Com o perdão do trocadilho, o início de junho foi um marco para o mercado brasileiro de games com a sanção do Marco Legal dos Games, como a lei ficou popularmente conhecida. Oficialmente Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, a legislação prevê diretrizes para não apenas reconhecer as empresas do setor e garantir um arcabouço jurídico, mas também fomentar o mercado de forma estruturada e atrair cada vez mais investimentos para o setor.
Mais do que “uma nova era para a indústria nacional de games”, como chegou a afirmar a Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), a lei é também um exemplo mundial.
“O Marco Legal é uma ferramenta boa de divulgação, porque são poucos os mercados que têm uma regulamentação de games nesse sentido”, ressaltou, durante a Gamescom Latam de 2024, o primeiro-secretário, conselheiro e vice-chefe da divisão de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty), Guilherme Fitzgibbon Alves Pereira.
O gestor público participou de um painel chamado Brasil: Políticas Públicas para Fortalecer o Ecossistema de Jogos, que aconteceu durante a feira.
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Nesse mesmo painel representantes de entidades do setor deram mais detalhes sobre a importância de se desenvolver políticas públicas setoriais – no caso, o dos jogos eletrônicos – bem como próximos desafios a serem enfrentados após a aprovação do Marco Legal.
Afinal, aprovar uma legislação, apesar de ser um esforço, é apenas o começo de todo o trabalho.
Brasil na liderança
Um dos pontos-chave do Marco Legal é entender que ele também é uma iniciativa pioneira não apenas para o Brasil, mas no mundo.
“O Marco Legal é uma ferramenta boa de divulgação, porque são poucos os mercados que têm uma regulamentação de games nesse sentido”, disse Pereira. “A gente aprende muito [com outros países], mas o Brasil também ensina. Somos uma das cinco maiores economias do mundo e não temos noção do quanto damos exemplo para outros mercados – e Marco Legal é exemplo disso”, concluiu.
Para ele, essa é uma porta de entrada para explorar outros universos. No Itamaraty, Pereira ressalta que um dos trabalhos é justamente criar pontes entre o mercado interno e o externo. Nesse sentido, eles criam oportunidades e parcerias para promover o Brasil, promover experiências de networking com outros players do exterior e aproveitar os bons relacionamentos que o País já tem com outros mercados como África e Ásia.
Essa porta é, inclusive, uma boa pedida para quem quer explorar o exterior e fugir um pouco do lugar-comum de Estados Unidos e Europa, visto que podem ser mercados mais difíceis de penetrar em um primeiro momento.
“África e Ásia são mercados que muitos não exploram, mas eles têm bastante abertura, indo até além de países de língua portuguesa como Moçambique, Angola, Cabo Verde. Eles não apenas têm receptividade, mas têm também interesse no Brasil, até por conta de muita similaridade cultural”, afirma Pereira.
O diplomata também complementa o pensamento afirmando que, na Ásia, há por exemplo Macau, na China, em que o português também é idioma oficial, o que ajuda em muitas questões burocráticas, como contratos, que não precisam de tradução.
Para além desse eixo, ele também recomenda, claro, a América Latina. “Latam não preciso nem dizer, porque é um ambiente natural para crescermos”.
“Queremos incentivar a se jogar no mercado internacional, mas contando conosco para auxiliar a fazê-lo de maneira segura e eficaz. Temos de parar com a ‘síndrome do vira-lata’. Temos uma boa imagem e fácil de divulgar lá fora. O Brasil, com o perdão do trocadilho intencional, tem de ser player 1”.
Desafios para o futuro
No que tange os próximos passos da legislação, Paulo Alcoforado, diretor da Agência Nacional do Cinema, a Ancine, ratificou a importância do desenvolvimento e aprovação da lei, mas lembra que ainda há uma série de pontos que precisam ser azeitados daqui por diante. Uma das justificativas nesse sentido é a necessidade de estabelecer diretrizes que protejam, por exemplo, a mecânica de um jogo eletrônico dentro do que se entende por propriedade intelectual.
“No Brasil, a Lei dos Direitos Autorais ainda é insuficiente para reconhecer a obra interativa do game. Ela protege o software, o personagem, a trilha, mas não há diretrizes para a mecânica do jogo”, observa, ressaltando que essa falta gera, inclusive, um efeito cascata em outras questões, incluindo desdobramentos tributários.
O desafio hoje, para ele, é coordenar esforços em todas as dimensões para “produzir um ambiente regulatório para o desenvolvimento e expressão dessa indústria” em sua totalidade.
Perspectivas de desenvolvimento
A importância do Marco Legal também está em abrir caminhos para parcerias de desenvolvimento do mercado. André Luiz Pimentel Queiroz, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), assinalada que, em termos práticos, a aprovação da lei resulta em um trabalho conjunto com empresas brasileiras que traz uma série de ações coordenadas como “capacitação de empresas, ações de inteligência, estudos de setores e mercados, e até mesmo ações de promoção comercial como a própria gamescom latam”, explica.
Vale lembrar que o papel da ApexBrasil é justamente promover produtos e serviços brasileiros no exterior com foco em atração de investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia brasileira.
Apesar das possibilidades, ele ressalta que ainda é preciso “entender como o marco regulatório se encaixa nisso tudo e trabalhar para fortalecer o sistema brasileiro de games como parte fundamental para o sucesso no longo prazo”.
Games e turismo
Pode parecer que o assunto games nada tem a ver com turismo, mas não é o que exemplificou Christiano Lima Braga, supervisor de audiovisual e economia criativa da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). “Tudo o que interessa para o consumidor internacional interessa ao turismo, porque isso gera a motivação de viagem. Assim, creio que essa conversa é apenas o começo de grandes possibilidades de articulação”, afirmou.
Para se ter ideia do potencial, vale trazer dados da própria Embratur, coletados em parceria com o Ministério do Turismo (MTur) e da Polícia Federal (PF). O levantamento aponta que, entre janeiro e maio de 2024, o Brasil recebeu 3.264.765 turistas internacionais, número que corresponde a um crescimento de 8,6% na comparação com os primeiros cinco meses do ano passado.
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Ainda de acordo com o levantamento, o desempenho foi o terceiro melhor da série histórica, iniciada em 1995, atrás apenas de 2017 (com 3,3 milhões de turistas) e de 2018 (com 3,4 milhões).
Durante a discussão na Gamescom Latam, Braga ressaltou, ainda, o lançamento do prêmio “Brasil tá pra Game” como um dos primeiros passos no esforço de criar possibilidades e inserir o setor do turismo dentro do ecossistema de games nacional.
“A aproximação e a assinatura do convênio com a Abragames, esses esforços têm a ver com o fortalecimento do turismo no setor do audiovisual brasileiro e abre caminho para outras possibilidades dentro do segmento de games”, explicou ele, ressaltando que o turismo é uma das principais indústrias do País, respondendo por 8% Produto Interno Bruto (PIB).