“Estou ansioso, dá para notar?”
Nos bastidores do estande do Xbox na CCXP 2024, o designer sueco Jens Andersson brinca sobre a chegada iminente de Indiana Jones e o Grande Círculo. Lançado em 9 de dezembro para Windows e o sistema Xbox (via Game Pass – a versão para PlayStation 5 sairá em 2025), o game é um dos títulos AAA mais badalados de 2024 e apresenta uma história inédita, estrelada pelo arqueólogo-aventureiro mais famoso de Hollywood.
Andersson é Lead Design Director na produtora sueca MachineGames, que faz parte do elenco de estúdios da publisher Bethesda (esta, parte da família do conglomerado Xbox). Ao começar a entrevista, aviso que farei uma pergunta inevitável (e irônica) a todo desenvolvedor de games nascido na Suécia: “O que colocam na água de seu país?”. Seria mais uma oportunidade de entender os motivos que levaram a nação escandinava ser tão bem desenvolvida e onipresente nessa indústria, ao ponto de se tornar referência na última década.
Andersson sorri e concorda. “Não é que a Suécia tenha vários estúdios de games. Na verdade, são muitos estúdios excelentes, que passam por todos os segmentos da indústria – a Mojang, com Minecraft, a King, com Candy Crush, a DICE com Battlefield, além da MachineGames e muitos desenvolvedores indie”, diz, citando também o Hazelight Studios de Josef Farris, do aclamado It Takes Two. “São muitas empresas que realizam grandes projetos.”
“Não tenho uma grande explicação para isso, mas várias pequenas razões”, ele continua. “A Suécia adotou muito cedo a cultura do PC e da internet banda larga. Havia um programa governamental para estimular o uso pela população. E como é um país com invernos escuros e rigorosos, as pessoas ficam bastante em casa, o que torna natural trabalhar com tecnologia.”
Indo além, ele menciona as parcerias dos cursos técnicos de games com os estúdios, em que estudantes fazem estágios não remunerados como parte da grade curricular.
O último aspecto que teria ajudado a fomentar a indústria local, na visão de Andersson, é a “demoscene”, uma subcultura da década de 1980 em que artistas expunham ideias artísticas coletivamente na forma de vídeos conceituais. ”Era como uma pequena ‘comic-con’ dos anos 1980 e 90”, ele compara. “Muitos estúdios suecos vieram dessa cena, em que todos aprendiam juntos a explorar tecnologias e a realizar colaborações. Era como um sistema educacional por conta própria.”
Lembro a Andersson que a percepção sobre a excelência criativa da Suécia não se limita aos games, já que o país também tem tradição de gerar compositores e grupos de música pop, além de startups de tecnologia, como o Skype e o Spotify. “Existe no país uma ideia de que a criatividade é algo valioso, e isso se aplica a qualquer forma de cultura”, completa. “Você tem a permissão de abrir as asas e tentar algo. E está tudo bem se não der certo, porque temos um sistema de segurança social razoável. Então você tenta, e o pior que pode acontecer é falhar e ter de se tornar um advogado [risos].”
Inimigos comuns
Localizado em Uppsala, quarta maior cidade da Suécia, o MachineGames ganhou notoriedade na última década pelo bem-sucedido reboot da franquia Wolfenstein. Sobre isso, há uma piada recorrente: a de que a Bethesda teria escolhido o estúdio para desenvolver o game de Indiana Jones por sua experiência em games com vilões nazistas – justamente o principal alvo do arqueólogo ao longo de sua filmografia.
Jens Andersson chama a questão de “coincidência”, assumindo que Indiana Jones e o Grande Círculo não se arrisca nas mesmas controvérsias políticas de Wolfenstein, ainda que os antagonistas sejam os mesmos. “Todd Howard [diretor da Bethesda] nos escolheu provavelmente porque temos um talento para criar histórias interessantes com personagens fascinantes”, ele diz. “Fazemos isso há um bom tempo e tenho muito orgulho das narrativas de nossos jogos.”
Dizer que Indiana Jones é um velho conhecido dos jogos não é mero eufemismo: o primeiro filme do herói foi o primeiro a inspirar um game doméstico: Raiders of Lost Ark foi lançado em 1982 para o Atari 2600, desenvolvido pelo programador Howard Scott Warshaw – que ficou mais conhecido por ter criado sozinho o infame e execrado E.T. The Extraterrestrial, que se tornou sinônimo da decadência do negócio dos videogames na época.
Pergunto a Andersson quais as chances de um personagem tão datado como Indy cativar o público mais jovem. “O jogo será lançado direto no Game Pass, então é assim que muita gente vai ser apresentada a ele pela primeira vez, mas vemos isso como uma oportunidade”, ele diz. “O personagem é tão interessante hoje como era antigamente, então nosso trabalho é contar uma história que ressoe com as pessoas. E quem sabe, após chegar ao fim da aventura, o jogador queira assistir aos filmes porque ficou muito interessado. Assim, nós nos tornamos a porta de entrada de Indiana Jones para uma nova geração.”
Envelhecendo bem… ou mal?
A verdade é que a mais recente aparição do herói nas telonas, Indiana Jones e a Relíquia do Destino (2023), não foi assim tão eficaz no rejuvenescimento do personagem. O jovem Harrison Ford que aparece na introdução do filme carrega uma pesada maquiagem digital que resvala nos limites do “vale da estranheza”, o que incomodou os olhos mais treinados de quem joga games de última geração. Nesse sentido, o Indy apresentado na obra da MachineGames chega a parecer até mais crível do que o do cinema.
“Queríamos mostrá-lo em seu auge, em algum momento entre os filmes Caçadores da Arca Perdida (1981) e A Última Cruzada (1989), então scans 3D do Harrison Ford de hoje não nos ajudariam”, conta Jens Andersson, sobre o processo artístico de O Grande Círculo. “Mas a LucasFilm Games nos ofereceu muitas referências, fotos dos filmes antigos e todo tipo de material para trabalharmos na recriação do personagem como era visto naquela época.”
No game, Ford acabou emprestando somente sua aparência – o herói foi dublado por Troy Baker, conhecido por papéis icônicos como o Joel de The Last of Us. “Sempre há um risco ao se utilizar alguém cuja voz já é conhecida, mas ele arrebentou logo de cara, provando que fez a lição de casa e tem capacidade para fazer o trabalho. E funcionou muito bem”, diz o diretor criativo.
Apesar do inevitável anacronismo de um game estrelado por um ícone oitentista em pleno 2024, na prática, não há muito que diferencie O Grande Círculo de outros títulos de ação em primeira pessoa recentes. Trata-se de uma aventura de exploração baseada em narrativa, em que o protagonista interage com NPCs, procura objetos e enfrenta inimigos na base da força bruta ou usando furtividade, tudo alternado por belas cutscenes cinematográficas. Poderia ser qualquer personagem, mas é o bom e velho Indiana Jones. Então, qual é o propósito real?
“Não houve uma análise de mercado ou algo do tipo: simplesmente, as pessoas que estão fazendo o jogo desejavam muito ver um novo game de Indiana Jones”, decreta. ”É o nosso amor pelo personagem que faz esse jogo ser possível em 2024. Essa é a verdade honesta sobre isso.”