Conheça: Drussila Hollanda, a brasileira que fundou o próprio estúdio na Finlândia

Game designer saiu de Recife para fazer carreira em Helsinque e fundar o estúdio Papukaya
drussila hollanda
Drussila Hollanda. Foto: Arquivo pessoal

Drussila Hollanda é uma jovem veterana da indústria dos games. Começou carreira na Jynx Playware, de Recife, estúdio sediado dentro do Porto Digital, polo tecnológico da capital pernambucana, quando ainda era estudante de design na Universidade Federal de Pernambuco, a UFPE. Trabalhou com jogos mobile alguns anos antes do iPhone ser lançado em 2007, mudando o paradigma dos “jogos de celular”.

Ficou dois anos no Jynx, exatamente até o começo de 2007, tendo sido inclusive líder da área de game design do estúdio. Até que uma mudança radical a levou a trabalhar com games em outro continente.

“Quando me formei queria continuar minha carreia em games [mobile] e busquei lugares em que havia empresas legais [no setor], e na Finlândia tinha uma das líderes na época, a Digital Chocolate. Eles faziam jogos de apelo mais amplo”, recorda a game designer sobre aquele momento, quando tinha apenas 22 anos de idade.

Drussila se candidatou e foi aceita, se mudando para Helsinque, a capital do país nórdico. “Eu fui para trabalhar, mas estou lá há 17 anos. Tive muitas oportunidades legais”, diz.

O The Gaming Era conversou com Drussila durante visita dela ao Brasil, na semana passada, para participar de um evento promovido pelo Business Finland em São Paulo, capital. A organização criada pelo governo finlandês faz, entre outras coisas, recrutamento de talentos internacionais para se mudarem e trabalhar na Finlândia.

Trajetória finlandesa

A profissional brasileira passou três anos e meio na Digital Chocolate [estúdio americano que, aliás, fechou portas em 2014], e trabalhou em títulos como Safari Kingdom e Party Island, para o Facebook, além de Bikini Jump e My Pet Store, para dispositivos móveis, entre outros. Depois passou um ano na Rovio, trabalhando em versões para web do arrasa-quarteirões Angry Birds.

Mudou-se para Berlim, na Alemanha, onde ficou só um ano antes de voltar para a Finlândia (da qual sentiu “muita saudade”, em bom português) e passar oito anos na Supercell, dona do também best seller mobile Clash of Clans.

No estúdio mobile, ela foi responsável pela fundação da Hive Helsinki, escola de programação da qual ainda é presidente do conselho de administração. Foi a experiência derradeira que levou a designer a arriscar e fundar, em 2020, seu próprio estúdio, o Papukaya – que, em finlandês, significa “cenoura”, e que tinha o objetivo de criar “experiências de jogos significativas e duradouras”.

Depois de desenvolver alguns jogos e protótipos, o estúdio encerrou atividades em novembro de 2023. “Não tenho vergonha nenhuma de dizer que fali. Na Finlândia, isso não é visto como sinal de fracasso, apenas como parte da trajetória de aprendizado”, diz Drussila.

A game designer e executiva, que é casada com um finlandês e tem um filho de sete anos, diz que não tem planos de sair do país europeu. “[A Finlândia permite] uma qualidade de vida muito grande. É um país extremamente seguro. Tem um sistema de saúde e educação para todo mundo, independentemente de ser rico ou pobre. É muito difícil sair”, diz.

Confira abaixo um pedaço da entrevista concedida por Drussila ao TGE durante sua passagem por São Paulo.

TGE: Como foi se mudar para a Finlândia? É muito diferente trabalhar com games no Brasil e lá?

Drussila Hollanda: A empresa que trabalhei em Recife era pequena e todo mundo fazia de tudo um pouco. Acho que isso me preparou. De maneira geral essa coisa de hierarquia é menor na Finlândia. Não sei dizer das empresas brasileiras, mas lá as coisas são mais focadas, todo mundo fala o que pensa, é mais prático.

Não sei como é agora, mas na época tinha aquela coisa de bater ponto [no Brasil]. Chegar às 8h, ter duas horas de almoço, sair às 18h. Na Finlândia [a carga horária] é de 7h30 por dia, você chega quando quer, vai embora quando quer. Você que gerencia os horários.

É uma sociedade com cultura muito forte de confiança. As pessoas confiam em você, esse é o padrão. Você pode até perder a confiança, mas isso é mostrado no dia a dia e no trabalho.

É tudo muito transparente, com pouca hierarquia. A gente foca em adicionar valor, não tem politicagem ou falta de informação.

TGE: Foi difícil se adaptar?

Drussila: Sim, foi difícil. Tem uma curva de aprendizado. É uma cultura diferente. Conforme você vai conhecendo, vai entendendo melhor, mas é meio difícil de se integrar. Eu sou uma pessoa introvertida, então quando você chega introvertida em um país de introvertidos, é difícil.

drussila hollanda, finlândia
Drussilla no outono finlandês. Foto: Arquivo pessoal

Eu me lembro de ficar uns seis meses para entender que não é que eles não gostassem de mim, é que eles são “na deles”. Com o tempo fiz amizades. Hoje tenho um filho de sete anos, o pai dele é finlandês. Não é que eles sejam rudes. Eles são humildes e tímidos. Não gostam de holofotes.

TGE: Além de trabalhar na indústria de games finlandesa, você também empreendeu, fundou seu próprio estúdio. Como foi essa experiência?

Drussila: Eu já estava lá há um tempo antes de montar a empresa. Fui ganhando experiência em cargos de liderança. Meu último projeto na Supercell foi fundar uma escola de programação [a Hive] que está aberta há cinco anos. Eu ainda estou associada a essa escola.

A Supercell me deu o projeto, mas eu fiz o trabalho de fundar, montar equipe, manejar orçamento, a comunicação etc. E aí eu aprendi muito, e foi difícil voltar para a Supercell. Eu voltei e avisei que ia sair. [Risos].

Eu gosto muito de lá, aprendi muito com eles, mas continuo gostando de jogos casuais, que atendem a um público mais feminino, pessoas que não se consideram gamers. A Supercell saiu disso, agora é mais [focada em jogos como] Clash of Clans. A empresa maturou, e eu estou olhando para outro segmento.

Mas eles toparam financiar meu estúdio. Eu falei de quanto precisava, tive algumas reuniões. Muito rápido eles fizeram [o aporte, que totalizou US$ 3 milhões em setembro de 2020]. Do ponto de vista deles foi interessante [fazer o investimento]. Mas não deu certo, eu fechei em novembro do ano passado.

TGE: Você fala disso com bastante naturalidade. Como foi fechar o estúdio que você fundou?

Drussila: Foi uma escola de empreendedorismo. Eu comecei a empresa na pandemia, já começou difícil de contratar. No fim das contas eu tomei muitos riscos ao mesmo tempo, apesar da empresa ter uma hipótese [de negócios] na qual eu ainda acredito muito.

Eu tinha produtos inovadores que eu queria lançar com uma equipe montada do zero. Era muito risco no produto e na equipe, com uma chance baixa de dar certo em um mercado mais e mais difícil. Olhando para trás agora eu veria onde poder ter diminuído esse risco.

TGE: O Papukaya chegou a lançar algum game?

Drussila: A gente prototipou muita coisa e botamos dois jogos no mercado. Queríamos testar as coisas no mercado o mais rápido possível, para fazer o marketing o mais rápido possível. Não adianta desenvolver um jogo sem nem saber se dá para fazer o marketing dele. Na Supercell vi jogos bons morrerem porque o marketing era muito caro.

A gente fazia o MVP [sigla em inglês para ‘produto viável mínimo’], e aí a gente via se estava atraindo a galera.

Um [dos jogos lançados] era o B&B Dreams, um jogo escapista em que você cuida de um bed and breakfast [tipo de pousada] e dos personagens [que ali se hospedam], e ouvia as histórias deles. Obtivemos números positivos de retenção de usuários no curto prazo. Mas o que ficou difícil foi ter as habilidades enquanto equipe para executar o jogo.

Telas de B&B Dreams. Imagem: Divulgação

O outro [jogo] foi Collor Connect. Um puzzle com mecânica diferente. A gente testou projetos muito inovadores, grandes, que ficaram difíceis com a equipe pequena que não se conhecia tão bem. E tentamos uma coisa mais básica, por isso fomos para o puzzle. Mas é um mercado muito saturado, pelo qual eu não era apaixonada, não foi para isso que montei a empresa.

TGE: Qual foi o tamanho máximo de equipe que o Papukaya teve?

Drussila: Foram no máximo sete pessoas. Não tinha outros brasileiros, mas tinha um americano, um espanhol remoto, uma menina metade finlandesa, metade alemã.

Era importante para mim ter um time diverso. Éramos mais mulheres que na média do mercado: três mulheres e quatro homens.

TGE: E o que você aprendeu com o fim do Papukaya?

Drussila: Quando a Supercell me deu investimento, o CEO, que era meu chefe na época, estava muito animado com a ideia, em investir, mas me falou “quero que você entenda que você vai falhar”, e “o que você está fazendo é arriscado”. Eu falei que queria, ou iria ficar para sempre pensando “e se”. Tive muita sorte de ter crescido na Supercell, a gente matava muitos jogos lá e tive experiências de falha antes.

Os fundadores da Supercell vieram da Digital Chcolate, e eu sei que eles tiveram fracassos antes.

Vendo isso, e pela cultura da Finlândia, de maneira geral a gente é muito incentivado a tentar. E dividir o aprendizado. Mas, claro, ninguém gosta de falhar.

TGE: E como é empreender fora do seu país natal? É fácil abrir uma empresa na Finlândia?

Drussila: Sim, bastante. É muito fácil montar uma empresa lá, é tudo digitalizado. Além disso temos a Neogames, associação que apoia e faz networking com as empresas sobre o que elas precisam. Existe muita troca de aprendizado e informação, todo mundo sabe o que está acontecendo [na indústria local].

Ontem entrei no Instagram e um amigo brasileiro de lá que é empreendedor compartilhou um evento aberto a todos sobre games. Foi uma coisa comunitária, esse amigo emprestou o escritório que estava aberto a todo mundo.

A Finlândia é um país pequeno, mas tem muita coisa acontecendo.

TGE: No fim das contas, vale a pena imigrar para a Finlândia para trabalhar com games?

Drussila: Estou lá há 17 anos. Eu digo que fui para trabalhar, mas fiquei pelos valores. Tem uma qualidade de vida muito grande. É um país extremamente seguro. Tem um sistema de saúde e educação para todo mundo, independentemente de ser rico ou pobre. É muito difícil sair.

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