E, de repente, jogar videogame ficou chato para caramba. Bem, não tão de repente assim. Jogos considerados triple A ao longo dos últimos anos estão com muita dificuldade de encantar jogadores, com fórmulas pasteurizadas, repetitivas e sem grande impacto.
As campanhas de marketing são enormes, se cria um hype gigantesco, leva-se jornalistas e influenciadores para fora do Brasil para assistirem apresentações a portas fechadas, mostram-se muitos vídeos e cinemáticas editadas. Quando o game chega “na prateleira”, é só mais um que em poucos meses vai custar metade do preço. Sem contar os Games as a Service – natimortos.
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Não por acaso, uma pesquisa da Newzoo desse ano mostra que os jogadores estão gastando mais tempo em jogos lançados há seis anos ou mais. As pessoas têm cada vez mais dificuldades de abraçar novos títulos, o que não minha opinião está relacionado a alguns fatores: falta de criatividade, preço dos jogos e maior conhecimento dos gamers, que esperam um jogo ser lançado e têm muito acesso à informação antes de fazer uma compra.
Ou seja, ninguém quer colocar dinheiro em porcarias que vão ter atualizações infinitas…
Mas mesmo em meio a esse cenário existe um fôlego de vida. Videogames precisam ter o mesmo conceito de comida de afeto, trazer lembranças boas, emoções, pitadas de criatividade, sem esquecer a essência do que trouxe a indústria até aqui: gameplay de verdade e encanto pelo simples.
São características que colocam games como Astro Bot, desenvolvido pelo Team Asobi e publicado pela Sony, e o Escudeiro Valente, da All Possible Futures e publicado pela Devolver Digital, ambos lançados em setembro, como dois títulos que precisam ser a bússola para a indústrias de videogames para os próximos anos.
Tive a oportunidade de jogar ambos* e trago aqui alguns elementos que fazem esses games diferentes, graças à experiência familiar incrível que tive em ambos.
Astro Bot: emoções puras de criança
Como um pai que ama videogames, já beirando os 40, quando posso quero jogar com meus filhos. Resolvi encarar Astro Bot, ou pelo menos parte dele, com minha filha Maitê, de 6 anos. O encanto pela explosão de cores na tela, a facilidade de entender o roteiro simples do jogo e as fases divertidas e de uma dinâmica incrível fez com que ela pedisse que continuássemos a jornada.
Para o pai aqui, impossível não ter outras referências usadas com maestria no game, como Super Mario Galaxy, Tinykin, Crash Bandicoot, Super Mario 64 e tantos outros games de plataforma. A cada viagem interplanetária, o que eu e a Maitê queríamos saber era qual o novo apetrecho que o herói robô teria e, uau, como é difícil escolher o mais criativo: a luva do macaco, encolher e entrar dentro das plantas mudando a perspectiva do cenário, ou virar uma esponja gigante que absorve e joga água pelo cenário.
São daqueles momentos que nos tiram um riso de canto de boca e nos fazem seguir encantados com o game.
O uso do DualSense é um show a parte. Que capricho! Quando ASTRO’s Playroom foi lançado em 2020 para mostrar a capacidade do novo controle do PS5, eu sinceramente imaginava que teríamos uma revolução de criatividade com um gadget tão incrível. Mas a preguiça das publishers fez com que isso não acontecesse, e precisamos ter um novo jogo do robozinho, quatro anos depois, para que o DualSense novamente fosse aproveitado no seu ápice.
Minha filha Maitê vibrava a cada novo bot capturado, e colocava os ouvidos no controle e dizia “pai, eles estão aqui de verdade”. Uma experiência emotiva e muito verdadeira.
Preciso terminar falando dos chefes de cada planeta do jogo. Que delícia enfrentar e ver surgir aqueles gigantes na tela! São momentos que tive apenas quando joguei God of War 3 ou Shadow of Colossus pela primeira vez.
O Escudeiro Valente: jogo de palavras e ideias
Se você ama games e não curte a Devolver, seu coração já virou pedra. A publisher tem a habilidade única de trazer aos jogadores games indies que se tornaram clássicos: vou citar só Gris e Hotline Miami para não me estender muito. O Escudeiro Valente (The Plucky Squire), novo game da All Possible Futures (que nome propício!), já está nesse rol.
Novamente, conto um “causo” que tive com Maitê ao longo da jornada de Pontinho, o herói do game. Em uma das andanças do personagem para salvar o reino de Mana do mago Enfezaldo, nos deparamos com o Reino de Artia, com referências a diversos artistas da humanidade trazidas de forma clara.
Lá, ao conversarmos com vários deles, Maitê identificou Frida Kahlo, que ela já conhecia de um livro que temos aqui em casa. Ao fazer essa conexão, ficou encantada com um game fazendo referência a algo comum na vida dela, e disse à minha esposa que queria ir de Frida para uma das comemorações da Semana da Criança na escola – por causa da conexão do game e do livro.
O Escudeiro Valente tem tantas qualidades que é difícil elencar: a transição estética entre o game 2D e 3D é muito fluída e bonita. Ao usar a própria narrativa – as letras nas páginas do livro em que Pontinho vive são parte dos puzzles –, eu e Maitê discutimos qual seria a melhor estratégia para a troca de palavras para seguir adiante na aventura.
E quantas referências bacanas! Você enfrenta inimigos ao estilo Punch Out (lembra dele?), batalhas com mecânicas musicais e entra em cartas de RPG para confrontos de turno. Sem falar da dublagem, com a voz de Mauro Ramos – que dublou o Pumba (O Rei Leão) e o Sullivan (Monstros S.A.) – e tantos outros clássicos do cinema.
Os confrontos com os inimigos e a exploração dos cenários também lembram um pouco dos Zeldas antigos, até pela posição da câmera.
Astro Bot e O Escudeiro Valente acertam muito e mostram qual a verdadeira essência dos videogames: encantar e te fazer jogar mais, de forma simples e criativa. Eu e Maitê gostamos muito de ambas as jornadas. E realmente esperamos que a indústria de games entenda que este é um futuro possível!
*Astro Bot e O Escudeiro Valente foram gentilmente cedidos pela Sony e pela Devolver, respectivamente, para suporte na criação deste texto