Na Ubisoft, está acontecendo um negócio muito interessante, que vejo com ótimos olhos: globalmente, são muitas as mulheres em cargos de liderança. Abaixo do Yves [Guillemot], que é o fundador da empresa, estão quatro pessoas: três mulheres e só um homem. Acho isso excelente, é um ótimo modelo.

Aqui no Brasil, no meu time, a gerente é uma mulher. Então, eu sempre penso em maneiras de ter mais mulheres fazendo parte da indústria.

Não é fácil. Como mulher, a gente sempre quer ter certeza de estar lá porque realmente trabalhamos e suamos muito para isso, mas é [uma questão de] ocupar espaço. Acho que quando a gente ocupa espaços, outras mulheres se sentem encorajadas a fazer parte do mercado.

Não faz muito tempo que videogame era vendido como “brinquedo de menino”. Quando você começou a trabalhar na área, o espaço da mulher ainda era pequeno nesse ecossistema. E mesmo que hoje a percepção geral seja de que a mulher precisa ocupar espaços, temos poucas mulheres em cargos de liderança. De certa forma, você se sente uma pioneira?

Bruna Soares: Com certeza, temos poucas mulheres em cargos de liderança. Você falou “você é uma mulher jovem em cargo de liderança”, mas não é como se eu tivesse começado ontem. Eu fui crescendo, mas são 11 anos de Ubisoft. Quando entrei, meu cargo era de coordenadora. Não dei saltos grandes na minha carreira, e acho que isso foi excelente, de certa forma.

Algo interessante sobre a minha trajetória, que meu chefe, o Chris Early [VP de Strategic Partnerships & Business Development] me falou, é que no time dele eu sou a única diretora que não está nos Estados Unidos ou na França. Isso me deixa cheia de orgulho, de a empresa colocar confiança em mim, mas não é algo que foi meteórico.

Acho importante ter o passo-a-passo para chegar até lá. Não que seja fácil, tem vários momentos em que algumas coisas dão sustos.

Mas o que eu realmente gostaria é de incentivar mais mulheres dentro da indústria, não só na Ubi, a conquistar cargos de liderança, a abrir novas portas. E hoje, não tem restrição de território. Você pode ser uma líder daqui do Brasil – e ser uma líder global.

De novo, não acho que seja um caminho reto. São muitas curvas dentro disso, e muitas vezes, não são curvas fáceis. Para as mulheres, principalmente, as curvas são ainda mais sinuosas. Mas, aos poucos, estamos conseguindo ter mais espaço dentro da indústria.

Aproveitando que você falou sobre liderar local e globalmente: o escopo do teu trabalho certamente mudou nos últimos anos. Fale um pouco sobre as diferenças entre liderar um time dentro de um escritório na Vila Olímpia e liderar pessoas que estão em outros países.

Bruna Soares: Esse é um assunto sobre o qual ainda quero escrever um livro, porque tenho muita coisa para falar. Quando aceitei esse desafio, confesso que não achei que fosse ser tão diferente. Com um time local, você está no mesmo lugar, fala a mesma língua, entende culturalmente, compartilha o mesmo país. A conexão é natural.

Quando se trabalha com um time global, a gente precisa entender tantas nuances, que no primeiro momento é bem assustador. Não é qualquer assunto que você pode abordar numa reunião.

Algo que vou achar engraçado aqui, uma coisa boba, dependendo de para quem falar, pode atingir a forma como a pessoa pensa, a visão de mundo dela. Ao mesmo tempo, você precisa ser muito aberto e acessível. Só que como ser acessível se uma pessoa está em São Francisco, a outra em Paris e a outra na China?

É um processo que até hoje tem suas dores. Então, eu estou o tempo todo pensando em como ajudar meu time, a ser clara com eles em outro idioma. Esse é um outro detalhe que eu até trato em terapia: eu acho que todo mundo é mais inteligente na sua língua-mãe. Quando fala outra língua, você não é tão legal, engraçado. Então, é um exercício diário, sair da zona de conforto.

Olhando para frente, como você enxerga as condições para o game “como negócio”, aqui e lá fora?

Bruna Soares: Não é bem sobre o futuro de games. Eu acho que minha área é um pouco do futuro da mídia, porque videogame é também uma mídia. Por exemplo, quando grandes marcas fazem product placement em filmes, muitas vezes a gente nem presta atenção, mas são anos de negociação.

Hoje, além de olhar para filmes e séries, as marcas querem estar também no videogame, pelo engajamento. As pesquisas indicam que essa é a principal forma de entretenimento das novas gerações, e é tão importante porque você se envolve realmente com a experiência, não é só um espectador passivo,

Por exemplo, há uns anos, a gente fez uma parceria para o jogo Far Cry 6, em que você podia fazer o personagem usar um relógio Hamilton. Acabou que o relógio foi equipado por mais de 70% dos jogadores nas duas primeiras semanas.

Para a marca foi extremamente relevante, já que as pessoas jogaram o game por uma média de quatro horas. Quando que um investimento de marketing vai ter um envolvimento com um potencial cliente-consumidor durante quatro horas?

Então, quero sair um pouco de “futuro dos games” e pensar mais sobre o futuro da mídia, colocando o videogame como um dos protagonistas desse novo momento, em que as pessoas não veem as marcas como “vilões” dentro dos jogos, mas sim, como entretenimento.

Acho que estamos no meio desse caminho, em que as marcas estão cada vez mais integradas aos jogos, mas não de forma oportunista – integrada porque aquilo faz sentido.

A área em que você atua olha mais para fora, mas nessa trajetória, você acompanhou as mudanças que nos trouxeram até este momento. Com a experiência de quem atua há uma década e meia na indústria, o que seria o “Brasil dos Games” ideal e como podemos alcançá-lo?

Bruna Soares: O mais importante é que as publishers – e eu vejo a Ubisoft fazendo muito isso – pensem com a cabeça local. Porque hoje, muitas empresas ainda replicam o que é global para [o contexto] local. Por exemplo, uma das coisas em que estamos investindo mais é o mercado mobile.

Por mais que a gente tenha vários estúdios dedicados a isso, não tínhamos uma pessoa dedicada a essa área no escritório brasileiro. Com a chegada do Rainbow Six Mobile e The Division Mobile, isso é algo muito importante.

Acho que o caminho é entender como conversar com os jogadores brasileiros, entendendo quais são as dores, os equipamentos que eles têm, os preços que eles pagam.

Porque esse é outro ponto também: quando a gente pensa em Brasil, videogame é algo caro. Analisando o salário médio, o custo de um jogo realmente é alto.

Quando pagam o valor do seu jogo favorito, os jogadores querem ter diversos tipos de experiência com essa marca. Por isso que, para nós, é importante ir além, não só no momento da compra do jogo. Eu penso que o futuro do “Brasil dos Games” é estar cada vez mais perto dos jogadores, e a Ubisoft faz isso, por exemplo, estando em eventos: fomos a primeira publisher a anunciar presença na Gamescom Latam, por exemplo.

Tentar estar sempre próximo é um jeito de devolver um pouco para essa comunidade, que sabemos que muitas vezes faz alguns sacrifícios para adquirir o jogo. Seja a partir de uma parceria, de um reality show ou de um evento em que se tem acesso a um jogo inédito, não importa: é sempre criar maneiras de se conectar de uma forma muito verdadeira com essa comunidade local.

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