Não é de hoje que a paixão pelos jogos começou para Cleyton Oliveira, diretor-geral dentro da IGG, publicadora e desenvolvedora de jogos de Singapura especializada em games mobile. Ele também é o criador de um dos cursos mais “diferentões” da Escola Britânica de Artes Criativas e Tecnologia, a EBAC, o de Marketing para Games.
“O setor de games é apaixonante”, afirma ele, acrescentando que há 15 anos começou a jornada nos games ao trabalhar para o grupo WarnerMedia. “Recebi um convite para liderar a área de gerenciamento de categoria dentro da Warner e foi essa a minha estreia no mundo do entretenimento”, relembra ele, em entrevista para minha coluna no The Gaming Era.
O especialista começou sua extensa carreira em Marketing, migrando para o setor de pesquisa e, posteriormente, adentrando no entretenimento. Foi aí que ele conseguiu ter um contato maior com startups de negócios em videogame para a América do Sul, e foi também assim que ele se aprofundou no universo dos games.
Tendo trilhado por tanto tempo os negócios de jogos, Oliveira consegue falar de assuntos com a destreza de quem acompanhou os desdobramentos dos últimos anos no setor – de compras icônicas como a da Activision Blizzard pela Microsoft, até o crescimento dramático dos jogos mobile.
Ao TGE, falou sobre o mercado no Brasil e no mundo, e das oportunidades para profissionais que desejam entrar no jogo. O especialista também comenta sobre os principais gargalos que o País enfrenta diante de um setor global cada vez mais fortalecido e concorrido. Mas ressalta: o Brasil não fica atrás dos países desenvolvidos, não.
“O País se destaca quando o assunto é criatividade e já temos pessoas capacitadas para se desenvolver no mercado interno. Além disso, o Brasil também está entre os primeiros no mercado indie”, afirma. Abaixo você pode ler o papo na íntegra.
Quais os principais gargalos técnicos que você vê hoje, que afetam diretamente os negócios de jogos no Brasil?
Cleyton Oliveira: O setor de games é apaixonante. Trabalho há bastante tempo no segmento e diria que o principal gargalo no Brasil, grosso modo, é técnico. O que quero dizer é que, em geral, outros mercados apresentam a questão técnica e um gargalo de mercado: pouco público, pouco engajamento – e esse último é completamente o oposto do que acontece no Brasil.
Aqui, muitos gostam de videogames e o gamer brasileiro é super sofisticado, antenado com principais tendências internacionais e sabe muito bem o que está acontecendo.
Agora, em se tratando de gargalo técnico, existem muitos. Entre os principais, está o idioma: 90% do desenvolvimento de jogos acaba sendo inglês e a média de brasileiros que não falam esse idioma é grande. Assim, quem não fala inglês tem menos oportunidade de crescimento.
Já falando sobre desenvolvimento, temos a questão ligada ao investimento em equipamentos específicos. A maior parte é importada e, portanto, cobrada em dólar. Isso traz alguns desdobramentos críticos como deixar a grande concentração do desenvolvimento de jogos na mão de estúdios maiores em detrimento de estúdios independentes, que acabam tendo maior dificuldade nesse quesito.
Mesmo assim, o Brasil consegue se destacar, tendo um mercado indie robusto – mas a questão de equipamento não deixa de ser um gargalo, especialmente quando falamos de desenvolvimento de jogos mais complexos.
Outro ponto que eu mencionaria não está no desenvolvimento em si, mas em como o jogo chega às pessoas ávidas por games e isso envolve a infraestrutura de Internet. Games, muitas vezes, são sinônimo de alta velocidade e conexão estável e muitas pessoas, como aqui em São Paulo, vivem em bolhas.
Há muitos rincões no Brasil e até cidades que nem são tão interiores assim, mas não possuem Internet de qualidade e esse gargalo tem impacto direto no consumo.
Por fim, um gargalo que é pouco falado é com relação à criação de narrativas e licenciamento. Ao se criar uma IP [do inglês Intellectual Property, ou Propriedade Intelectual] original é uma coisa, mas quando se trabalha com IP de terceiros, a licença representa um obstáculo principalmente ao mercado indie.
Usar música ou outro asset licenciado é mais complexo por ‘N’ razões. Por exemplo: uma delas é que você precisa provar quem você é para poder usar a IP. Se eu, Cleyton, abrir um estúdio pequeno de desenvolvimento de jogos para criar produções focadas no Batman, será quase impossível me darem o licenciamento, afinal quem sou eu no mercado?
Em contrapartida, um publisher brasileiro que já está em um patamar elevado de reconhecimento não terá essa dificuldade.
Como você diria que a EBAC se adaptou e se adapta ao longo do tempo para ofertar cursos que endereçam esses principais gargalos?
Cleyton: A EBAC consegue fazer a ponte entre o mercado e a mão de obra especializada, que hoje sofre uma carência não apenas no setor de games, mas em outros críticos como o de tecnologia. A falta de pessoas com formação técnica adequada para enfrentar os desafios que o segmento exige, principalmente em termos de resolução de problemas complexos e tecnologia de ponta.
A escola está sempre antenada com o que acontece no mercado, não somente no de videogames, mas sobretudo no que envolve arte e tecnologia.
A EBAC também prima por ter professores que estão ativos. Isso não significa que estou criticando o ensino teórico e falando que ele seja ruim, mas do ponto de vista de diferencial de mercado, ter instrutores que estão trabalhando no setor chama atenção, porque agrega à sala de aula mais do que a teoria em si, e traz aos alunos perspectivas reais sobre as dificuldades de trilhar caminhos profissionais, bem como atalhos para a carreira.
Segundo, a escola possui uma política de constante atualização de cursos. Por exemplo: meu curso foi gravado há algum tempo, mas periodicamente eu tenho que realizar atualizações no conteúdo.
Como foi a criação do curso de Marketing para Games?
Cleyton Oliveira: Tudo começou em 2021 e foi um projeto bem gostoso de ser realizado. Mas também um desafio pessoal, porque sou um profissional de mercado e, portanto, com formação acadêmica tradicional.
No entanto, a escola me proporcionou todo o suporte em termos de materiais, maneiras sobre como programar aulas, desenvolvimento de módulos, em identificar o que é relevante ou não para um aluno estudar. Tenho muito orgulho do resultado, porque depois de tantos anos de experiência [15 anos somente no setor de jogos] eu pude passar todo esse conhecimento para frente.
Para onde você acredita que os negócios de games estão caminhando dentro e fora do Brasil?
Cleyton: Em termos de desenvolvimento, acredito que o Brasil tem espaço para crescer. O País se destaca quando o assunto é criatividade e já temos pessoas capacitadas para se desenvolver no mercado interno.
Além disso, o Brasil também está entre os primeiros no mercado indie. Temos o BIG Festival [que agora é Gamescom Latam], que apresentou a maior concentração de estúdios independentes e lá você consegue perceber o quanto de gente que temos trabalhando nesse mercado.
Em termos de consumo, o País continua crescendo. Entre 2022 e 2023, cresceu 3,2% – mais do que países desenvolvidos como os EUA, por exemplo, que registraram 2%. Então, nosso percentual é razoável e ainda relevante, especialmente se considerado o pico de crescimento desproporcional no mundo dos games durante a pandemia.
Já em uma análise geral, de criação de produto, acredito que o cenário de games caminha em direção a ter experiências mais imersivas, com jogos de conteúdo profundo e uso de IA [inteligência artificial] para aprimorar diálogos e histórias.
Ademais, vejo o fortalecimento do setor de eSports – algo que deve continuar. Embora seja um segmento que precisa se fortalecer, há cada vez mais adeptos, com empresas de fora do mercado de jogos patrocinando e formando equipes, e isso demonstra a importância do nicho. E tudo isso sem mencionar o mobile.
Quando falamos de jogos para plataformas móveis, falamos também de um nicho que tem não apenas crescido, mas já representa boa parte do mercado. E, inclusive, é um segmento que atrai empresas que sequer têm o game como negócio principal, como no caso da Netflix, por exemplo…
Cleyton: Quando falamos de videogame, a primeira coisa que vem à mente é o PC e o console, de fato. Mas os jogos mobile já respondem por mais de 50% do mercado e existem alguns fatores para isso. Os games para celular são mais inclusivos que jogos para PC e para console que, aliás, não são nada inclusivos.
O tíquete médio para uma pessoa comprar um videogame é caro e os jogos que rodam nessa plataforma tampouco possuem valores baixos. No caso do PC, até tem-se uma oportunidade de jogar títulos free-to-play, mas montar um computador que rode esses jogos não é algo tão barato de ser feito.
O celular, então, se mostra uma alternativa mais em conta. Há opções caras de dispositivos, claro, mas tem de se levar em consideração que o uso do smartphone não é exclusivo para jogos, como no caso de consoles. Dentro desse aspecto, o mercado mobile é mais inclusivo e este é o primeiro fator a favor do mercado de jogos móveis.
O segundo fator que faz com que tenha mais inclusão dentro de jogos para celular é a gratuidade. Há muitos títulos de graça para jogar, incluindo alguns do mercado premium que, por ser uma parcela pequena do todo dentro do jogo, a publisher libera gratuitamente uma versão de qualidade inferior e, se o usuário quiser ter uma melhor performance e mais cosméticos, ele pode comprar.
Por fim, temos a questão do “on demand“: jogos para celulares são passíveis de serem jogados em qualquer lugar.
Na sua opinião, como está o momento da educação no setor de jogos em si? Você acredita que ainda é um setor que carece de ofertas? Como o Brasil está posicionado hoje?
Cleyton: Isso se conecta com a atuação da EBAC. Vejo que o mercado tem bastante potencial porque, ao mesmo tempo que se tem escassez de mão de obra especializada, existe também a necessidade de treinar pessoas para suprir isso. Olhando por esse prisma, ainda há uma certa carência de ofertas.
Vejo cursos no mercado que aparentemente são interessantes, mas quando se entende um pouco melhor sobre o conteúdo oferecido, ficam aquém da necessidade real. Acredito que o mercado hoje exige das escolas a proposta de aprendizados mais rápidos em termos do que é preciso fazer para atender às demandas.
E com relação aos talentos que são formados/capacitados? O Brasil concorrer com o exterior ainda é um dilema?
Cleyton Oliveira – Quando falamos de talento, de mão de obra, o mercado está bastante volátil, com momentos de contratação, mas também muitas demissões. Acredito que uma das motivações do volume de dispensas nos últimos tempos dentro do segmento de jogos é reflexo ainda do crescimento desproporcional da pandemia, ou seja, contrataram muito para suprir a alta e, agora, ainda estão ajustando para o que de fato é a realidade. Os vários movimentos de aquisições e fusões também representaram uma parcela nesse impacto.
Olhando do ponto de vista do desenvolvimento, há estúdios em busca de profissionais e com certeza o Brasil concorre com o mercado internacional – uma competição mais desleal, especialmente porque hoje, com o trabalho remoto, o profissional pode atuar de dentro do Brasil para uma organização no exterior.
Os estúdios brasileiros que queiram contratar talentos locais precisam entender a oferta que o mercado está proporcionando e chegar em uma opção similar para que eles sejam uma escolha viável financeiramente falando, e do que o trabalho em si irá proporcionar ao talento.
Do ponto de vista do profissional, o mercado está aquecido, porque ele tem oportunidade de trabalhar em projetos relevantes não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, desde que tenha condições técnicas para isso – claro.