Márcio Filho, da RING: ‘é preciso ver o jogo para além do jogo’

Na expectativa da aprovação do Marco Legal ainda no 1º semestre, presidente da RING fala da importância do setor de games para o Brasil
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Márcio Filho, presidente da ACJogos-RJ. Foto: Erick Mídias, Divulgação

Com a aprovação e sanção do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos cada vez mais próxima, a grande missão das associações de desenvolvedores – que obtiveram inquestionável vitória política durante a tramitação do projeto de lei ao pressionar pela retirada dos fantasy games do texto – é “ir para os lugares e dizer que o setor é estratégico para a nação brasileira”.

Essa é a opinião de Márcio Filho, presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do Estado do Rio de Janeiro – mas pode chamar só de RING (de Rio Indie Games, nome original do coletivo iniciado em 2016 para promover encontros entre desenvolvedores cariocas). O executivo, que esteve muito próximo do processo de aprovação do texto no Senado, espera que a sanção presidencial do projeto ocorra entre abril e maio desse ano, ou seja, ainda no primeiro semestre.

Para ele, que se tornou uma das lideranças mais notáveis do setor, o texto atual do projeto de lei cumpre “um papel histórico gigantesco”. Além disso, diz, os games estão sendo mais reconhecidos pelo papel social e cultural que desempenham, e podem ser cada vez mais usados inclusive fora do entretenimento, em setores como educação e saúde.

“Imagine o dia em que uma secretaria de saúde quiser fazer um programa de saúde mental e convidar os desenvolvedores para participar? Que legal vai ser quando uma grande empresa quiser incentivar programas de educação ambiental a partir de jogos eletrônicos”, vislumbra o executivo setorial.

Atualmente, a entidade reúne 59 estúdios sediados no Rio de Janeiro. Serem reconhecidos como parte de um setor econômico ativo e importante para o Brasil é apenas parte das dificuldades que elas enfrentam atualmente. Educação e capacitação, apoio à profissionalização das empresas e na busca de recursos disponíveis também são pedras fundamentais.

Confira os melhores momentos da conversa do The Gaming Era com o presidente da RING.

The Gaming Era: Queria começar te questionando sobre o Marco Legal. Você participou das audiências públicas, conversou com os parlamentares, sentiu o clima da tramitação. A aprovação ocorre esse ano?

Márcio Filho: A expectativa é de aprovação esse ano, absolutamente. Ainda no primeiro semestre. Esse ano teremos eleições municipais, e ainda que institucionalmente não se possa falar de paralisação do Legislativo, há uma diminuição [no ritmo]. Boa parte dos parlamentares concorrem, ou apoiam candidatos a prefeituras.

Márcio Filho, RING
Márcio fala em sessão do Senado que debateu o PL 2.796 em 2023. Foto: Agência Senado

A expectativa é aprovar ainda no primeiro semestre. Até o fim de abril espero que o projeto tenha sido enviado para sanção ou veto do Governo Federal.

TGE: Deve passar pela Câmara sem dificuldades?

Márcio: Na data de hoje a possiblidade de aprovar o [texto] substitutivo é de quase 100%. Acredito que vamos aprovar. Após aprovação no Senado [o projeto] volta à Câmara, mas não para novas emendas.

O Kim Kataguiri (UNIÃO-SP, autor original do projeto de lei) está sensibilizado com o novo texto. E temos conversado com muitas lideranças. Com as várias frentes parlamentares da casa. Comissão de Esportes e subcomissão de esportes eletrônicos.

Tudo indica que não haverá retrocesso e aponta para uma aprovação célere se as condições normais de temperatura e pressão forem mantidas. Há grande expectativa de que o presidente [da Câmara dos Deputados], Arthur Lira (Progressistas-AL) dê celeridade ao processo para chegar logo na mão do governo federal.

Nossa expectativa é que entre abril e maio seja sancionado.

TGE: Durante a tramitação do Marco Legal no Senado, houve um anúncio de uma nova frente parlamentar bastante ampla para o setor de jogos eletrônicos. Isso ajuda ou atrapalha a tramitação?

Marcio: Eu acho que ela [a frente] pode fortalecer [a tramitação do PL] na volta para a Câmara. Quero ser cauteloso no que vou falar agora. Mas o esforço geral que a gente produziu, especialmente no Senado, chamou atenção dos parlamentares. Até então eles entendiam [os games] como coisa de criança.

Quando fomos organizados com a associação nacional (Abragames) e as regionais, a academia, os professores etc, demos uma demonstração de maturidade muito grande. Ela aconteceu nos bastidores até culminar em 20 de setembro de 2023 quando ocupamos o Congresso por quatro horas e explicamos que jogo é jogo, aposta é aposta.

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Com os senadores Flávio Arns e Leila Barros, além de outros representantes do setor de games. Foto: Agência Senado

E explicamos que é uma indústria essencial para o País para as próximas décadas. Isso trouxe um nível de consciência muito grande e desejos além dos nossos. Nesse sentido, a frente parlamentar é uma demonstração de força excelente. Os que assinaram [a criação da] a frente entendem que existe um setor a cuja importância devem estar vinculados. Isso nos reforça.

TGE: A RING participou do lançamento da frente?

Marcio: Fomos chamados para o lançamento, mas não para a formação. Temos tido interlocução e conversado com o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO), que é o presidente [da frente parlamentar].

TGE: Houve uma tentativa de frear a tramitação do projeto no Senado sob alegação de que ele cria gastos adicionais, inclusive com reação contrária da Abragames e da RING. Afinal, o projeto cria ou não despesas adicionais? Esse tema pode atrapalhar a tramitação?

Marcio: Eu acho que isso já está superado. Temos tentado municiar o Governo com informações. Não existe isenção fiscal para um setor que não está formalmente estabelecido. Quando o governo dá isenção para uma fábrica de refrigerante, sabe quanto esse setor fatura e quanto reduzir, por exemplo, o IPI [imposto sobre produtos industrializados] traz de impacto imediato.

O setor de jogos não tem um CNAE próprio. O governo sabe que não somos gigantescos. Temos US$ 250 milhões de dólares [de receita] do ponto de vista produtivo. A perda financeira sobre um eventual imposto sobre isso, que são as ações de fomento, é diferente da de setores consolidados.

Setor de jogos vai poder abater imposto de renda sobre remessas internacionais. Mas o que é isso frente ao bolo todo? É muito pequeno. O setor de jogos não está em momento de ser capaz de produzir um volume tão grande de pagamento de impostos. A gente precisa de mecanismos de incentivo, que já existem.

Estamos entrando na Lei do Bem, na Lei das Startups, no Simples etc. São coisas que já existem e estamos dizendo que podemos ser atendidos.

TGE: Quais os impactos imediatos do Marco Legal logo após sua aprovação. Vocês fizeram esse cálculo?

Marcio: O primeiro esforço vai acontecer nos seis primeiros meses em que a lei existe, mas não está regulamentada. Vamos ajudar o IBGE a criar o CBO [Classificação Brasileira de Ocupações, que reconhece os empregados do setor]. E a Receita Federal a criar a família de CNAEs [Classificação Nacional de Atividades Econômicas] relativas às empresas de jogos. A Receita vai criar um modelo aduaneiro [de importação] para trazer os devkits.

Ou seja, depois da aprovação da lei, vai ser um momento de grande alegria, mas também vamos ter muito trabalho. Serão seis meses de trabalho para que os pontos previstos na lei possam funcionar. Ou seja, não é uma expectativa mercadológica, mas de regulação.

No ano que vem a gente espera um enorme aumento do volume de políticas públicas e investimentos privados, nacionais e internacionais. Com isso vai chegar muito dinheiro no mercado, para investir. E no segundo ano esperamos que os efeitos dos benefícios e fomentos que comecem a funcionar de verdade.

TGE: A aprovação do Marco Legal indica que estamos em um novo momento do mercado de games no Brasil, que sempre foi muito estigmatizado pela associação com episódios de violência e até jogos de azar? Você se sente satisfeito?

Marcio: Política é uma análise concreta sobre dados concretos. A gente não pode analisar vida na sociedade sem todos os conjuntos de fatores que a impactam. O setor de jogos eletrônicos existe na sociedade. A gente chegou aonde chegou porque era possível chegar onde chegamos. Não havia o nível de organização que temos hoje quatro ou cinco anos atrás.

O grau de satisfação é também de pragmatismo. Conseguimos construir o melhor texto possível para esse momento histórico. Talvez pudéssemos avançar sobre a questão das loot boxes? Não sei. Poderíamos ter falado de IA? Há um monte de temas relativos à nossa área e que não abordamos porque não estamos maduros ainda. Nem o setor, nem o tema.

É um texto que me deixa satisfeito porque cumpre um papel histórico gigantesco. Passar a haver CNAE, CBO, devkits. O setor passa a ser reconhecido enquanto cultura, por sua aplicação potencial na cultura, na saúde, no meio ambiente. É uma satisfação histórica e até pessoal enorme.

Enquanto as Big Techs [grandes empresas de tecnologia] estão se afastando do debate [sobre regulação, referindo-se chamada Lei das Fake News], nós dos games estamos chamando esse debate.

O Marco Legal dos Jogos Eletrônicos tem um capítulo sobre essa questão, sobre a responsabilidade [da indústria] sobre a comunidade. Isso nos coloca na vanguarda global.

TGE: Agora falando especificamente da RING. Qual a principal missão da associação hoje?

Marcio: A RING surgiu como coletivo. Era um encontro de desenvolvedores aqui do Rio de Janeiro. Quando chega em 2021, a gente observou que faltava articulação institucional do setor e isso dificulta pleitear um olhar para os produtores de jogos. São fazedores culturais e a gente ficou muito ofuscado pela lógica do ‘é um setor que está crescendo muito no mundo’.

Para as grandes empresas a pandemia foi realmente incrível, mas para os pequenos desenvolvedores foi um caos.

Os investidores, com medo da insegurança, secaram fontes de financiamento. Investiram em coisas com retorno mais imediato. E os trabalhadores que estavam desenvolvendo precisavam de fontes de recursos.

Em 2021 começamos a nos reunir online para construir o primeiro estatuto. Criamos uma associação privada sem fins lucrativas para fomentar o setor no Estado do Rio de Janeiro. Bebemos de fontes que já estavam prontas: o pessoal do Rio Grande do Sul, do Ceará. Olhamos os estatutos deles e criamos o nosso.

A RING e uma associação para o setor, não para os associados. Se o setor de jogos é uma mesa, a RING tem a obrigação de sustentar essa mesa. É o advocacy, a defesa do setor. Vamos para conversar com ministros, com presidentes de bancos, com a imprensa. Temos que ir para os lugares e dizer que o setor é estratégico para a nação brasileira.

Mas tem outras pernas importantes. Não adianta ter política pública sem gente formada. Construímos um fórum de educação. Outra pedra é o Sistema S: Sebrae, Sesc. Eles dão formação, botam gente no mercado. E como falam diretamente com a sociedade, produzimos eventos junto com eles. Fóruns e workshops. E ajudam na relação com grandes players, sejam endêmicos ou não.

TGE: São quantos os associados à RING atualmente? E qual a representatividade?

Marcio: Não temos todos os associados mapeados. Como não existe um CNAE [para o setor de games], fazemos uma pesquisa. Mas hoje são 59 associados. É um número alto. Há empresas que não se associaram porque obedecem a questões de compliance que não podem participar de associações.

TGE: Com a aprovação do Marco Legal e o reconhecimento do setor de jogos eletrônicos no País, quais se tornam os próximos passos da RING?

Marcio: As tarefas atuais permanecerão. A gente precisa continuar falando com o Governo, e com investidores, sobre o que é o setor.

Eu também quero um polo avançado na RING, um escritório de representação fora da região metropolitana [do Rio de Janeiro]. Estamos focados nisso. Não sei se na costa do Estado, Campos, Macaé. Não sei se na Região Serrana. Tem gente espalhada pelo estado todo, mas a RING ainda é muito concentrada na região metropolitana.

E para os próximos cinco anos, precisamos vislumbrar que as lideranças [do setor de games] possam influir na vida da sociedade de modo geral.

Não podemos ver os jogos isolados. É preciso ver o jogo para além do jogo, como instrumento de emprego, renda, mas também entretenimento.

Imagine o dia em que uma secretaria de saúde quiser fazer um programa de saúde mental e convidar os desenvolvedores para participar? Que legal vai ser quando uma grande empresa quiser incentivar programas de educação ambiental a partir de jogos eletrônicos.

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