Loot boxes, a febre das apostas e a proteção da criança e do adolescente

Mera proibição de loot boxes parece visão simplista e que ignora modelo de negócios já consolidado, escreve Yan Viegas
loot box
Imagem: Wikimedia Commons

As loot boxes, ou “caixas de recompensas”, têm se destacado entre os mecanismos de microtransações em jogos eletrônicos nos últimos anos. Elas são pacotes que concedem itens aleatórios aos jogadores de um determinado jogo.

Com o apelo de ser possível ganhar muito com pouco, figura já conhecida no cenário brasileiro, sua crescente popularidade tem levantado preocupações sobre seus efeitos negativos, como vícios e prejuízos financeiros, especialmente no público infanto juvenil.

Apesar de ter origem nas máquinas gachapon japonesas, o conceito de tentar a sorte para adquirir, por um baixo valor, um pacote com probabilidade de ganho de itens raro e valioso também é conhecida dos brasileiros. Por exemplo, nas famosas figurinhas colecionáveis da Copa do Mundo ou Brasileirão.

Com a adaptação aos jogos eletrônicos, estima-se que, até 2025, esta modalidade de microtransação gere US$ 20 bilhões de receita às empresas de games, em um mercado global que pode atingir US$ 200 bilhões no mesmo ano.

As loot boxes são populares especialmente em jogos gratuitos (free-to-play), permitindo que jogos gerem receita além de anúncios ou vendas de cópias. Podem ser adquiridas com dinheiro real ou créditos ganhos no jogo. Os itens recebidos podem ter ou não valor real, sendo estéticos ou úteis na jogabilidade.

A principal preocupação, no entanto, paira nas loot boxes que influenciam a jogabilidade e aquelas cujo item recebido tenha algum valor no mundo real, assemelhando-se a caça-níqueis. Isso tem gerado debates a nível global sobre seu enquadramento como jogos de azar.

Panorama nacional

No Brasil, o cenário de apostas e cassinos tem, infelizmente, ganhado cada vez mais adeptos. Em recente pesquisa realizada pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), revelou-se que as apostas no Brasil, lideradas pelo famoso jogo do tigrinho, são sete vezes mais populares que investimentos na Bolsa de Valores.

Diferentemente das casas de apostas, as quais são destinadas ao público adulto e tem como objetivo principal o lucro, as loot boxes são acessíveis a todos os públicos e associadas a jogos de entretenimento. Essa acessibilidade ampla tem recebido críticas por incentivar o vício em jogos de azar desde cedo entre crianças e adolescentes.

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Nesse contexto, diversas ações civis públicas, como a ação nº 0701552-16.2021.8.07.0013, movida pela ANCED contra a Garena, contestam a monetização de jogos que envolvem o sistema de loot boxes. Argumentam que tais práticas configuram jogo de azar, o que seria vedado pela Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941). 

Todavia, sob outra perspectiva, a equiparação aos jogos de azar somente seria aplicável aos jogos com mecanismo de loot box em que há desembolso de dinheiro real para aquisição de itens virtuais com valor no mundo real. A principal crítica ao enquadramento das loot boxes como jogos de azar seria, além da falta de legislação específica, a necessidade de enquadramento de outras práticas no tipo penal, como, por exemplo, a comercialização de pacotes de figurinhas.

Para esta corrente, equiparar as loot boxes a um tipo penal datado de 1940 poderia resultar em desproporcionalidades, ferindo princípios como a taxatividade e a legalidade.

Projetos de lei

No Brasil, o Projeto de Lei nº 4.148/2019, do ex-deputado Heitor Freire, e o Projeto de Lei nº 2.628/2022, do senador Alessandro Vieira, visam regulamentar, sob âmbitos distintos, as loot boxes. O PL 4.148 afasta as caixas de recompensas do enquadramento como jogos de azar e exige, à semelhança do modelo chinês, que as desenvolvedoras de jogos eletrônicos exibam a exata probabilidade de obtenção dos itens, sujeitas a infrações administrativas.

Já o PL 2.628, com foco na proteção das crianças e adolescentes em ambientes digitais, apresenta um texto proibitivo às loot boxes, as enquadrando como jogos de azar, em linha com a legislação holandesa e belga. Entretanto, referida lei tem efeitos apenas a jogos e produtos direcionados ao público infanto juvenil. Nessa mesma linha caminha a legislação australiana, em que há projeto de lei visando restringir o acesso de menores a jogos com loot boxes.

Embora cada país desenvolva sua análise independente, o cerne desta proteção está na compreensão pelo meio científico de que há dificuldade das crianças em avaliar o valor do dinheiro e sua maior atração por itens digitais, conforme bem apresentado em estudo sobre os efeitos causados pelas loot boxes no público jovem pelo Conselho Federal de Psicologia (Parecer nº 36).

No ordenamento jurídico brasileiro, as loot boxes devem respeitar as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, sujeitando-se às normas de transparência previstas naquela legislação e assegurando a proteção dos consumidores quanto a práticas enganosas. A situação ganha maior relevância quando estes consumidores são crianças e adolescentes, ante a falta de controle parental nas plataformas e casos globais de crianças gastando altos valores nos cartões dos pais.

Marco Legal dos Games

Apesar de não trazer uma solução definitiva ao tema, a Lei nº 14.852/2024 (Marco Legal dos Games) trouxe uma inovadora solução ao uso de classificação indicativa para vedar o acesso do público infanto juvenil ao sistema de loot boxes. Se antes a classificação etária indicativa era concentrada em eixos como violência, nudez e drogas, o art. 3, § 2º da nova lei exige que os riscos relacionados às microtransações sejam levados em consideração para classificação etária.

Este poderá ser o ponto de conexão necessário entre a manutenção do sistema de loot boxes e a proteção das crianças e adolescentes.

Portanto, a mera proibição de loot boxes, semelhante ao que tem sido feito por países europeus, parece ser uma visão simplista e que não leva em consideração os diversos modelos de loot boxes e sua importância, como modelo de negócios já consolidado, na indústria dos jogos eletrônicos.

Além disso, há muito resta demonstrado que a estratégia brasileira de combate aos jogos de azar tem se mostrado insuficiente, sobretudo no recente cenário digital. Desse modo, em consonância com os princípios da liberdade econômica e livre mercado, uma legislação restritiva com base na transparência e respeitando a legislação já existente em nosso ordenamento tende a trazer vantagens para a indústria de games.

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