Diferente do que se supõe ao conversar com um executivo de patente tão elevada na Nintendo, o holandês Bill Van Zyll, vice-presidente e gerente geral para a América Latina da ‘Big N’, é um sujeito de respostas diretas. Em sua primeira conversa com o The Gaming Era, ocorrida em outubro durante a última Brasil Game Show 2024, o executivo não se furtou em compartilhar alguns números – e mesmo fazer promessas.
Para Van Zyll, o mercado brasileiro é um terreno fértil para a Nintendo. Ele acredita que é possível alcançar 40% de participação localmente, fatia que a empresa diz deter no mercado mexicano. Mas reconhece que existe “um longo caminho” para chegar lá, considerando que a Nintendo ficou oficialmente fora do mercado brasileiro até setembro de 2020, data de lançamento do Switch por aqui.
“Não enxergamos como se estivéssemos ‘roubando’ participação do mercado dos concorrentes. (…) Desde o Wii, mas também com o Switch, a Nintendo não quer ser ‘ou’, mas sim ser ‘e’”, diz ele, reiterando a abordagem de que os consoles da marca não buscam competir contra PlayStation ou Xbox, mas sim ser uma plataforma complementar, mais casual e híbrida.
Pelas palavras do VP, é possível perceber que a Nintendo encara o Brasil com certa deferência, na medida em que admite que há muito trabalho a ser feito por aqui por conta dos anos de ausência – e isso não se resume a localização de jogos, como foi o caso do novo capítulo de The Legend of Zelda, Echoes of Wisdom, lançado localizado em português brasileiro, mas também em reduzir gaps.
“… reconheço que estamos no ano oito do console [Switch], mas o trouxemos [para o Brasil] no ano quatro. Eu tenho um alto nível de confiança que não teremos o mesmo nível de atraso”, diz Van Zyll, sem dizer exatamente quanto tempo levará entre o anúncio e o lançamento oficial do Switch 2 no País, mas já dando um certo alento aos “nintendistas” locais.
“Você perguntou se vamos apoiar [o próximo console] da mesma forma como fizemos com o Switch, mas eu diria que vamos fazer ainda melhor”, disse.
Confira a entrevista:
The Gaming Era: Eu sei que você deve estar cansado de responder essa pergunta, mas vou fazer mesmo assim, porque a Nintendo tem um histórico de chegadas e saídas no mercado brasileiro. Mas considerando que vocês estão há muitos anos na BGS e estiveram na primeira Gamescom Latam, a pergunta é: o quão importante é o Brasil para a Nintendo atualmente?
Bill Van Zyll: O Brasil está em um nível de importância muito alto para a Nintendo. É um país enorme, claro, economicamente falando. Naturalmente é de nosso interesse.
Nós vemos muito potencial para a Nintendo no Brasil. Se você olhar para o México, um mercado em que estamos mais consistentemente ao longo dos anos, temos mais de 40% de participação de mercado, somos líderes. No Brasil, onde não estivemos de forma consistente até quatro anos atrás, quando lançamos oficialmente o Switch, temos muito o que construir enquanto marca.
Pelos estudos que fizemos, México e Brasil são equivalentes em tamanho da indústria, o que nos dá uma boa comparação do que ainda podemos fazer.
Também achamos que o Brasil, pela própria natureza do consumidor, tem muito potencial por conta do tipo de games que fazemos. O consumidor brasileiro, e estou fazendo uma generalização aqui, gosta do que é social, divertido.
A família é importante, e o que fazemos são jogos sociais para as massas. E a plataforma da Nintendo vai muito bem com esse consumidor.
Um dos principais jogos que trouxemos para a BGS é o Super Mario Party Jamboree, que une essas características.
TGE: Pela sua resposta posso supor que a meta da Nintendo no Brasil é alcançar os mesmos 40% de participação no mercado de consoles?
Van Zyll: No longo prazo, certamente é algo em que estamos mirando. Claro que são mercados diferentes, mas estamos olhando como estamos nos saindo em outros mercados, inclusive na América Latina, e olhando para Chile, Colômbia, o próprio México. E o Brasil mostra que há um longo caminho a percorrer. Fazemos essa comparação natural, e no longo termo estamos mirando nisso.
Não enxergamos como se estivéssemos “roubando” participação do mercado dos concorrentes. Existem as tribos da Sony, a da Microsoft… Desde o Wii, mas também com o Switch, a Nintendo não quer ser “ou”, mas sim “e”.
Uma grande oportunidade que vemos aqui no Brasil é expandir as audiências: a família com crianças pequenas, que são gamers mais casuais. É um terreno fértil para a nossa indústria.
Se você olhar para Super Mario Bros. O Filme (2023), o Brasil foi o nono mercado em termos de receita globalmente. Fomos muito, muito bem aqui no Brasil. As pessoas veem o Mario em muitos lugares, elas o conhecem, mas usar o Mario para conectá-lo aos videogames é algo em que estamos trabalhando duro para conseguir.
TGE: Aproveitando sua resposta, a Newzoo divulgou recentemente um relatório em que projeta o crescimento do mercado latino-americano, mas também da África e do Oriente Médio, como muito superior ao dos EUA, por exemplo. É uma oportunidade não só para a Nintendo, mas para todos os players no mercado de games?
Van Zyll: Você está 100% correto. Os mercados emergentes têm muito potencial para crescimento. Especialmente enquanto eles amadurecem. É um processo longo, mas é possível enxergar a quantidade de pessoas que, ao longo dos anos, está se movendo para a classe média, e as mulheres entrando na força de trabalho, por exemplo. As dinâmicas da economia estão mudando. Há um aumento de renda.
Então sim, os mercados em desenvolvimento naturalmente oferecem muitas oportunidades para nós. E a forma de entretenimento que oferecemos nos coloca muito bem-posicionados para capitalizar isso.
Não é só uma oportunidade de negócios, mas também de alcançar os consumidores e colocar sorrisos nas caras deles. É nossa missão. Tomamos decisões quanto aos nossos produtos e relacionados às datas de lançamento que não visam só retorno econômico, mas levar as experiências que pretendemos para os consumidores. Isso para nós é primordial.
Vemos muito potencial nos mercados desenvolvidos, mas no Brasil, pelas razões que mencionei antes, e agora que temos consistência no mercado local, acreditamos que temos um bom modelo de negócios para o País e aplicaremos cada vez mais recursos aqui.
TGE: Você menciona modelo de negócios. Existe alguma diferença no modelo que vocês estão aplicando aqui no Brasil para outras regiões do mundo?
Van Zyll: Cada mercado é diferente. Quando se olha para o Japão ou EUA, apostamos em uma presença local forte direta. Quando se fala de México ou Brasil, o que estamos fazendo é ter um time de executivos focado em parcerias com especialistas locais. O Brasil é notoriamente complexo, então nos aliamos às pessoas que são realmente experts em Brasil.
Temos grandes parceiros com que operamos. Temos os distribuidores, buscamos relações muito próximas com os varejistas que nos representam, temos as agências. E, nota de rodapé, temos games em desenvolvimento por estúdios no Brasil, que estão disponíveis no Nintendo Switch.
Estamos olhando para a combinação ideal para apoiar o mercado, mas também localizar nosso conhecimento. Varia de mercado para mercado, mas esse é o modelo que temos no Brasil.
TGE: E até aqui o modelo é bem-sucedido? Estar em um evento como a BGS faz parte dele?
Van Zyll: São duas perguntas. Sobre eventos como esse [a BGS], ou como a Gamescom Latam e o BIG Festival, no qual estivemos presentes, ou a CCXP, no qual estaremos, eles nos dão oportunidade de estar em contato com os gamers e reconhecer os “nintendistas” [o executivo pronuncia o neologismo em português]. Queremos estar presentes no mercado.
Sobre o modelo de negócios, vamos continuar refinando. É um processo evolucionário, mas que tem obtido um crescimento bom ao longo dos últimos quatro anos. Estamos muito felizes. Mas também reconhecemos que temos muito a fazer.
TGE: Você mencionou os jogos brasileiros no Switch. É uma intenção continuar aumentando o número de estúdios brasileiros lançando para o console? Como vocês têm apoiado esses estúdios?
Van Zyll: Temos um time na Nintendo que olha para estúdios globalmente, e tenta encontrar os maiores talentos. Claro, tem que fazer sentido sob uma perspectiva de sistema. Temos grandes estúdios do Brasil no Switch.
Desenvolvedores interessados em publicar na nossa plataforma podem entrar em contato conosco pelo site. Queremos trazer jogos do mundo todo para o Switch. Já são mais de quatro mil disponíveis, um número incrível. E a Nintendo não pode produzir todos eles, então a maioria, em termos de volume, é de third parties.
TGE: Voltando à presença aqui na BGS, e antes na Gamescom Latam. Por que é importante para a Nintendo estar em eventos assim?
Van Zyll: Nós viemos para a BGS para estar próximo ao consumidor, e das famílias e dos desenvolvedores. E mostrar o conteúdo que estamos trazendo. O Super Mario Party Jamboree ainda não está disponível [na data da entrevista], então aqui [na BGS] é o único lugar do mundo que dá para jogar. É legal mostrar um jogo que ainda não saiu. Fizemos a mesma coisa com um dos nossos parceiros, a Ubisoft, que trouxe o Just Dance 2025 Edition.
São no total 10 games, alguns como Pokémon Scarlet and Violet e EA FC 2025 são importantes para o público local. Sabemos o quanto o futebol é importante no Brasil.
TGE: Essa é uma pergunta não tanto para o Bill executivo da Nintendo, mas para o executivo do setor de games. Ao longo dos últimos anos nós vimos uma mudança intensa nos eventos do setor de jogos, mas a Nintendo segue apoiando parte relevante deles, principalmente aqui na América Latina. Como você vê essa mudança de cenário? Os eventos continuarão importantes para o setor?
Van Zyll: Sob uma perspectiva de negócios, temos que avaliar cada evento por vez e tomar decisões. Temos recursos limitados, nossos times são limitados e ocupados. Precisamos nos preocupar com isso. Participar não é algo garantido, companhias diferentes têm processos diferentes.
De uma perspectiva pessoal, eu diria que esses eventos são muito especiais. Pense na E3. No México existe um evento grande, a EGS.
Esse tipo de evento é muito bom para a indústria, porque coloca juntas pessoas diferentes com diferentes funções na indústria. E permite um alcance diferente, gera cobertura da mídia.
E às vezes acho que isso está sendo perdido por conta de decisões de curto prazo. E se você não executa bem esses eventos, é difícil recuperar o investimento. Uma série de eventos falham. A E3 por exemplo não existe mais.
É uma daquelas coisas de que você não sente falta até que perde.
TGE: Eu deixei essa última pergunta para fazer no fim porque sei que você não pode falar nada sobre o próximo console (risos).
Van Zyll: Mas imagino que você vá perguntar mesmo assim (risos).
TGE: O Brasil continuará tendo papel crucial para o sucessor do Switch? A Nintendo pretende oferecer o mesmo nível de suporte para seu próximo console por aqui?
Van Zyll: É uma pergunta justa. A resposta curta é sim. Nossa intenção olhando para o futuro é que sim, definitivamente, quando o tempo for o certo. Não temos nada anunciado ainda, tudo que sabemos é que o senhor [Shuntaro] Furukawa [CEO da Nintendo] prometeu anunciar alguma coisa antes do fim desse ano fiscal.
Mas a intenção é apoiar futuras plataformas aqui no Brasil. Estabelecemos uma base sólida aqui e nossa intenção é continuar construindo sobre essa base. Como mencionei, praticamente todo conteúdo que lançamos aqui recentemente está em português do Brasil.
Vamos continuar a construir a marca e expandir a nossa audiência. E seja qual for a próxima plataforma, a nossa intenção é trazê-la para o Brasil, sim.
Não sabemos ainda sobre o tempo. Eu iria um passo adiante e reconheço que estamos no ano oito do console, mas o trouxemos [para o Brasil] no ano quatro. Eu tenho um alto nível de confiança que não teremos o mesmo nível de atraso.
Você perguntou se vamos apoiar [o próximo console] da mesma forma como fizemos com o Switch, mas eu diria que vamos fazer ainda melhor”.