A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), instituída pela Lei nº 13.709/2018, tem como um de seus objetivos garantir a proteção da privacidade de todos os indivíduos, incluindo crianças e adolescentes. O artigo 14 trata especificamente do tratamento de dados desse grupo, que requer uma atenção especial devido à sua vulnerabilidade e incapacidade de compreender plenamente os riscos associados ao uso de suas informações pessoais no ambiente digital.
De acordo com o mesmo artigo, o tratamento de dados de crianças e adolescentes deve ser realizado sempre em seu melhor interesse. Para que esse tratamento seja legítimo, sobretudo no tratamento de crianças, a lei exige o consentimento específico, informado, destacado e para uma finalidade determinada de pelo menos um dos pais ou responsável legal.
Esses requisitos visam assegurar que os pais ou responsáveis compreendam exatamente quais dados estão sendo coletados, para que finalidade e como serão utilizados.
O grande desafio para as empresas que operam jogos eletrônicos é cumprir com as exigências do consentimento parental da maneira correta. O consentimento deve ser específico, ou seja, voltado para um propósito determinado; informado, garantindo que os pais ou responsáveis entendam o que estão autorizando; destacado, para não estar escondido em meio a outros termos de uso; e destinado a uma finalidade específica, explicitada de forma clara.
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Essa exigência impõe uma grande responsabilidade sobre os desenvolvedores de jogos eletrônicos, que precisam não apenas coletar o consentimento dos responsáveis, mas também assegurar que os pais compreendam as implicações do uso dos dados de seus filhos. Essa tarefa se torna ainda mais complexa no ambiente online, onde muitas vezes é difícil verificar a identidade da pessoa que está fornecendo o consentimento.
Em maio de 2023, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu o Enunciado nº 1/2023, que permite o tratamento de dados de crianças e adolescentes com base em outras hipóteses legais previstas na LGPD, como a execução de contratos ou cumprimento de obrigações legais, desde que prevaleça o melhor interesse do menor. No entanto, o consentimento parental permanece a base mais apropriada e comumente utilizada no contexto dos jogos eletrônicos, devido à natureza sensível dos dados e ao público-alvo.
Os desafios relacionados à obtenção de consentimento no contexto de jogos eletrônicos são consideráveis.
Crianças e adolescentes, muitas vezes, interagem com jogos sem a supervisão adequada de seus responsáveis, e, por isso, a LGPD exige que os controladores façam todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento foi realmente dado pelos responsáveis legais. Essa verificação, no entanto, é um processo que pode ser complexo e sujeito a fraudes no ambiente digital.
Entre os métodos utilizados para garantir a autenticidade do consentimento parental estão a verificação por cartão de crédito, o uso de plataformas de autenticação e a aplicação de inteligência artificial para identificar fraudes. Esses métodos ajudam a garantir que o consentimento esteja em conformidade com as exigências legais, mas também trazem desafios práticos para sua implementação.
A proteção de dados de crianças é uma preocupação global. Na União Europeia, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) exige o consentimento dos pais para o tratamento de dados de menores de 16 anos, enquanto nos Estados Unidos a Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA) impõe restrições à coleta de dados de menores de 13 anos.
Um caso notório de violação dessas regras foi o da Epic Games, criadora do jogo Fortnite. Em 2022, a empresa foi multada em US$ 520 milhões pela Federal Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos por coletar dados de crianças sem o consentimento dos pais e por utilizar dark patterns para induzir compras não intencionais.
Esse caso evidencia os riscos de não cumprimento das leis de proteção de dados, além de destacar a importância de práticas transparentes e éticas no tratamento de dados de menores.
O tratamento de dados de crianças e adolescentes no âmbito dos jogos eletrônicos exige uma abordagem cuidadosa e responsável por parte das empresas, que precisam não apenas garantir a conformidade com as exigências legais, mas também preservar a privacidade e o bem-estar dos menores no ambiente digital. A atenção aos requisitos de consentimento parental e a adoção de práticas transparentes são fundamentais para mitigar os riscos associados à coleta e uso desses dados.
O cenário global, com legislações como o GDPR e a COPPA, destaca a crescente relevância desse tema, que transcende fronteiras e impõe desafios contínuos para o setor de tecnologia e entretenimento.