Discutindo o jogo com… Guilherme Camargo

Uma conversa franca com o CEO do Sioux Group, empresa responsável pela Pesquisa Game Brasil
Guilherme Camargo, Sioux Group, PGB, Pesquisa Game Brasil
Guilherme Camargo. Foto: Hoopp Studio

Olá, muito prazer! Para quem não me conhece, meu nome é Pablo Miyazawa e sou jornalista formado pela PUC-SP. Por toda minha vida profissional, tive o privilégio de trabalhar com videogames – seja do outro lado do balcão (meu primeiro emprego CLT foi no marketing da Nintendo brasileira), seja escrevendo e editando publicações (revistas de games, sites, blogs, colunas e por aí vai).

A partir desta semana, como colunista do The Gaming Era, meu objetivo é trazer entrevistas com personalidades interessantes da indústria brasileira de games. Para começar, apresento meu papo com Guilherme Camargo.

Após uma longa passagem pela Microsoft, quando coordenou a marca Xbox, ele se tornou sócio-fundador do Sioux Group, responsável pela Pesquisa Game Brasil, que há uma década analisa as tendências de comportamento dos consumidores de jogos no país.

Confira a seguir os melhores momentos da conversa.

Você está prestes a divulgar a edição 2024 da Pesquisa Game Brasil. O que já pode revelar sobre as tendências de comportamento do brasileiro que joga?

Guilherme Camargo: A pesquisa está cada vez mais dentro de um parâmetro de margem de erro, então continua apontando que 70 a 75% de brasileiros afirmam consumir jogos eletrônicos. Para 2024, eu imagino que a gente siga dentro desse contexto, até porque teve a pandemia, que aumentou um pouco o tempo de exposição às telas, o que ajudou muito o mercado de games a se estabelecer como uma opção.

Nos últimos anos, com a volta de nossa vida social fora das telas, o mercado continua aquecido dentro da margem próxima à da época da pandemia. Em resumo, pelo menos sete em cada 10 brasileiros afirmam jogar, e isso para qualquer tipo de mercado é um número bastante relevante.

Tem outro dado que sempre gera atenção, que é a distribuição de quem afirma jogar jogos eletrônicos entre homens e mulheres. As mulheres representaram a maioria durante cinco anos. No ano passado, os homens voltaram a liderar. Já esse ano, talvez as mulheres tenham voltado à liderança, mas a diferença é sempre de dois a três pontos percentuais.

“Basicamente, existe um empate técnico dentro dessa discussão de sexo e games.”

Nos últimos anos, a pesquisa também apontou que o celular é a principal plataforma de games no Brasil. Hoje, já não se discute sobre se um jogo de celular pode ou não ser considerado “game de verdade”. Dá para dizer que há uma consolidação desse mercado? Não seria mais uma bolha, e sim, uma realidade?

Guilherme Camargo: Eu diria que nunca foi uma bolha, do ponto de vista de receita. O mercado mobile é responsável por 50% do faturamento de games no mundo, sendo que, quinze anos atrás, essa era uma categoria inexistente.

Possivelmente, pouquíssimas pessoas compram um smartphone apenas para jogar, mas é uma plataforma em que o game funciona muito bem. Muitas vezes, essa é a porta de entrada para muita gente entrar nesse universo – lembrando que, hoje, existem mais smartphones do que brasileiros. E além de ser a principal, talvez seja uma porta de entrada mais democrática, porque por R$ 800, você consegue ter acesso a um smartphone que roda jogos.

Vale dizer que, há alguns anos, tivemos por aqui o fenômeno FreeFire, que foi muito bem aceito e jogado graças ao seu lado competitivo e que deu acessibilidade para a classe C, que não necessariamente é o target principal da indústria de games.

Existe atualmente uma onipresença da discussão sobre a inteligência artificial. Como você enxerga a influência dessa tecnologia no mercado profissional de games? O medo da IA estaria afetando o estado das coisas?

Guilherme Camargo: Existem essas ondas de tecnologia, né? Há alguns anos, falava-se de Metaverso, Realidade Aumentada, jogos em 3D, NFTs… Como os games tem essa questão de trabalhar muito forte a inovação, a Inteligência Artificial está dentro desse “hall”.

Mas tem um contraponto. Conversando com algumas pessoas que trabalham na indústria, percebo que ainda existem muitos questionamentos sobre a aplicação da IA dentro das grandes desenvolvedoras, do ponto de vista de conhecimento de dados em relação ao consumidor. Agora, acho que é o momento em que a indústria está pensando em como utilizar essa tecnologia para melhorar a experiência e usá-la melhor dentro de um contexto econômico.

Nesse mercado, tudo é uma questão cíclica. Muitos dos investimentos em tecnologia feitos há alguns anos foram em Metaverso e Realidade Virtual. Só que esses esforços de tecnologia foram se reduzindo ao longo dos anos, porque apareceram outras inovações – e a inteligência artificial foi uma dessas. Acho que parte das pessoas que saíram naqueles layoffs acabou recontratada e passou a trabalhar em outras frentes, mas com outra abordagem.

Agora, estamos vivendo esse momento de transição, em que todos tentam entender qual é o papel da Inteligência Artificial dentro do dia a dia, e também como o mercado de trabalho vai se adaptar às novas tecnologias. Ou então, a gente precisará criar outras formas de trabalhar, porque vai haver momentos com oportunidades de novos trabalhos, mas também situações em que, caso o retorno não seja o esperado, vai haver reduções e demissões.

Mas eu não vejo esse caos, de que isso estaria tirando emprego de quem trabalha com games, muito pelo contrário. Acho que vai, sim, gerar novas oportunidades no médio prazo.

Ainda sobre mercado de trabalho: no ano passado, foram muitas as notícias de enxugamentos e demissões em grandes desenvolvedoras. Isso assusta os jovens profissionais, que têm a impressão de que talvez não exista tanta disponibilidade de vagas como se acreditava. O que a situação dessas empresas diz sobre a realidade de trabalhar com games?

Guilherme Camargo: Talvez o lado legal do universo dos games é que o mercado de consumo ainda não se reduziu e, de alguma maneira, continua importante. As empresas de games estão sempre repensando os tamanhos de seus times, e geralmente a parte de desenvolvimento é a que mais sofre impacto quando a gente analisa essas notícias.

Eu também sou coordenador do curso de Game Business da ESPM, e vejo que existe na indústria de games no Brasil uma demanda das empresas por profissionais com conhecimentos em áreas que ainda oferecem muitas oportunidades de trabalho. Uma tendência para quem estuda games, conhece as mecânicas e as técnicas de um bom storytelling, é trabalhar nessa parte de UX (user experience), que é uma das profissões mais bem pagas do momento, para cuidar de gamificação dentro de uma empresa.

Isso pode envolver desde a parte de contratação como de retenção de funcionários, campanhas etc. Ou seja, as competências que o mercado de games oferece podem ser aplicadas para fins que não tem nada a ver com o entretenimento.

Então, eu vejo esse lado otimista, em que os games também têm outra vertente dentro do mercado “mais sério”. Isso abre muitas possibilidades para quem tem um diferencial de “games como negócio”, aplicando isso em marketing, vendas e em outros segmentos. Nesse aspecto, eu enxergo uma necessidade de capacitarmos cada vez mais pessoas que queiram trabalhar nesse universo.

Eu sou um crítico fascinado a respeito de como as novas gerações se comportam diante da tecnologia, porque parece que os jovens sempre sabem de algo que os mais velhos não entendem. O que a PGB tem indicado sobre as tendências das formas de consumo, como no jornalismo, por exemplo?

Guilherme Camargo: O consumo hoje está mais imediatista, e um reflexo que vemos na pesquisa é a forma como o público se informa sobre jogos. O TikTok é um fenômeno, porque começou como uma rede social mais voltada para comportamento e, hoje, virou uma referência – são muitas as pessoas que descobrem o que está acontecendo de legal por meio do TikTok. Quer dizer, se você não conhece ou entende a ferramenta, talvez não esteja se comunicando com o público jovem que não tem as referências do que foi um site ou uma revista.

A evolução está acontecendo em períodos mais curtos e é difícil de acompanhar. Esse é o grande dilema, né? A gente tem de se reinventar, porque hoje a forma de informação é outra – o formato é o vídeo de 15 segundos. Os conteúdos são editados em uma velocidade que, se não me prenderem em cinco segundos, eu já fui embora e você me perdeu.

A gente está vivenciando esse conflito de gerações, o mundo ficou muito rápido e é difícil criar uma identidade dentro dessa enxurrada de informação. Além disso, temos a questão do tempo de exposição diante da tela e todas essas discussões sobre diversidade e inclusão. Com isso, a gente começa a interpretar e entender o jovem e como isso vai se refletir no futuro, porque todo mundo vai envelhecer e não sabemos se a plataforma mais relevante de hoje continuará sendo relevante amanhã.

Para terminar, gostaria de um diagnóstico sobre o “Brasil dos Games”. O que precisaria acontecer no país para melhorarmos em todos os aspectos – mais jogadores, maior presença de empresas, mais empregos, mais receita gerada?

Guilherme Camargo: Os brasileiros têm toda essa questão mais passional, o que facilita uma cultura do “amor e ódio” que vivenciamos muito no mercado de games. É também por isso que o Brasil é querido do ponto de vista global, porque é um país que costuma acolher ideias como early adopters, talvez pela necessidade de fazermos parte de algo maior.

Do ponto de vista da indústria: nós não somos os maiores criadores de franquias, mas hoje temos muitas empresas que fazem jogos, e existe uma grande movimentação de estúdios se juntando com outros ou sendo comprados. Além disso, a gente acabou desenvolvendo uma característica brasileira que eu chamo de “one man army”: muitos profissionais têm uma grande competência, que é a de ter várias competências ao mesmo tempo – desenvolver, vender, pensar –, enquanto que em países mais desenvolvidos as empresas têm várias pessoas pensando em cada ciclo das jornadas.

O Brasil requer um investimento constante em conhecimentos únicos sobre a parte logística, de impostos, de política, de economia. Não é um país simples para uma empresa se estabelecer e fazer negócio. Obviamente, isso inibe marcas grandes a marcarem presença com escritórios locais. Muitas preferem fazer negócios via México ou só participam dos eventos, o que é uma forma meio cômoda de se investir por aqui.

Talvez a frustração esteja no fato de que nós consumimos todas as marcas e segmentos no Brasil, só que a indústria ainda é formada apenas por uma parte desse grande grupo. Só que as empresas que investiram e investem em nosso país têm um retorno melhor e maior, e a comunidade dos gamers costuma privilegiar esse tipo de participação.

Então, do ponto de vista de consumo, eu sou muito otimista. Já do ponto de vista de negócio, a visão é a médio prazo.

O Brasil não é um país para empresas amadoras ou que queiram resultados muito imediatos, porque requer um pouco mais de planejamento e um conhecimento contábil-fiscal interessante para se estabelecerem por aqui.

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