Um aspecto importante da prática jornalística, ainda que não muito alardeado, é a sinceridade do repórter para com os entrevistados. Antes de iniciar a conversa com os diretores de Avowed, nos bastidores do estande da Xbox na CCXP 2024, sou rápido em confessar que o novo RPG da Obsidian Entertainment havia saído do meu radar nos últimos anos. Desde que sua produção foi revelada, no longínquo 2020, eu acompanhei muito pouco ou quase nada sobre seu desenvolvimento.
Não que seja um pecado tão grande: Avowed é o tipo de jogo que passou longe das manchetes dos grandes portais ou das listas de “mais aguardados” do ano. É um RPG em primeira pessoa ao estilo The Elder Scrolls V: Skyrim, tão intrincado e imersivo que, sob o olhar de um observador mais pragmático, entraria facilmente na categoria “não é para qualquer um”.

Chegando em 18 de fevereiro para Windows e Xbox Series (via Game Pass), o game busca repetir a boa receptividade de público e crítica a outros projetos originais do estúdio, como o também RPG The Outer Worlds, o cooperativo Grounded e o adventure Pentiment, além do já clássico Pillars of Eternity (mais sobre este a seguir).
Mas o que os produtores se apressam a explicar (ainda que não diretamente) é que Avowed foi pensado para romper a normalmente restrita bolha do RPG e cair nas graças do maior público possível – e, consequentemente, não intimidar jovens jogadores que jamais se dedicaram a um título desse gênero. “Avowed pega muito daquela força do RPG pelo qual a Obsidian já é conhecida, colocando-a em um novo pacote”, explica a diretora Carrie Patel.
O diretor de produção Ryan Warden completa:“Algo que nunca mudou sobre a Obsidian é seu lema: ‘Your worlds, your way’ [seus mundos, sua maneira]. E em Avowed, isso se aplica às escolhas que o jogador faz, às consequências dessas escolhas e à reatividade do mundo às consequências dessas escolhas”. Para exemplificar, ele menciona a ausência de um sistema tradicional de classes de personagens, o que permite decidir o estilo de combate que se deseja adotar a partir das armas iniciais escolhidas.
Em outras palavras, para os criadores de Avowed, é essencial oferecer aos jogadores as condições ideias de experimentação, sem necessariamente puni-los posteriormente por suas escolhas erradas. “Não é como se houvesse uma fórmula secreta para construir um personagem de sucesso em Avowed”, diz Carrie, que exalta a mentalidade “jogador em primeiro lugar” que se tornou uma das bandeiras da Obsidian. “Dessa forma, eles podem se familiarizar com nosso mundo sem a necessidade de fazer muita ‘lição de casa’ para poderem aproveitar a experiência.”
“Acho que tanto os fãs hardcore de RPGs e seguidores de longa data da Obsidian vão realmente gostar de Avowed”, completa Warden, “mas também novos jogadores que desejarem apenas curtir a história”.
A força da comunidade
Primeiro título AAA criado com exclusividade para a plataforma Xbox após a aquisição da Obsidian pela Microsoft em 2018, Avowed não passou incólume pelos tradicionais problemas dos jogos de grande porte – inicialmente previsto para 2024, foi adiado para evitar a saturação dos lançamentos de fim de ano. O longo processo de produção ocorreu durante o auge da pandemia de COVID-19, o que exigiu adaptações de uma empresa acostumada a muitas interações entre seus integrantes.
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“Quando embarquei no projeto, em janeiro de 2021, toda a equipe estava trabalhando remotamente”, lembra Carrie Patel. “Tivemos de desenvolver hábitos e utilizar novos canais de comunicação, como o Slack e o Teams, para fazer perguntas que normalmente faríamos indo na mesa da pessoa. Para a maioria das produtoras foi um desafio, mas nós nos adaptamos.”
Vale dizer que a trajetória de Carrie na indústria de games está exclusivamente conectada à Obsidian. Graças à experiência como autora de livros de ficção científica, ela foi contratada em 2013 para colaborar com a história de Pillars of Eternity. Desde então, definiu as narrativas de outros projetos do estúdio, até ser alçada ao topo da hierarquia do desenvolvimento de Avowed.

Um dos principais aprendizados em mais de uma década criando tramas para RPGs, ela conta, foi o de jamais subestimar os seguidores mais ardorosos e dedicados.
“Parte do nosso trabalho como criadores é comunicar muito claramente que tipo de experiência estamos construindo com cada título e o que os jogadores podem esperar de nós”, ela continua. “E mesmo com a gama tão variada de temas e estilos de nossos títulos, sempre conseguimos o apoio de nossos fãs a cada novo projeto, porque são pessoas inteligentes, curiosas e interessadas em novas experiências.”
Um fator que parece contribuir nesse sentido é a crescente popularização dos RPGs nos últimos anos, cada vez mais proeminentes nas listas dos mais vendidos e mais e mais influentes entre os desenvolvedores. Prova disso, teoriza Ryan Warden, é a notável quantidade de games que não são RPG adotando marcas registradas do gênero, como árvores de habilidade e narrativas ramificadas.
“Mas isso é algo positivo para a indústria, porque ajuda todo mundo a melhorar e proporciona relações mais longas e significativas com os jogadores”, ele explica. “Sempre tem algo que podemos pegar emprestado de nossos compatriotas, e fico empolgado de imaginar qual será a próxima revolução dentro do gênero.”
Pilares de sustentação
É impossível falar sobre a Obsidian sem lembrar do projeto que evitou que a empresa fosse à falência – Pillars of Eternity, cuja trajetória insólita foi dissecada no primeiro capítulo de Sangue, Suor e Pixels (Ed. HarperCollins Brasil), do jornalista Jason Schreier. Bancado por uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo (a mais rentável da história do Kickstarter até então, com mais de U$ 4 milhões arrecadados), o épico lançado em 2015 garantiu que o estúdio mantivesse sua independência como um dos principais criadores de RPGs do mundo ocidental, reputação que tenta sustentar desde então.
Pelo menos conceitualmente, sem Pillars of Eternity, não haveria Avowed. O palco do novo RPG é Living Lands, região que faz parte do mundo mágico de Eora, apresentado pela primeira vez no jogo de dez anos atrás.
Mas a inspiração vai além: durante a produção de Pillars, o feedback constante da paciente comunidade de apoiadores foi essencial para definir aspectos da jogabilidade, corrigir instabilidades e aparar arestas. A experiência provou ao estúdio que dar voz aos jogadores é o caminho mais curto para a criação de um produto melhor.
Tal procedimento se repetiu com Avowed. A equipe da Obsidian fez questão de absorver as críticas aos vídeos de trailers e gameplays divulgados ao longo dos anos, utilizando-os como referências para aprimorar detalhes e tomar decisões de gameplay – tudo para atingir o nível mais próximo possível da alta expectativa dos jogadores.
“Quando se divulga vídeos de partes não-finalizadas, é óbvio que os fãs vão apontar defeitos. Mas eles também conseguem perceber as melhorias que vêm com o tempo”, explica Carrie Patel, que aproveita para dar uma dica à concorrência: “Acho que isso é o que se recebe de volta quando o estúdio se permite assumir riscos, ser vulnerável e confiar que as pessoas vão embarcar junto nessa jornada.”
Sorrindo, Ryan Warden concorda. “Escutar os feedbacks ‘construtivos’ da comunidade e utilizar isso para melhorar o jogo, e então ler os comentários das pessoas: ‘Nossa, eles estavam nos ouvindo, que maravilha!’ – Isso é uma coisa linda!”, diz.