“Entrou no ar faz dois minutos!”, comemorava Shin Huang, desenvolvedor do estúdio paulistano Mad Mimic Interactive, instantes após o The Gaming Era entrar no escritório da empresa na Vila Mariana, em São Paulo. Eram 14h da sexta-feira (24), e a alegria se devia ao lançamento do jogo Mark of the Deep após três longos anos de desenvolvimento.
As páginas no Steam e no GOG haviam acabado de ter a função de compra desbloqueadas – na Epic Games Store ainda havia algum erro que Huang resolveu pouco depois. As três principais lojas de games para PC receberam o game no mesmo dia, com versões para consoles (PlayStation, Switch e Xbox) programadas para o segundo trimestre desse ano. Tanto Shin quanto Luis Fernando Tashiro, o CEO da Mad Mimic, pareciam aliviados.
“É um trabalho de três anos e finalmente chegou [o lançamento]. É aquele respiro de ‘ufa, passou’”, brinca Tashiro em entrevista exclusiva ao TGE. A coincidência do horário não é mero acaso: nossa visita tinha como objetivo conhecer a estratégia e as expectativas para Mark of the Deep.
O Mad Mimic é um dos estúdios brasileiros mais destacados da atualidade. Tem no portfólio sucessos como o multiplayer de estratégia No More Heroes – cuja sequência está atualmente em acesso antecipado – e o jogo de ação roguelite Dandy Ace, maior sucesso comercial (e de crítica) do estúdio paulistano.
Mas é Mark of the Deep o maior projeto da história do MM. Trata-se de um jogo ação isométrico com temática de pirataria e fortemente inspirado, segundo o próprio Tashiro, em sucessos indie como Death’s Door (feito pela Acid Nerve e publicado pela Devolver Digital) e Curse of the Dead Gods (Passtech Games e Focus Home Interactive). Tunic (Isometricorp Games e Finji) também é citado como forte influência “em termos de polimento e exploração”.
“Quando começamos o jogo três anos atrás, faltavam games com temática de piratas. Todo mundo gosta, é clássico e vende no mundo todo”, explica o CEO. “Tínhamos acabado de lançar o Dandy Ace, que tinha câmera isométrica. Pegamos tudo que aprendemos nele e começamos a melhorar.”
Durante os três anos de desenvolvimento houve momentos em que 18 pessoas trabalharam no jogo simultaneamente – mais da metade dos 35 funcionários que a Mad Mimic tem atualmente. Também houve um grande esforço de marketing e relações públicas para o lançamento, inclusive fora do Brasil, com apoio da publisher chinesa Light Up Games.
Engajamento brasileiro, dinheiro estrangeiro
“A vantagem de ter uma editora é que conseguimos mitigar riscos, principalmente o financeiro. Nós estávamos fazendo o trabalho de marketing e divulgação, mas sentimos que faltavam recursos para chegar no mundo todo”, explica Tashiro. “Precisávamos de um valor alto [para investir], ainda mais com o dólar a R$ 6.”
Além do destaque recebido nos grandes canais de notícia sobre games brasileiros, a divulgação do jogo conseguiu chegar em sites estrangeiros como o Polygon e o IGN norte-americano, além dos “grandes canais chineses que não vou saber citar pelo nome”, diz o CEO rindo. “Os números [de engajamento] estão chegando em um ritmo bom. É uma emoção bem grande.”
Apesar dos elogios feitos por Tashiro ao trabalho da Light Up Games, o executivo diz que, no longo prazo, o estúdio não quer depender do trabalho de editoras. Para No More Heroes 2, o objetivo é fazer “self publishing”, ou seja, investir sozinho tanto no desenvolvimento como na publicação.
“Como [NM2] é um jogo com escopo menor, vamos tentar entender com alcançar as mesmas métricas [dos games anteriores do estúdio]. Não queremos ficar vinculados a uma publisher, mas sim ter autonomia de publicar nossos próprios trabalhos. Tem o lado bom e o ruim: se dá certo, beleza; se dá errado a culpa é sua”, brinca.
A Light Up Games tem sede na megalópole Xangai, mas parte do time está concentrado na Europa. É especialista em games independentes. A parceria com a Mad Mimic é recente: foi firmada durante uma visita de Tashiro à Tokio Game Show de 2024, no Japão, pouco antes da data de lançamento de Mark of the Deep – o que levou a um adiamento do jogo pouco antes da Brasil Game Show.
“Achamos que [a parceria] valia o risco. Por ser uma publisher nova, eles investiram dinheiro e energia e estamos vendo bons resultados. A wishlist [volume de pessoas que colocam o game nas listas de desejo das lojas] vem subindo diariamente”, diz Tashiro, lembrando que a boa parte da receita dos games anteriores da Mad Mimic foi obtida fora do Brasil. “Nós iríamos conseguir tração na América Latina e do Norte, mas a Ásia ia ficar ‘largada’.”
Apesar da expectativa de receita oriunda de mercados estrangeiros, Tashiro diz que também busca privilegiar o mercado brasileiro, seja para privilegiar a indústria nacional ou para agradecer o apoio e o engajamento dos fãs locais. Por isso a política de preços está de acordo com o poder aquisitivo local: Mark of the Deep é vendido por US$ 30 na Steam dos EUA, mas no Brasil sai por R$ 39,90, valor bem abaixo de uma conversão direta.
A empresa também investiu em localização específica para o País: o time de dublagem brasileiro inclui influenciadores e personalidades como Tiago Leifert, Enaldinho, Ana Xisdê, Haru e Coelho no Japão, entre vários outros. Há também opção de dublagem em inglês para atender o mercado internacional e legendas em espanhol, alemão, chinês, coreano, francês, japonês, russo e turco – além de português e inglês, claro.
Diversificação
A expectativa de Tashiro com Mark of the Deep é, claro, vender mais que os jogos anteriores, obtendo 50% mais que a receita conseguida com Dandy Ace – da qual cerca de 30% vieram do Brasil. A alta do dólar, admite ele, deve ajudar a conseguir esse resultado. “Estamos com grande expectativa para ver a comunidade brasileira jogar. A receita final provavelmente não vai sair daqui, mas queremos valorizar os jogos nacionais”, explica.
O próximo passo para esse objetivo é não só chegar aos consoles, mas também passar a integrar programas de assinatura como o Game Pass (Microsoft) e o PlayStation Plus (Sony), aumentando a audiência. É um processo de longo prazo que exige boas referências, mas Tashiro é confiante.
Isso não significa que a Mad Mimic coloca todos os ovos na mesma cesta. A empresa também tem clientes de outsourcing fora do Brasil. “É o que me dá tranquilidade de dormir toda noite”, brinca o CEO da Mad Mimic. “São projetos que variam entre seis meses e um ano. Com esse lucro conseguimos financiar os projetos autorais.”
Tashiro explica que a receita obtida com as franquias próprias está ‘cada vez maior”, mas enquanto não houver “um título nosso que explodir, vamos ficar no limite”. “Dá para pagar o próximo jogo, mas e se faltar? Esse é o grande problema”, pondera.
Nesses projetos, o estúdio prefere trabalhar com orçamentos fechados, o que impede que sejam necessárias injeções de capital não previstas para terminar projetos que nunca terminam. “Isso traz previsibilidade de receita. Nós começamos projetos que caibam em cada orçamento. Inclusive porque não é justo que a equipe de outsourcing fique bancando a de projetos autorais. Todas as unidades precisam dar lucro”, diz.
Novas frentes
Recentemente o estúdio foi selecionado pelo Indie Games Fund, do Google, e vai receber fundos e apoio da empresa de tecnologia para portar Dandy Ace para dispositivos móveis. “É um mercado que sempre quisemos entrar e nunca conseguimos”, pondera Tashiro. “Imagine portar um jogo para o mobile sem capital para investir em aquisição de usuários? Com esse suporte e entrando no Play Pass [programa de assinatura da loja Google Play], faz sentido começar esse movimento.”
Outra frente recente do Mad Mimic, anunciada com pompa durante a última Gamescom Latam, é uma parceria com a rede de estúdios Level8, do influenciador Flakes Power, para lançar experiências em grandes plataformas UGC como Fortnite, da Epic Games. Atualmente são cerca de cinco pessoas dedicadas a produzir mapas para o jogo usando Unreal Editor para Fortnite (UEFN), estrutura que Tashiro chama de “célula de pesquisa e desenvolvimento”.
“Tentamos estudar a ferramenta e entender como funciona. (…) Foram dois mapas lançados, um com temática espacial, outro de exército. Estamos criando a terceira”, conta. Os resultados, embora não sejam ainda totalmente mensurados do ponto de vista financeiro, já contam com bons feedbacks, diz ele.
“Temos entre 300 a 400 pessoas simultâneas [em cada mapa]. Mas acreditamos que esse número pode ser multiplicado por cinco ou 10 quando o entrar o Flakes e o time de influenciadores [na divulgação dos mapas]”, explica Tashiro. A ideia é aproveitar também a experiência em projetos para marcas que queiram entrar no mundo dos games.
Somado tudo isso, Tashiro está otimista para 2025. Com No More Heroes 2, o estúdio terá, pela primeira vez, dois jogos lançados no mesmo ano. Será um período de “colher os frutos que plantamos ao longo dos últimos anos”, diz o CEO.